Incidência de IRPJ/CSLL sobre os juros moratórios pagos em decorrência de inadimplemento contratual*

A Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça mantém a cobrança do imposto de renda de pessoa jurídica (IRPJ) e da contribuição social sobre lucros líquidos (CSLL) incidentes sobre os juros moratórios recebidos pelo credor, em razão do inadimplemento contratual (REsp nº 2002.501/RJ-Aglnt).

Os Ministros do STJ acompanharam o voto do Ministro Benedito Gonçalves para quem essa matéria tem sido decidida reiteradamente a favor da incidência dos dois tributos pela 1ª e 2ª Turmas do STJ, porque os juros moratórios possuem natureza de lucros cessantes, conforme decisão da 1ª Seção.

Com a devida vênia o argumento não pode prosperar.

São inconfundíveis os juros de mora que, como o próprio nome está a indicar, serve para ressarcir o credor pela mora no adimplemento da obrigação contratual, com os lucros cessantes que, ao teor do art. 402 do Código Civil, significa reposição daquilo que razoavelmente deixou de lucrar em razão de um evento danoso causado por terceiro.

A percepção de juros moratórios nada acrescenta ao patrimônio do credor. Apenas recompõe o patrimônio do credor desfalcado pela mora do devedor.

É pacífica a jurisprudência do STF quanto à natureza indenizatória dos juros moratórios, afastando a ideia de acréscimo patrimonial, objeto de tributação pelo imposto de renda (RREE nºs 546.828, 487.121, 559.964 e 591.140).

E mais, o STF apreciando do Tema nº 962 da Repercussão Geral decidiu, por unanimidade de votos, “dando interpretação conforme à Constituição Federal ao § 1º do art. 3º da Lei nº 7.713/88, ao art. 17 do Decreto-lei nº 1.598/77 e ao art. 43, inciso II e § 1º do CTN (Lei nº 5.172/66), de modo a excluir do âmbito de aplicação desses dispositivos a incidência do Imposto de Renda e da CSLL sobre a taxa SELIC recebida pelo contribuinte na repetição de indébito tributário, nos termos do voto do Relator”

Ficou fixada a seguinte tese:

“É inconstitucional a incidência do IRPJ e da CSLL sobre valores atinentes à taxa selic recebidos em razão de repetição de indébito tributário” (RE nº 1063187, Rel. Min. Dias Toffoli, DJe de 16/12/2021).

Houve modulação dos efeitos estabelecendo que a decisão produza efeitos ex nunc a partir de 30/09/2021, data do julgamento do mérito, ficando ressalvadas as ações ajuizadas até 17/09/2021 (data do início do julgamento), bem como os fatos geradores anteriores a 30/09/2021 em relação aos quais não tenham havido o pagamento do IRPJ ou da CSLL a que se refere a tese da repercussão geral.

Inconfundíveis, pois, os juros moratórios com os lucros cessantes.

Os lucros cessantes não integram a categoria de juros quer de natureza moratória para ressarcir a mora no cumprimento obrigacional, quer de natureza compensatória para remunerar o capital empregado.

Na chamada desapropriação indireta, como sucedâneo à cobrança de juros moratórios contra a Fazenda Pública que só poderiam ser cobrados após o trânsito em julgado da sentença fixadora do justo preço (art. 3º do Decreto nº 22.785/1933, posteriormente revogado pela Lei nº 4.414/1964), o STF criou pela Súmula nº 164 os chamados juros compensatórios incidindo desde a data do apossamento administrativo até a data do laudo acolhido. Mesmo depois de revogada a proibição do art. 3º do Decreto-lei nº 22.785/1933 a jurisprudência continuou aplicando a taxa de juros compensatórios, de início, cumulativamente com os juros moratórios e, ao depois, de forma sucessiva de sorte que a incidência de juros compensatórios cessam quando tiver início a incidência dos juros moratórios, a contar do trânsito em julgado da decisão fixadora do justo preço (Súmula 70 do STJ).

Os lucros cessantes, por sua vez, dizem respeito à reposição dos ganhos que o expropriado deixou de auferir em razão da desapropriação sofrida.

A justa indenização deve abranger os danos emergentes e os lucros cessantes para recompor o patrimônio desfalcado pela desapropriação.

Danos emergentes são os prejuízos imediatos e mensuráveis, enquanto que lucros cessantes compreendem tudo o que razoavelmente o expropriado deixou de lucrar por força da desapropriação.

Nos danos emergentes estão incluídos os valores dos bens objetos de desapropriação, bem como acessórios, verba honorária, juros moratórios e compensatórios, reembolso de custas e valor da perícia, além de correção monetária. Às vezes inclui-se, também, o fundo de comércio.

Os lucros cessantes compõem verba autônoma de indenização, quando devidos. Por exemplo, o Poder Público desapropria a área destinada ao estacionamento de um supermercado. É óbvio que haverá diminuição da clientela motivada pela dificuldade de estacionar os veículos nas redondezas do supermercado, a influir na realização do lucro.

Outra hipótese: interdição de acesso às lojas situadas ao longo de via pública em decorrência da execução de obras do Metrô, como efetivamente aconteceu na Rua Domingos de Moraes, por prolongados meses.

Em todas essas hipóteses o poder público deve indenizar o proprietário do supermercado e das lojas pelo que razoavelmente eles deixaram de lucrar.

Esses lucros cessantes são igualmente exigíveis contra os particulares. Por exemplo, um vizinho que ao realizar as obras de fundação de um prédio causa desmoronamento da loja comercial, ou rachaduras de monta comprometendo a estrutura do prédio, colocando em risco as pessoas que nela trabalham, motivando a interdição do prédio.

No caso, além dos danos emergentes, o responsável por essa situação deverá responder por lucros cessantes pelo prazo necessário à completa recomposição do prédio atingido pelas obras de fundação.

Por tudo isso entendemos equivocadas as decisões do STJ que determinam a incidência do IRPJ e da CSLL sobre os juros moratórios percebidos pelo credor sob o fundamento de que têm a natureza de lucros cessantes.

Igualmente equivocada a jurisprudência do STJ que veda a cumulação de juros compensatórios com os lucros cessantes que são realidades distintas (EResp nº 1.190.684/RJ, Rel. Min. Benedito Gonçalves, Rel. para Acórdão, Min. Teori Zavascki, DJe de 2-8-2012).

As hipóteses de incidência de juros compensatórios estão previstas nos artigos 591, 670, 677 e 869 do Código Civil. Destinam-se à remuneração do capital empregado ou mutuado, distinguindo-se dos lucros cessantes, sempre dependentes de apuração em cada caso concreto, para aferir a lucratividade interrompida ou diminuída pela superveniência de um dos eventos danosos como os retrorreferidos.

SP, 21-8-2023.

* Texto publicado no Migalhas edição 5.670 de 22-8-2023.

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