No regime do Decreto-lei nº 406/68 havia disposição expressão no sentido de que “o fornecimento de mercadoria com prestação de serviços não especificados na lista” ficaria sujeita ao ICMS (§ 2º, do art. 8º). Ao contrário, a prestação de serviços especificados na lista com fornecimento de mercadorias ficaria sujeito apenas ao ISS. Essa regra, contudo, não era absoluta, porquanto a própria lista de serviços mencionava a tributação pelo ICMS de produtos ou mercadorias empregados na prestação de serviços.
Realmente, as ressalvas das hipóteses de tributação pelo ICMS, quando a prestação de serviços tributáveis envolver fornecimento de mercadorias, estão expressas nos diversos itens de serviços, constantes da lista anexa. São os casos de peças e partes empregadas no serviço de lubrificação, limpeza, lustração, revisão, conserto, restauração, blindagem e manutenção de máquinas, veículos, aparelhos, motores e elevadores (item 14.01); partes empregadas no recondicionamento de motores (item 14.03); fornecimento de alimentos e bebidas nos serviços de organização de festas e recepções (item 17.11). Outrossim, incorporando a jurisprudência firmada a respeito, o item 7.02, concernente à construção civil, inclui na competência impositiva do Estado, o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da execução da obra. A Súmula 167 do STJ insere na competência municipal a tributação do concreto preparado no trajeto até o local da obra em betoneiras acopladas a caminhões. Evidentemente o concreto preparado no local da obra, com muito maior razão configura prestação de serviço. Pela mesma razão, o item 7.05 determina a tributação pelo ICMS de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação de serviços de reparação, conservação e reforma de edifícios, estradas, pontes, portos e congêneres.
A atual lei de regência nacional do ISS, Lei Complementar nº 116/03 prescreve no § 2º, do art. 1º:
“Ressalvadas as exceções expressas na lista anexa, os serviços nela mencionados não ficam sujeitos ao Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação – ICMS, ainda que sua prestação envolva fornecimento de mercadorias.”
Esse parágrafo regulamenta o disposto na letra b, do inciso IX, do § 2º, do art. 155 da CF que prescreve no sentido de que incide o ICMS sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios.
Como a legislação do ISS é dinâmica incorporando periodicamente novos serviços que vão surgindo de conformidade com os avanços tecnológicos na área de prestação de serviços surge a questão da restrição cada vez maior da competência impositiva dos Estados. Haveria inconstitucionalidade por quebra do princípio federativo fazendo com que o alcance do campo de tributação conferido aos Estados fique na dependência do legislador infraconstitucional? Quanto maior a lista de serviços, menor a competência tributária dos Estados.
Penso que não há invasão de competência estadual porque é a própria Constituição Federal que outorgou a competência estadual de forma restrita. Senão vejamos.
- O art. 155, inciso II outorgou aos Estados a tributação apenas dos serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.
O serviço de comunicação está sujeito apenas ao ICMS pouco importando se se trata de comunicação local, intermunicipal, interestadual ou internacional. Como assinalamos em nossa obra a “invocação de simetria com os serviços de transportes, para fazer prevalecer a competência municipal, implicaria atribuir poder impositivo implícito aos Municípios e negar aos Estados a competência expressa, o que seria um absurdo em termos de hermenêutica jurídica” [1].
- O art. 155, § 2º, inciso IX, letra b da Constituição assegura aos Estados a tributação sobre o valor total da operação quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios.
Só que esse dispositivo constitucional não deve ser interpretado literalmente, mas em harmonia com o disposto na alínea seguinte:
- O inciso III, do art. 156 da Constituição Federal atribui aos Municípios a competência para instituir o imposto sobre “serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.
Vale dizer a Constituição reservou aos Municípios a competência para tributar qualquer tipo de serviços com exceção dos serviços de transportes interestadual e intermunicipal e de comunicação. E conferiu à lei complementar a missão de definir os serviços tributáveis pelos Municípios. Tirante os serviços expressamente incluídos na competência privativa dos Estados, o legislador complementar é livre para ampliar a qualquer momento a lista de serviços tributáveis pelos Municípios. A restrição da competência municipal no que tange ao ISS são apenas e tão somente aquelas enumeradas no texto constitucional: 1 – exclusão dos serviços incluídos expressamente na competência dos Estados (art. 155, II da CF); 2 – fixação por lei complementar de alíquotas máximas (art. 156, § 3º, inciso I da CF). A inclusão da alíquota mínima deu-se pela EC nº 37/02; 3 – excluir da incidência do imposto a exportação de serviços para o exterior por prescrição da lei complementar (art. 156, § 3º, inciso II da CF); e 4 – regular por lei complementar a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos ou regulados. Nenhuma outra limitação constitucional existe para o exercício da competência tributária municipal por meio do ISS.
* Jurista, com 32 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
[1] Cf. nosso ISS doutrina e prática, 2. ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 12.