Sumário: 1 Introduçao. 2 Quando ocorre a inidoneidade de nota fiscal. 3 As consequências que a inidoneidade da nota fiscal pode gerar. 3.1 Apreensão da mercadoria e imposição do auto de infração. 3.2 Vedação do direito de crédito do imposto. 4 Confusão entre hipótese de inidoneidade da nota fiscal e hipótese de sonegação ou fraude.
1 Introdução
O presente artigo visa demonstrar, em apertada síntese, a distinção entre a pena de apreensão da mercadoria e imposição do auto de infração contra a empresa vendedora, e da vedação do direito de crédito pela empresa compradora dependente de algumas formalidades por parte do fisco.
Outrossim, o texto procura distinguir a inidoneidade da nota fiscal com a hipótese de sonegação ou fraude que configuram crimes contra a ordem tributária.
2 Quando ocorre a inidoneidade da nota fiscal
Para não nos alongarmos desnecessariamente apenas diremos que dentre as várias razões que resultam na inidoneidade da nota fiscal, avulta aquela que decorre de sua emissão por uma empresa em situação irregular perante o fisco. Essa situação de irregularidade, por sua vez, decorre da decretação de inidoneidade da empresa pelo fisco, seguida de suspensão de sua inscrição cadastral na repartição fiscal competente.
3 As consequências que a inidoneidade da nota fiscal pode gerar
Duas consequências podem surgir da situação de inidoneidade da nota fiscal: a) apreensão da mercadoria e b) vedação de crédito do ICMS.
a) Apreensão da mercadoria
Não há dúvida quanto à legalidade e legitimidade da apreensão da mercadoria transportada por meio de uma nota fiscal inidônea. Porém, essa apreensão é apenas para comprovar a materialidade da infração. Lavrado o auto de infração, sua liberação se impõe por já cumprida a finalidade da apreensão.
Contudo, não é o que vem acontecendo na prática. O fisco vem utilizando a apreensão como meio de coação indireta a fim de obrigar o contribuinte ao pagamento do imposto e da multa consignados no auto de infração. E quando se tratar de produto perecível é comum o auto de apreensão consignar a ameaça de destinação do produto apreendido às instituições sociais sem fins lucrativos, se não pagos os valores exigidos no auto de infração em determinado prazo.
A ilegalidade da medida é patente, por implicar esse procedimento uma sanção política vedada por nada menos que três súmulas do STF didaticamente editadas, de sorte a dispensar a enumeração de cada caso de sanção política.
Por isso, a jurisprudência de nossos tribunais vem concedendo a segurança para determinar a liberação imediata da mercadoria apreendida, assim que lavrado o respectivo auto de infração.
É importante assinalar que trata-se de uma sanção imposta apenas ao vendedor da mercadoria transportada por nota fiscal inidônea, não gerando qualquer consequência ao destinatário da mercadoria, que continua com o direito de receber a mercadoria adquirida, de forma regular, sob pena de anulação da operação de compra e venda.
Finalmente, cabe consignar que o vendedor autuado tem a faculdade de não escriturar a nota fiscal de saída com imposto a pagar por força de sua invalidação por inidoneidade. Se já escriturada ele tem a faculdade de proceder ao estorno da escrita, sob pena de arcar com o duplo pagamento do imposto.
Vedação de crédito do ICMS
A hipótese de vedação do crédito do ICMS pressupõe que a mercadoria chegou ao destinatário, isto é, ela não sofreu a apreensão durante o seu transporte.
Se a empresa foi declarada inidônea pelo fisco, obviamente inidônea será a nota fiscal por ela emitida. E nota fiscal inidônea não pode gerar crédito do ICMS para fins de apuração do imposto devido em determinado período, dentro da modalidade de tributação não acumulativa.
Só que o contribuinte não tem o poder de polícia, a exemplo do fisco, para investigar se a empresa vendedora está ou não em situação regular com o fisco, devendo contentar-se com a presença de formalidades extrínsecas da nota fiscal.
O ato da Fazenda que decreta a inidoneidade de determinada empresa deve ser publicado para que possa gerar efeitos jurídicos contra terceiros. Dispõe o art. 37 da CF que a administração pública, aonde se insere a administração tributária, deve reger-se, dentre outros, pelo princípio da publicidade.
Porém, na prática deparamos diariamente com autos de infração invalidando os créditos escriturados e determinando o recolhimento do imposto resultante dessa invalidação com os acréscimos legais abrangendo as pesadas multas, alcançando as operações realizadas anteriormente à publicação do ato administrativo que decretou a inidoneidade da empresa.
Não importa que a fiscalização tenha sido encetada após a decretação de inidoneidade da empresa. O que não é permitido é o fisco fazer retroagir os efeitos da decretação de inidoneidade para alcançar as operações comerciais pretéritas. Aplicação retroativa só pode ocorrer se benéfica ao contribuinte, sendo que a regra geral é a vigência e aplicação da lei ou ato normativo para as situações futuras.
4 Confusão entre hipótese de inidoneidade da nota fiscal e hipótese de sonegação ou fraude
São duas hipóteses completamente distintas a exigir tratamento jurídico diferenciado.
É óbvio que se o fisco constatar que a mercadoria, de fato, não existiu e nem há prova do pagamento do respectivo preço, o crédito do ICMS deverá ser estornado com a imposição de sanções legais, independentemente da prévia decretação de inidoneidade.
Nesse caso, o estorno do crédito não decorre da inidoneidade formalmente decretada pelo fisco, mas da sonegação e fraude perpetradas pelo contribuinte e comprovadas pelo fisco por meio de diligências.
Só que essas hipóteses de sonegação e de fraude definidas nos artigos 71 e 72, da Lei nº 4.502/64, respectivamente, não se confundem com a hipótese de aquisição de mercadoria de empresa que teve decretada a sua inidoneidade pelo fisco.
Infelizmente, grassa confusão na jurisprudência. Julgados existem que sustentam a desnecessidade de dar publicidade ao ato administrativo de decretação da inidoneidade de empresa para legitimar a autuação fiscal contra adquirentes de mercadorias, em determinadas circunstâncias.
No dia 12 de agosto, pela manhã, enquanto aguardava minha vez para fazer sustentação oral no processo de interesse da minha cliente perante a 6ª Câmara de Direito Público do E. TJESP assisti à brilhante sustentação oral feita por um colega, o qual buscava reverter a decisão monocrática que manteve o auto de infração baseado na decretação de inidoneidade da empresa vendedora levada a efeito após o período abrangido pela fiscalização. Para a surpresa geral o e. Desembargador Relator negava provimento ao apelo porque apesar de comprovada a realidade da operação, inclusive, com o pagamento do preço respectivo, o fisco havia detectado que à época dos fatos a empresa vendedora não estava estabelecida no local mencionado na nota fiscal. Com esse fundamento a decisão recorrida foi mantida por unanimidade.
Patente o equívoco. Não era evidentemente caso de crime tributário (sonegação ou fraude), mas de simples infração fiscal a acarretar sanções fiscais contra a emitente que não atualizou o cadastro fiscal, não podendo o destinatário da mercadoria sofrer penalização por esse fato.
Uma coisa é a infração fiscal, reprimida pelo Direito Tributário Penal, outra coisa bem diversa é o crime tributário, reprimido pelo Direito Penal Tributário, como é o caso da Lei nº 8.137/90 que define os crimes contra a ordem tributária.
No primeiro caso é indispensável a prévia decretação de inidoneidade da empresa vendedora para que possa o fisco não reconhecer a legitimidade do crédito do ICMS por parte da compradora da mercadoria. No segundo caso basta tão só a materialidade do delito para invalidar o crédito tributário, sem prejuízo da aplicação da sanção penal por instância própria.