Interpretação da Súmula Vinculante nº 24 do STF em poucas palavras*

O enunciado da Súmula Vinculante nº 24 do STF assim prescreve:

“Não se tipifica crime material contra a ordem tributária, previsto no art. 1º, incisos I a IV1, da Lei 8.137/90, antes do lançamento definitivo do tributo”.

Uma interpretação literal do enunciado enseja a interpretação de que a constituição definitiva do crédito tributário pelo lançamento somente ocorre com a decisão final no processo administrativo tributário, formando a coisa julgada administrativa pelo esgotamento dos recursos previstos em lei.

Nesse sentido interpretou o Colendo STJ para quem a prescrição só começa a correr a partir do esgotamento do prazo de notificação para pagamento expedido pelo fisco após finalização do processo administrativo tributário.

A Súmula Vinculante foi editada para evitar a representação penal antes do término do processo administrativo tributário, porque o fisco não vinha cumprindo a proibição do art. 83 da Lei nº 9.430/96 que dispõe:

“Art. 83.  A representação fiscal para fins penais relativa aos crimes contra a ordem tributária previstos nos arts. 1º e 2º da Lei no 8.137, de 27 de dezembro de 1990, e aos crimes contra a Previdência Social, previstos nos arts. 168-A e 337-A do Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), será encaminhada ao Ministério Público depois de proferida a decisão final, na esfera administrativa, sobre a exigência fiscal do crédito tributário correspondente.”

A União ingressou com a ADI nº 1571 contra essa disposição legal, mas o STF depois de denegar a liminar pleiteada, no mérito, julgou improcedente a ação (DJ de 19-12-03).

Em consequência o Estado de São Paulo editou a Lei Complementar nº 970, de 11-1-2005, acrescentando o inciso IX ao art. 5º da Lei Complementar nº 939, de 3-4-2003, (Código de Direitos, Garantias e Obrigações do Contribuinte) nos mesmos moldes da Lei Federal retrocitada.

Todavia, o Município de São Paulo continuou promovendo a representação penal simultaneamente com a lavratura do AIIM por ver nesse procedimento um instrumento eficaz de coação tendente à satisfação do crédito/tributário e, também, em virtude de ausência de proibição legal no âmbito do Município.

Daí a edição da Súmula Vinculante nº 24 do STF que tem eficácia erga omnes.

Do fato, os crimes contra ordem tributária, ao contrário do crime de sonegação fiscal regulado pela Lei nº 4.729/65 (crime de mera conduta) só se consuma com a supressão parcial ou total do tributo. É crime material que exige o resultado naturalístico. A conduta ainda que dolosa, se não resultar em supressão total ou parcial do tributo, não se caracterizará o crime contra a ordem tributária, previsto nos incisos I a V, do art. 1º da Lei nº 8.137/90.

Não faria sentido condenar alguém sob a acusação de ter cometido crime contra a ordem tributária e, ao depois, a administração tributária concluir que o tributo não existia.

Essa Súmula Vinculante nº 24, a toda evidência, não proclama a constituição definitiva do crédito tributário pela decisão final no processo administrativo fiscal.

O crédito tributário é definitivamente constituído pelo lançamento notificado ao sujeito passivo, que tem duas opções no prazo da notificação: a) efetuar o pagamento extinguindo definitivamente o crédito tributário; b) apresentar impugnação administrativa suspendendo a sua exigibilidade.

Dizer que na pendência do processo administrativo o crédito não está definitivamente constituído, porque ele poderá ser alterado é confundir, data vênia, definitividade do crédito tributário com a sua alterabilidade sempre possível por via de impugnação administrativa ou judicial.

Não há como o órgão colegiado e paritário de segunda instância efetuar o lançamento definitivo se o ato de lançamento é privativo do servidor público integrante da carreira de auditor fiscal, agente fiscal de rendas e inspetor fiscal, respectivamente, nas esferas federal, estadual e municipal.

O colegiado não constitui o crédito, pelo contrário, desconstitui total ou parcialmente, ou confirma o crédito tributário constituído pelo lançamento efetuado por agente administrativo capaz (art. 142 do CTN), ou simplesmente rejeita as razões do recurso administrativo. A função de julgar é incompatível com a função de constituir o crédito, pois implicaria no julgamento do ato que ele, julgador, praticou.

Outrossim, descabe a cogitação de pagamento do crédito em constituição, bem como a sua impugnação que pressupõe ato jurídico perfeito.

O lançamento é um procedimento administrativo enquanto ato de promover constituição do crédito.

No final do procedimento há um documento exteriorizador do ato de lançamento, normalmente um AIIM que uma vez notificado ao sujeito passivo constitui definitivamente o crédito tributário. Esse lançamento notificado ao sujeito passivo é ato jurídico administrativo, passível de impugnação administrativa ou judicial a critério do contribuinte.

Nada impede de o contribuinte optar por ajuizar, desde logo, a ação anulatória do lançamento tributário.

Se o lançamento não tivesse constituído o crédito tributário definitivamente, por óbvio, não caberia ação anulatória.

SP, 18-9-2023.

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.689, de 19-9-2023.

1 Houve omissão involuntária do inciso V.

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