De conformidade com a partilha constitucional de rendas tributárias cabe ao Município instituir imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (art. 156, I da CF).
Assim cabe verificar o aspecto espacial do fato gerador do imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana conhecida pela sigla IPTU.
Pergunta-se: existe um conceito constitucional de urbana que possibilite tributar com segurança, sem se valer de conceitos da legislação infraconstitucional?
A resposta a essa indagação é de suma importância à medida que se for positiva a resposta os critérios previstos no Código Tributário Nacional para caracterização do conceito de zona urbana seria inconstitucional.
Há defensores da tese de que o legislador constituinte utilizou a palavra urbana em seu sentido natural. Nessa linha de pensamento se insere a lição de Eduardo Pugliese Pincelli:
“Precise-se que a palavra urbana pode ser utilizada para referir-se a um atributo da propriedade ou como relação entre a propriedade e o local onde se insere. Na primeira acepção, diremos que a propriedade é urbana, se dotada de urbanidade, apresentando características típicas da cidade etc. No segundo sentido, dir-se-á que a propriedade é urbana se localizada na zona urbana, ou seja, inserida na cidade ou em local com características próprias de cidade.
Duas situações distintas: imóvel urbano e imóvel situado na zona urbana”. Mais adiante conclui que “os critérios de melhoramentos e da destinação/utilização não se compaginam com a Carta Constitucional, sob nossa perspectiva de conhecimento do fenômeno jurídico brasileiro, razão pela qual entendemos que não foram recepcionados pela novel Constituição da República.” [1]
O certo é que, como assinalamos em nossa obra “sem um conceito legal do que seja zona urbana para distingui-la da zona rural, os conflitos de competência tributária entre a União (ITR) e os Municípios (IPTU) seriam intermináveis. De nada adianta proclamar que a propriedade urbana é aquela situada na zona urbana sem definir o que seja zona urbana” [2].
A verdade é que não há doutrinador que aponte com segurança o critério espacial do IPTU baseado tão só no conceito constitucional do que seja a palavra “urbana” para possibilitar o exercício da competência tributária pelos Municípios.
Ainda que se admita que a Constituição empregou a palavra “urbana” em sua acepção comum para definir a competência impositiva municipal, ela não oferece critério seguro para o lançamento tributário. De fato, a palavra “urbana” significa relativo ou pertencente à cidade; que tem características de cidade.[3] Fácil imaginar a dificuldade do lançamento em razão da elasticidade do conceito de “urbana.” Não há uma linha divisória entre o que está dentro da cidade e o que está fora da cidade, gerando conflitos intermináveis com a União que é titular do imposto territorial rural, igualmente sem definição do que seja “rural,” porque o seu conceito se infere, por exclusão, da zona urbana que mereceu definição no CTN.
Por isso, muito embora o texto constitucional não se refira a expressão “propriedade predial e territorial urbana nos termos da Lei Complementar” temos que as disposições do CTN que definem a zona urbana em função dos melhoramentos existentes (art. 32, § 1° e incisos) foram recepcionados pela ordem constitucional vigente, pois, têm a função de dirimir conflitos de competência tributária (art. 146, I da CF).
Entretanto, o legislador abriu uma única exceção em relação ao imóvel cultivado situado dentro da zona urbana definida no § 1º, do art. 32 do CTN, conforme se verifica do art. 15 do Decreto-lei nº 57, de 18-11-1966 que assim prescreve:
“Art. 15. O disposto no art. 32 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966, não abrange o imóvel que, comprovadamente, seja utilizado em exploração extrativa vegetal, agrícola, pecuária ou agroindustrial, incidindo assim, sobre o mesmo, o ITR e demais tributos com o mesmo cobrados.”
Conforme se depreende da ementa do Acórdão a seguir transcrita, esse art. 15 foi recepcionado como lei complementar pela Constituição Federal de 1967 e pela Emenda Constitucional de n°1/69:
“Ementa: – Imposto Territorial Urbano. Não incide sobre imóvel utilizado na exploração agro-pastoril, ainda que situado nos limites da zona urbana, definida em Lei Municipal. Negação e vigência, pelas instâncias ordinárias, ao art. 15 do Dl. 57, de 18-11-66, modificador da norma contida no art. 32 do Código Tributário Nacional. Recurso extraordinário conhecido e provido.” (RE n° 76.057, Rel. Min. Xavier de Albuquerque, julgado em 10-05-1974, RTJ 70/479).
Esse art. 15 do Decreto-lei n° 57/66 veio a ser revogado pelo art. 12 da Lei n° 5.868, de 12-12-1972, mas ele foi considerado inconstitucional por invadir matéria reservada à lei complementar, nos termos da ementa abaixo:
“Ementa: – Direito Constitucional, Tributário e Processual Civil. Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU). Imposto Territorial Rural (ITR). Taxa de conservação de vias. Recurso extraordinário. 1. R.E. não conhecido, pela letra ‘a’ do art. 102, III, da C.F., mantida a declaração de inconstitucionalidade da Lei Municipal de Sorocaba, de n 2.200, de 03-06-1983, que acrescentou o parágrafo 4° ao art. 27 da Lei n 1.444, de 13-12-1966. 2. R.E. conhecido, pela letra ‘b’, mas improvido, mantida a declaração de inconstitucionalidade do art. 12 da Lei Federal nº 5.868, de 12-12-1972, no ponto em que revogou o art. 15 do Decreto-Lei n 57, de 18-11-1966. 3. Plenário. Votação unânime.” (RE 140773, Rel. Min. Sydney Sanches, Tribunal Pleno, DJ 04-06-1999).
Muito embora o Decreto-lei n° 57, de 18-11-1966, cuide aparentemente de matéria que se insere no âmbito de interesse exclusivo da União (altera dispositivos sobre lançamento e cobrança do ITR), deu-se a interpretação no sentido de que aquele art. 15 foi recepcionado pela Carta Política como norma de lei complementar, porque ele dirime o conflito de competência tributária (art. 146, I da CF) ao excluir do conceito de zona urbana, definido no art. 32 do CTN, o imóvel cultivado. Por ser o Decreto-lei n° 57/66 posterior à Lei de 5.172, de 25-10-1966, que instituiu o Código Tributário Nacional, acarretou alteração do conceito de zona urbana definido no art. 32 deste último diploma legal (lei materialmente complementar).
A interpretação dada pelo Supremo Tribunal Federal concilia os interesses do proprietário, que cultiva na zona urbana, com o interesse urbanístico do Município. Esse posicionamento jurisprudencial tem pleno apoio na moderna doutrina do direito urbanístico, que incorpora, em seu conceito, a relação cidade-campo.
Concluindo, a competência impositiva do Município por meio do IPTU abrange todas as propriedades situadas na zona urbana de seu território como definida pelo § 1º, do art. 32 do CTN, com exceção de propriedades que apesar de se localizarem na zona urbana acham-se cultivados.
* Jurista, com 32 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica.
[1] IPTU aspectos jurídicos relevantes. Obra coletiva, coord. Marcelo Magalhães Peixoto. São Paulo: Quartier Latin, 2002, p. 150-151 e 159.
[2] Cf. nosso IPTU doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2012, p. 99.
[3] Novo dicionário Aurélio da língua portuguesa, 4. ed. Curitiba: Editora Positivo, 2009, p. 2023.