IPTU – Isenção do imposto como sucedâneo à indenização

As inundações que atingem determinadas localidades na cidade de São Paulo já se tornaram rotineiras. Elas acontecem todos os anos e em áreas já identificadas pelo poder público municipal que não vem adotando medidas preventivas eficientes, limitando-se a tomar providências para minorar o sofrimento das vítimas, se e quando acontecerem os eventos danosos.

Tentando contornar as consequências de sua omissão o Município de São Paulo sancionou a Lei n° 14.493, de 9-8-2007 que permite ao Executivo conceder isenção ou remissão do IPTU incidente sobre imóveis edificados atingidos por enchentes e alagamentos causados a partir de 1° de outubro de 2006. Examinemos.

O benefício fiscal, a ser concedido no exercício seguinte ao da ocorrência da enchente ou do alagamento, fica limitado ao valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), conforme prescrições do art. 1°, §§ 1° e 2°.

Muita embora o texto legal faça referência à isenção ou à remissão do IPTU, na verdade, o valor do benefício de até R$ 20.000,00 tem nítida natureza indenizatória. É sabido que um imóvel localizado nas áreas de enchentes normalmente tem um valor venal modesto e o IPTU anual não chega a R$ 20.000,00.

Assim sendo, tendo a isenção do IPTU natureza indenizatória, a indenização não pode ficar limitada a um valor fixo. A indenização por danos morais e materiais deve ser ampla, de sorte a abranger os danos emergentes e os lucros cessantes, nos termos da lei civil. E mais, essa indenização deve ser paga de imediato e não protelada para o ano seguinte ao do evento danoso. Se o fenômeno das enchentes é rotineiro, sendo perfeitamente previsível a ocorrência de danos, cabe ao Prefeito consignar na Lei Orçamentária Anual uma dotação específica para cobrir as despesas com as indenizações, enquanto não executar as obras de contenção dessas enchentes.

E aqui é oportuno esclarecer que não se trata de desabamentos e soterramentos de construções decorrentes de deslizamentos de morros, normalmente executadas de forma clandestina, mas, de prédios regularmente edificados mediante alvarás expedidos pelo poder público municipal.

Essa lei sob exame, que não beneficia os inquilinos, igualmente vítimas de enchentes e alagamentos, representa um desvio no emprego do instrumento tributário que não existe para promover indenização, parcial que seja, dos danos sofridos por moradores, proprietários ou não, afetados pelas inundações. Equivale a vincular o produto da arrecadação do IPTU para o atendimento específico dos proprietários, vítimas de inundações, ferindo o disposto no art. 167, IV da CF que proíbe a vinculação do produto da arrecadação de impostos a órgãos, fundos ou despesas.

A lei sob comento, além de não remover a causa dos danos sofridos pelos moradores das áreas onde costumeiramente acontecem as enchentes e os alagamentos, não tem o condão de impedir que a pessoa prejudicada, contribuinte ou não do IPTU, ingresse com a competente ação indenizatória por danos materiais e morais.

A velha retórica da precipitação pluviométrica anormal que sucessivos Prefeitos vêm sustentando já não mais convence a ninguém. Se os pontos de alagamento são conhecidos pelos órgãos públicos competentes há que se executar as obras de contenção das enchentes construindo-se piscinões, bem como, promover a limpeza rotineira de bueiros e galerias de águas.

Tranquila a jurisprudência do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no sentido do cabimento da indenização por danos morais e materiais causados por omissão da municipalidade, conforme ementas abaixo:

“Ementa: Indenização – danos morais e materiais. Enchente. Omissão da municipalidade em realizar obra para evitar o transbordamento do córrego. Dever de ressarcir pelos danos ocasionados. Indevida indenização sobre as avarias nos veículos, posto que não são de propriedade do autor. Juros reduzidos para 6% a.a. a partir da citação. Recursos parcialmente providos” (Ap. Civ. Nº 0001468-19.2005.8.26.0650, Rel. Des. Venicio Salles, j. em 1-2-2012).

“Responsabilidade Civil – Casa inundada pelas águas que transbordaram do córrego Ribeirão Preto devido à chuva – Danos morais e materiais. Cabimento: Previsibilidade de chuvas de verão, de modo que é incabível a alegação da Municipalidade ré de caso fortuito e de força maior para afastar sua responsabilidade. Problema recorrente no município. Recursos necessário e da municipalidade desprovidos” (Apelação Cível n° 9100996-38.2009.8.26.0000, Rel. Des. Israel Góes dos Anjos, j. em 30-01-2012.

 

* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica.

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