IPTU – Lançamento sobre imóvel sem acesso à via pública

Conforme alertamos em nossa obra IPTU doutrina e prática[1] a Prefeitura do Município de São Paulo vem consignando no Cadastro de Logradouros Públicos – CADLOG – nomes de vias públicas apenas previstas nas leis de execução de melhoramentos públicos, porém não abertas.

Com isso, ela vem promovendo o lançamento do IPTU como se o imóvel fizesse frente para uma via pública aberta. Ao tempo da vigência das taxas de limpeza públicas (varrição de ruas, desentupimento de bocas de lobo, capinagem, recolhimento de lixo domiciliar) elas eram lançadas juntamente com o imposto, embora não houvesse possibilidade física de prestação desses serviços públicos. Aliás, nem seria possível construir no local sem via pública aberta.

Dependendo da localização do terreno em frente à via pública não aberta, ele poderá ficar na mesma situação de um lote encravado. Não será possível a edificação por ausência de meios de acesso. É caso, portanto, de aplicação do fator de terreno encravado no lançamento, com a redução de 0,50 constante de Tabela III anexa à Lei n° 10.235/86.

Entretanto, a Prefeitura, mediante o artifício de inserir o nome da futura via pública no CADLOG vem promovendo anualmente o lançamento do IPTU sem aplicação do fator de redução ofendendo o princípio da capacidade contributiva e incorre na afronta ao princípio constitucional que veda o efeito confiscatório. É o caso do imóvel situado na futura Rua Luciano Gomes, na Vila Suzana que figura no CADLOG há mais de uma década, sem que tivesse sido aberta até hoje, sob a alegação de que falta recursos financeiros.

O que é surpreendente é o fato de existir algumas decisões judiciais reputando regular o lançamento do IPTU sem a aplicação do fator de redução, porque “o lote indicado tem acesso à via pública. O fato de a rua não ter sido aberta não retira o caráter de via pública”[2].

Manifesto o equívoco dessa decisão judicial teratológica. Não se pode interpretar a expressão “não tiver acesso à via pública”, que consta da definição do art. 1.285 do Código Civil, no plano meramente abstrato sem considerar que a “via pública” de fato não existe, porque não foi aberta pelo poder público competente.

A norma jurídica incide sobre fato concreto, como é elementar em direito. É a conhecida subsunção do fato concreto à hipótese legal prevista. Se as vias públicas projetadas não precisassem ser efetivamente abertas, para o cumprimento de sua finalidade, as desapropriações não seriam necessárias.

Salta aos olhos a violação dos princípios da isonomia, da capacidade contributiva e de vedação de efeito confiscatório do tributo a equiparação de via pública projetada a uma via pública existente de fato, não bastasse a expressa previsão legal para aplicação do fator de redução do imposto.

Simples alagamento temporário que impede o acesso ao imóvel implica responsabilidade do poder público. O que não dizer de proprietário de imóvel com acesso permanentemente interditado por conta de não abertura da via pública e vítima de lançamento do imposto como se a rua de fato existisse?

Decisões como a proferida no processo mencionado no rododapé só servem para estimular a ação desleal e imoral do poder público, violador dos princípios que regem a administração pública.

 

* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica.

[1] São Paulo: Atlas, 2012, p. 173-174.

[2] Proc. nº 053.07.136217-5 da 12º VFP.

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