ISS. Exame do subitem 9.01 da lista de serviços: hospedagem de qualquer natureza

Prescreve o item 9.01 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/03:

9.01 – Hospedagem de qualquer natureza em hotéis, apart-service condominiais, flat, apart-hotéis, hotéis residência, residence-service, suite service, hotelaria marítima, motéis, pensões e congêneres; ocupação por temporada com fornecimento de serviço (o valor da alimentação e gorjeta, quando incluído no preço da diária, fica sujeito ao Imposto Sobre Serviços).

 

Esclareça-se, desde logo, que a atividade submetida à tributação não é a locação de espaço em um bem imóvel, porém, unicamente a hospedagem. Hospedagem, também conhecida como albergaria, significa lugar para recolher[1]. Na antiguidade (Egito, Babilônia etc.), como assinala Bernardo Ribeiro de Moraes, “a hospedagem constituía um cumprimento de dever sagrado, inspirado no sentimento religioso do povo. Na época dos castelos, dos senhores feudais encontramos também essa mentalidade quanto à hospedagem. Excepcionalmente, era encontrada a hospedagem profissional exercida por pessoas inescrupulosas e para fins luxuriosos, em locais incômodos e insalubres.”[2]

Contudo, ao longo do tempo a hospedagem evoluiu para o exercício de atividade profissional consistente em dar ao hóspede albergue e alimentação mediante remuneração assumindo caráter comercial.

Nos dias de hoje, essa atividade requer não apenas prédios dotados de portaria, salões, quartos ou suítes, além de instalações e equipamentos adequados, como também, um corpo de pessoal qualificado, devidamente uniformizado e com domínio de duas ou mais línguas.

A hospedagem é regida por um contrato de natureza mista, abarcando diversos aspectos de contratos típicos, como a locação de espaço em bem imóvel, a locação de bens móveis, o fornecimento de alimentos, o depósito necessário das bagagens e a prestação de serviços diversos, sempre a título oneroso. Para Pontes de Miranda, o contrato de hospedagem é aquele em que “um dos contraentes, o hospedeiro, se vincula, mediante contraprestação, quase sempre promessa de contraprestação, a dar a outrem, o hóspede, alojamento, e por vezes, comida, com os serviços indispensáveis ou indispensáveis e voluptuários.” [3]

Dessa forma, a inclusão de novas modalidades de hospedagem como flat, apart-hotéis, hotéis-residência, residence-service, hotelaria marítima etc. não oferece maiores dificuldades, desde que haja exploração do serviço de hotelaria. Dúvidas surgem, entretanto, em relação à inclusão de “apart-service condominiais”.

José Eduardo Soares de Melo pondera que o negócio jurídico apart-service “não guarda identidade com os hotéis, como também é o caso dos condomínios…, que não desenvolvem uma atividade econômica, mas apenas têm por finalidade prover serviços necessários para o bom funcionamento dos prédios.” [4] Em abono de seu ponto de vista, cita o trecho da lição de Edvaldo Brito:

 

“… o condomínio constituído pelo ‘apart-service’ não celebra contrato de hospedagem, nem pode ser congênere de pensão que é estabelecimento do tipo antes mencionado (prestação de serviços de caráter pessoal), nem de hotel que Bernardo define como uma casa de hospedagem de tratamento esmerado que oferece alojamento e alimentação, com ideia de conforto. Por todo o exposto o ISS não incide sobre a atividade do ‘apart-service’ condominial.” [5]

 

Comungamos, em princípio, com esse posicionamento doutrinário. Todavia, atento à realidade de nossos dias, devemos reconhecer que é cada vez mais frequente a terceirização, por parte de condomínios, da execução de vários dos serviços que lhes cabem. A empresa terceirizada, que presta serviços para o “apart-service” condominial seguramente é contribuinte do ISS. Não é possível concluir, de antemão, se o serviço de “apart-service” condominal é ou não tributável pelo ISS, sem o exame de cada caso concreto:

 

  1. a) Se o proprietário loca a sua unidade autônoma, diretamente ou por meio de uma imobiliária, não há incidência do ISS sobre essa locação. Nesse sentido a jurisprudência do STJ:

 

“DIREITO TRIBUTÁRIO – ISS – LOCAÇÃO DE UNIDADE SITUADA EM APART-HOTEL – AUSÊNCIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS DE HOTELARIA – NÃO CONFIGURAÇÃO DO FATO TRIBUTÁVEL.

I – A hipótese dos autos é de imóvel situado em apart-hotel que foi confiado à imobiliária, para que, em nome do proprietário, o cedesse em locação, entendendo o recorrente que sobre essa relação locatícia incide o ISS, porquanto aos locatários ocupantes são oferecidos serviços típicos de hospedagem em hotéis.

II – O proprietário do imóvel e a imobiliária que o representa não são Responsáveis pelo ISS referente aos serviços prestados pela administradora das unidades de apart-hotel, porquanto aqueles encerram simples relação de locação com os ocupantes do imóvel, sendo imperiosa a anulação do auto de infração lavrado pelo recorrente.

III – Recurso especial improvido” (Resp nº 457499-DF, Rel. Min. Francisco Falcão, 1ª T., DJ de 13-02-2006, p. 662).

 

  1. b) Na locação de unidades autônomas por meio de “pool”, com prestação de serviços típicos de hotelaria prestados por empregados do condomínio não há incidência de ISS:

 

“IMPOSTO – ISS – Municipalidade de São Paulo – Serviços de administração de empreendimentos imobiliários e de bens imóveis – Administração de condomínio formado por apartamentos em “flat service” – Serviços disponibilizados pelo condomínio, rateados entre os condôminos ou prestados por terceiros e a eles pagos pelos usuários das unidades residenciais – Serviços não prestados pela administradora – Desenvolvimento de atividades de hotelaria e hospedagem não caracterizadas – Não sujeição passiva tributária da atora – Ação declaratória de inexistência de relação jurídico-tributária procedente – Sentença mantida – Recurso oficial e voluntário desprovidos” (Ap. nº 470.251-SP, Rel. Des. José Gonçalves Rostey, j. em 18-01-2006).

 

No caso, a administradora do “pool” é contribuinte do ISS na condição de administradora de bens imóveis, como decidiu o acórdão referido na ementa supra. Na lista de serviços em vigor, ela está enquadrada no item 17.12 que cuida de “administração em geral, inclusive de bens e negócios de terceiros.”

 

  1. c) Se as unidades do flat forem locadas por intermédio de uma administradora, que ao mesmo tempo explora a atividade hoteleira (serviços de restaurante, lavanderia, telefonia, salão, manobrista etc.) não se pode afirmar que se trata de mera locação de imóveis para fins residenciais, nem de administração de bens de terceiros.

 

Finalmente, cumpre observar que a inclusão do valor da gorjeta no preço do serviço hoteleiro é indevida, dada a sua natureza salarial. Nesse sentido a jurisprudência de nossos tribunais:

 

“AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 443.271 – DF (2002/0031575-2)

RELATOR: MINISTRO JOSÉ DELGADO

AGRAVANTE: DISTRITO FEDERAL

PROCURADOR: CÉSAR RODRIGUES ALVES

AGRAVADO: ACADEMIA DE TÊNIS RESORT LTDA.

ADVOGADO: CRISTIANO DE FREITAS FERNANDES E OUTRO

DECISÃO

TRIBUTÁRIO. TAXA DE SERVIÇO. GORJETA. NATUREZA SALARIAL. NÃO INCIDÊNCIA. PRECEDENTES.

  1. Agravo de Instrumento interposto no intuito de reformar decisão que inadmitiu a recurso especial intentado contra v. Acórdão segundo o qual “não incide o Imposto sobre Serviço – ISS – sobre o percentual de 10% (dez por cento) de acréscimo, cobrado a título de gorjetas na prestação de serviços de hotelaria e destinado a compor o salário dos empregados da prestadora de serviços devendo os valores indevidamente pagos serem restituídos, devidamente corrigidos monetariamente”.
  2. Os valores arrecadados a título de “gorjeta” possuem natureza essencialmente salarial, e integram a remuneração dos empregados que executam o serviço em hotéis e restaurantes.
  3. Não incide, portanto o ISS no percentual adicionado às contas a tal título.
  4. Precedentes das 1ª e 2ª Turmas desta Corte Superior e do colendo STF.
  5. Recurso não provido.

Vistos, etc.

Cuida-se de Agravo de Instrumento interposto pelo Distrito Federal no intuito de reformar decisão que inadmitiu a recurso especial intentado contra v. Acórdão segundo o qual “não incide o Imposto sobre Serviço – ISS – sobre o percentual de 10% (dez por cento) de acréscimo, cobrado a título de gorjetas na prestação de serviços de hotelaria e destinado a compor o salário dos empregados da prestadora de serviços devendo os valores indevidamente pagos serem restituídos, devidamente corrigidos monetariamente”.

Alega-se violação aos arts. 9º, do DL nº 406/68 e 166, do CTN, e dissídio jurisprudencial, ao argumento de que a base de cálculo do ISS é o preço do serviço, aí incluindo-se tudo o que é recebido, a qualquer título, devendo incidir, sobre o que é arrecadado em forma de “gorjeta, o ISS.

Relatados, decido.

Como se depreende do relatado, sustenta o recorrente que há de incidir o ISS sobre o que é cobrado a título de “gorjeta”.

Em que pesem as razões desenvolvidas pela parte recorrente, não estou convencido de que a irresignação mereça prosperar.

Homenageando o entendimento esposado pelo Tribunal a quo, sigo a posição da mesma linha adotada, visto que a matéria encontra-se pacificada na jurisprudência desta Corte superior, no sentido de que não incide o ISS sobre os valores arrecadados a título de “gorjeta”, em face da sua natureza essencialmente salarial. A Respeito, confiram-se os julgados abaixo reproduzidos:

“TRIBUTÁRIO – ISS – TAXA DE SERVIÇO – GORJETA – NÃO INCIDÊNCIA – DIVERGÊNCIA NOTÓRIA – INCIDÊNCIA (ERESP Nº 64.456/SP) – PRECEDENTES STJ E STF.

– O percentual adicionado às contas, pelos hotéis e restaurantes, a título de “gorjeta”, integra a remuneração dos empregados que executam o serviço, razão pela qual não há incidência do imposto municipal.

– Recurso conhecido e provido.” (Resp nº 107143/MG, 2ª Turma, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ de 13/12/1000)

“TRIBUTÁRIO. ISS.      TAXA DE SERVIÇO. GORJETA. NÃO INCIDÊNCIA.

– O percentual adicionado às contas, pelos hotéis e restaurantes, a título de gorjeta, destina-se a remunerar os empregados, que executam o serviço. Por isto, estão fora da incidência do ISS”. (Resp nº 98015/MG, 1ª Turma, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 11/11/1996).

“ ISS – NULIDADE DE SENTENÇA – TAXA DE SERVIÇO COMPULSORIAMENTE COBRADA – GORJETA – ARTIGO 457 DA CLT.

– Houve mudança de competência. O MM. Juiz da 3ª Vara perdeu a competência. Preliminar afastada.

– A taxa de 10% (dez por cento) sobre o valor das refeições, cobrada compulsoriamente e repartida pelos empregados, é gorjeta tipificada no artigo 457 da CLT.

– Recurso provido.” (Resp nº 62451/MG, 1ª Turma, Rel. Min. GARCIA VIEIRA, DJ de 29/05/1995).

“ISS – FATO GERADOR – BASE DE CÁLCULO – REMUNERAÇÃO DO EMPREGADO.

– O fato gerador do ISS é a prestação de serviços por empresa ou profissional autônomo e pelos empregados.

– A base de cálculo é o preço do serviço; neste não se incluem as gorjetas, que “ainda quando compulsoriamente cobradas pelo estabelecimento, integra a remuneração do empregado”.

– Recurso provido.” (Resp nº 6627/RS, 1ª Turma, Rel. Min. GARCIA VIEIRA, DJ de 17/12/1992)

A jurisprudência acima registrada teve como suporte o julgado proferido pelo colendo STF na ementa abaixo esposada:

“RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. ISS. INCIDÊNCIA SOBRE GORJETA COBRADA COMPULSORIAMENTE. ARTS. 21 DA CF E 457, PARÁGRAFO 3º DA CLT.

I – A gorjeta, ainda quando compulsoriamente cobrada pelo estabelecimento, integra a remuneração do empregado – sujeita, por sua vez, à tributação federal (IR) e não municipal (ISS).

II – O serviço de oferecimento de hospedagem alcançável pelo ISS        é prestado pelo hotel, não podendo a remuneração de seus empregados ser tributada se não prestam, estes, a atividade atingida pelo tributo.

III – Recurso provido.” (RE nº 112040/RJ, 2ª Turma, Rel. Min. FRANCISCO REZEK, DJ de 02/12/1998)

Definida, portanto, a natureza jurídica da “gorjeta”, não pode, pois incidir o ISS.

Traduzido, pois, o posicionamento jurisprudencial imprimido à matéria, não vejo possibilidade de se acolher o pleito formulado pela parte recorrente.

Posto isto, amparado pelo art. 544, § 2º, do CPC, NEGO provimento ao gravo de instrumento.

Publique-se. Intimem-se

Brasília (DF), 11 de junho de 2002.

MINISTRO JOSÉ DELGADO, Relator (Ag nº 443271, Rel. Min. José Delgado, DJ de 25-06-2002).

 

 

SP, 17-9-17.

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 [1] Daí as expressões hoteleiro, hospedeiro, albergueiro ou pousadeiro.

[2] Doutrina e prática do imposto sobre serviços. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1975, p. 336.

[3] Tratado de direito privado. Rio de Janeiro: Editor Borsoi, 1964, tomo XLVI, p. 298.

[4] ISS. Aspectos teóricos e práticos, 4. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 85.

[5] ISS – O imposto sobre serviços e os “apart-service” condominiais. In José Eduardo Soares de Melo, ob. cit. p. 85.

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