A exemplo do que ocorre na usucapião, não há transmissão de propriedade na arrematação. De fato, na arrematação, não há transmissão de propriedade inter vivos caracterizada pela livre manifestação de vontade das partes que se materializa por intermédio de um ato jurídico válido, gerando direitos e obrigações recíprocas. Entretanto, não está pacificada na doutrina e na jurisprudência a questão da não incidência do ITBI nos casos de arrematação, como pacificada já se encontra em relação à usucapião.
Inúmeros julgados do Superior Tribunal de Justiça já reconheceram que a arrematação em hasta pública configura hipótese de aquisição originária não incidindo o ITBI por ausência de transmissão inter vivos, conforme ementas a seguir:
“Tributário – Arrematação judicial de veículo – Débito de IPVA – Responsabilidade tributária – CTN. art. 130, parágrafo único.
- A arrematação de bem em hasta pública é considerada como aquisição originária, inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem.
- Os débitos anteriores à arrematação sub-rogam-se no preço da hasta. Aplicação do artigo 130, parágrafo único, do CTN, em interpretação que se estende aos bens móveis e semoventes.
- Por falta de prequestionamento, não se pode examinar a alegada violação ao disposto no art. 131, § 2º, da Lei nº 9.503/97 (Código de Trânsito Brasileiro).
- Recurso especial conhecido em parte e, nessa parte, não provido” (REsp 807455-RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 28-10-2008, DJe 21-11-2008).
“Processual civil e tributário. Execução fiscal. IPTU sobre imóvel arrematado em hasta pública. Exceção de pré-executividade. ilegitimidade passiva. Débitos tributários. Sub-rogação que ocorre sobre o preço. Parágrafo único do art. 130 do CTN. Impossibilidade de imputar-se ao arrematante encargo ou responsabilidade tributária. Obrigação tributária pendente, que persiste perante o fisco, do anterior proprietário.
- O crédito fiscal perquirido pelo fisco deve ser abatido do pagamento, quando do leilão, por isso que, finda a arrematação, não se pode imputar ao adquirente qualquer encargo ou responsabilidade tributária. Precedentes: (REsp 716438-PR, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 09/12/2008, DJe 17/12/2008; REsp 707.605-SP, Relatora Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 22/3/2006; REsp 283.251-AC, Rel. Ministro Humberto Gomes De Barros, Primeira Turma, DJ de 5/11/2001; REsp 166.975-SP, Rel. Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira, Quarta Turma, DJ de 4/10/1999).
- Os débitos tributários pendentes sobre o imóvel arrematado, na dicção do art. 130, parágrafo único, do CTN, fazem persistir a obrigação do executado perante o Fisco, posto impossível a transferência do encargo para o arrematante, ante a inexistência de vínculo jurídico com os fatos jurídicos tributários específicos, ou com o sujeito tributário. Nesse sentido: ‘Se o preço alcançado na arrematação em hasta pública não for suficiente para cobrir o débito tributário, nem por isso o arrematante fica responsável pelo eventual saldo’ (Bernardo Ribeiro de Moraes, Compêndio de Direito Tributário, 2º vol., Rio de Janeiro: Forense, 1995, p. 513).
- A regência normativa em tela é a do CTN, parágrafo único, do art. 130, dispositivo especial quanto ao caput, posto ser este aplicado nas relações obrigacionais de transferência de domínio ou posse de imóvel. In casu, a situação é especialíssima e adversa, não havendo que se falar em transferência de domínio por fins de aquisição dentro relações obrigacionais civis, seja de compra e venda, cessão, doação etc.
- Deveras, revela-se inadequado imprimir à questão contornos obrigacionais, sendo impróprio aduzir-se a alienante e adquirente, mas sim em executado e arrematante, respectivamente, diante da inexistência de vínculo jurídico com os fatos jurídicos tributários específicos, ou com o sujeito tributário. O executado, antigo proprietário, tem relação jurídico-tributária com o Fisco, e o arrematante tem relação jurídica com o Estado-juiz.
- Assim, é que a arrematação em hasta pública tem o efeito de expurgar qualquer ônus obrigacional sobre o imóvel para o arrematante, transferindo-o livremente de qualquer encargo ou responsabilidade tributária.
- Recurso especial desprovido” (REsp 1059102/RS, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 3-9-2009, DJe 7-10-2009).
“Execução fiscal – IPTU – Arrematação de bem imóvel – Aquisição originária – Inexistência de responsabilidade tributária do arrematante – Aplicação do art. 130, parágrafo único, do CTN.
- A arrematação de bem móvel ou imóvel em hasta pública é considerada como aquisição originária, inexistindo relação jurídica entre o arrematante e o anterior proprietário do bem, de maneira que os débitos tributários anteriores à arrematação sub-rogam-se no preço da hasta.
- Agravo regimental não provido” (AgRg no Ag 1225813-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 23-3-2010, DJe 8-4-2010).
Várias legislações municipais contemplam a arrematação entre o fato gerador do ITBI. A legislação paulistana, Lei no 11.154, de 30-12-1991, também inclui, expressamente, na definição do fato gerador do ITBI a arrematação, a adjudicação e a remição (art. 2o, V).
A jurisprudência de alguns tribunais, também, admite a tributação da arrematação pelo ITBI conforme ementas abaixo:
“EMENTA: DIREITO IMOBILIÁRIO: ITBI – REVISÃO DE VALOR – IMÓVEL – ARREMATAÇÃO EM HASTA PÚBLICA – AVALIAÇÃO – DESNECESSIDADE.
Se o imóvel, cujo valor do imposto se encontra em discussão, foi adquirido mediante arrematação em praça pública, em que presente o princípio da fé pública, desnecessária se torna nova avaliação do imóvel, devendo prevalecer aquela constante da carta de arrematação. Sentença que se confirma, no duplo grau de jurisdição, prejudicado o apelo voluntário” (AC no 1.0024.05.817771-8/001/MG, Rel. Des. Schalcher Ventura, j. 24-8-2006).
A ementa abaixo condiciona a exigência do ITBI ao prévio registro da carta de arrematação:
“EMENTA: Mandado de segurança. Direito tributário. Bem imóvel arrematado em hasta pública. ITBI. Competência municipal. Artigo 156, inciso II, da Constituição Federal. Fato gerador. Momento de incidência. Transferência efetiva da propriedade com o registro no cartório imobiliário. Não ocorrência no caso concreto. Exigência de recolhimento do tributo dentro de trinta dias da lavratura do auto de arrematação, conforme art. 9o, inciso II, da Lei no 1.569/89, do Município de São Borja. Descabimento. Fato gerador não configurado. Inteligência dos artigos 35 e 110 do CTN e 1.227 e 1.245 do CC/2002. Concessão da segurança. Sentença mantida. Apelo desprovido” (Apelação e reexame necessário no 70025420225/RS, Rel. Des. Sandra Brisolara Medeiros, j. em 17-9-2008).
Na verdade, a arrematação, tanto quanto a usucapião, tem natureza de aquisição originária. Não é possível cogitar de lançamento do ITBI por ausência absoluta do requisito essencial configurador da situação abstrata descrita na norma jurídica de imposição tributária, qual seja, a aquisição da propriedade pelo registro do título translativo no Registro de Imóveis competente (art. 1.245 do CC). A carta de arrematação não corresponde ao título de transmissão da propriedade por ausência da pessoa do transmitente.
Por força do disposto no art. 110 do CTN, o conceito de transmissão da propriedade só pode ser buscado no Direito Civil, sob pena de afrontar o princípio constitucional da discriminação de rendas tributárias. E, em termos de direito comum, a transmissão só ocorre quando alguém (proprietário) transfere a outrem o bem que é integrante de seu patrimônio.
Finalmente, julgados que acolhem a tese da incidência do ITBI na arrematação adotam como base de cálculo o valor da efetiva arrematação, desprezando-se o valor da avaliação do bem:
“Ementa: ‘Tributário – Imposto de transmissão – Arrematação. O cálculo para o imposto referido há de ser feito com base no valor alcançado pelos bens na arrematação, e não pelo valor da avaliação judicial. Recurso conhecido e provido’” (REsp no 2525, Rel. Min. Armando Rolemberg, DJ de 25-6-1990, p. 6027).
“Ementa: Tributário. Imposto de transmissão inter vivos. Base de cálculo. Valor venal do bem. Valor da avaliação judicial. Valor da arrematação.
I – O fato gerador do ITBI só se aperfeiçoa com o registro da transmissão do bem imóvel. Precedentes: AgRg no Ag no 448.245/DF, Rel. Min. LUIZ FUX, DJ de 09/12/2002, REsp no 253.364/DF, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, DJ de 16/04/2001 e RMS no 10.650/DF, Rel. Min. FRANCISCO PEÇANHA MARTINS, DJ de 04/09/2000. Além disso, já se decidiu no âmbito desta Corte que o cálculo daquele imposto ‘há de ser feito com base no valor alcançado pelos bens na arrematação, e não pelo valor da avaliação judicial’ (REsp no 2.525/PR, Rel. Min. ARMANDO ROLEMBERG, DJ de 25/6/1990, p. 6027). Tendo em vista que a arrematação corresponde à aquisição do bem vendido judicialmente, é de se considerar como valor venal do imóvel aquele atingido em hasta pública. Este, portanto, é o que deve servir de base de cálculo do ITBI.
II – Recurso especial provido” (REsp no 863893, Rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 7-11-2006, p. 277).
Finalmente, legislações municipais que incluem a arrematação em hasta pública na definição de fato gerador do ITBI incorrem em afronta ao art. 110 do CTN por elastecer o conceito de transmissão entre vivos adotado pelo Código Civil.
* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.