Sabe-se que o imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis e de direitos a eles relativos a título oneroso – ITBI – deve, ou não, ser recolhido nesse tipo de operação imobiliária tem dividido a doutrina e a jurisprudência de nossos tribunais.
Conforme demonstrado no nosso livro ITB doutrina e prarática, 2ª edição, Atlas, 2016, a controvérsia, neste particular, em parte resulta da falta de distinção entre compromisso de venda e compra não registrado, que gera direito de natureza meramente pessoal, e o compromisso registrado, que confere a natureza de direito real.
Enquanto na primeira hipótese não há incidência do imposto, no segundo caso, havendo cessão de direitos e obrigações decorrentes do compromisso de compra e venda registrado, a incidência do ITBI é inquestionável, pois esse imposto incide não apenas sobre a transmissão de bens imóveis, como também sobre a transmissão de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia.
Por isso, há de ser interpretada com muito cuidado a Ementa do acórdão proferido na Representação no 1121/GO abaixo transcrita, no sentido de que o compromisso de compra e venda não transmite direitos reais:
“EMENTA: Fato gerador do imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a ele relativos. Compromisso de compra e venda. – O compromisso de compra e venda, no sistema jurídico brasileiro, não transmite direitos reais nem configura cessão de direitos a aquisição deles, razão por que é inconstitucional a lei que o tenha como fato gerador de imposto sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos. Representação julgada procedente, declarando-se a inconstitucionalidade do inciso I do parágrafo único do artigo 114 da Lei 7730, de 30 de outubro de 1973, do Estado de Goiás” (Rp no 1121/GO, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13-4-1984, p. 15629).
Muitos Municípios vêm exigindo o pagamento do ITBI nos instrumentos públicos ou particulares de compromisso de venda e compra, independentemente do pacto de irretratabilidade do negócio e do registro, incidindo a legislação respectiva no vício de inconstitucionalidade.
A jurisprudência dos tribunais é pacífica no sentido da não incidência do ITBI em se tratando de compromisso não registrado: STF, AgRg no AI no 603309/MG, Rel. Min. Eros Grau, DJ de 23-2-2007, p. 030; STJ, AgRg no REsp no 327188/DF, Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 24-6-2002, p. 203; STJ, AgRg no 448245, Rel. Min. Luiz Fux, DJ de 9-12-2002, p. 309; STJ, REsp no 264064, Rel. Min. Garcia Vieira, DJ de 11-12-2000, p. 180; STJ, REsp no 57641, Rel. Min. Eliana Calmon, DJ de 22-5-2000, p. 91; STJ, AgRg no REsp no 327188/DF, Rel. Min. Humberto Gomes de Barros, DJ de 24-6-2002, p. 203.
Julgados das Turmas do STF, invocando precedente da Rp nº 1.121-GO, ao apreciarem casos envolvendo o compromisso de compra e venda, vêm decidindo que o ITBI só incide no ato da transferência efetiva da propriedade mediante registro, conforme ementas a seguir reproduzidas:
“Agravo regimental no agravo de instrumento. Imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis. ITBI. Momento da ocorrência do fato gerador.
- Está assente na Corte o entendimento de que o fato gerador do ITBI somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, ou seja, mediante o registro no cartório competente. Precedentes.
- Agravo regimental não provido” (Ag.Reg. no Agravo de Instrumento nº 674.432-MG, Rel. Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, DJe de 8-10-2013).
“Agravo regimental no recurso extraordinário com agravo. Imposto sobre a transmissão de bens imóveis – ITBI. Fato gerador: Registro da transferência efetiva da propriedade. Precedentes. Agravo regimental ao qual se nega provimento” (Ag.Re. no Recurso Extraordinário com Agravo nº 798.241-Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, DJe de 14-4-2014).
Conquanto absolutamente corretas as decisões de ambas as Turmas do STF, é preciso atentar que o ITBI na dicção constitucional incide não só sobre a transmissão inter vivos, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, como também sobre a transmissão de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos à sua aquisição (art. 156, II, da CF).
Se é verdade que o compromisso de compra e venda registrado, por si só, não implica ocorrência do fato gerador do ITBI, a sua cessão a título oneroso acarreta a incidência desse imposto, pois estará havendo transmissão de direitos reais sobre imóveis que a Constituição levou em conta ao outorgar a competência tributária aos Municípios. A noção de direitos reais, bem como a de transmissão de propriedade imobiliária e de direitos reais, hão de ser buscadas no Código Civil à luz do que dispõe o art. 119 do CTN.
Desse entendimento não discrepa a sempre citada decisão proferida na Rp nº 1.121, de que foi relator o Min. Moreira Alves, quando diz que o “compromisso de compra e venda, no sistema jurídico brasileiro, não transmite direitos reais nem configura cessão de direitos a aquisição deles”. Realmente, o que configura transmissão de direitos reais é a cessão de direitos e obrigações decorrentes do compromisso de compra e venda registrado. Havendo essa transmissão de direito real, não tem como afastar a incidência do ITBI.
* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.