A questão de juros na desapropriação é uma das que mais mudanças de entendimentos vêm sofrendo na jurisprudência de nossos tribunais.
Houve discussões acaloradas quanto ao seu termo inicial e percentual aplicável. Houve época em que se permitia acumulação com juros compensatórios à taxa fixa de 12% (Súmula 618 do STF e Súmula nº 110 do STJ). Nem instrumento legislativo conseguiu a redução desse percentual a pretexto de que tais juros estão ligados ao conceito constitucional do justo preço.
Agora, com a superveniência da EC nº 62/09 (§ 12 do art. 100 da CF) deu-se uma guinada de 180%. Não há mais incidência de juros compensatórios, a partir da expedição do precatório. Essa parte não foi invalidada pela ADIs ns. 4.372 e 4.400.
Mas, o nosso tema versa sobre juros moratórios, cuja taxa sempre foi de 6% tendo sido declarado inconstitucional o § 12, do art. 100 da CF na redação dada pela EC nº 62/09 no que se refere à sua substituição por percentual incidente sobre a caderneta de poupança.
Entretanto, anteriormente à EC nº 62/09 por meio de uma interpretação sistemática do preceito constitucional concernente ao pagamento do precatório até o final do exercício subsequente ao da inclusão orçamentária, o STF editou a Súmula vinculante de nº 17 nos seguintes termos:
“Durante o período previsto no § 1º do artigo 100 da Constituição, não incidem juros de mora sobre precatórios que nele sejam pagos”
Hoje, aquele § 1º corresponde ao § 5º, do art. 100. É o chamado prazo constitucional que se estende até 18 meses sem incidência de juros moratórios, o que, ao nosso ver, não se coaduna com a natureza meramente declaratória da sentença fixadora do justo preço.
Conforme assinalamos no nosso livro “deixar a critério do poder público devedor a supressão de 6 meses ou de 18 meses de juros, conforme o pagamento se opere no primeiro mês do exercício, ou no seu último mês, não se harmoniza com a tradição de nosso Direito que repele a condição potestativa pura (art. 122 a 123 do C.C)”.[1]
Na pior das hipóteses a Súmula nº 17 há de ser interpretada de forma literal, ou seja, se o poder público atrasar um único dia estendendo-se além o prazo constitucional ( de 6 a 18 meses) haverá incidência dos juros moratórios, desde a data de inclusão orçamentária do débito requisitado.
Esse ponto de vista foi proclamado pelo Min. Marco Aurélio, Relator nos autos do Agravo Regimental na Reclamação nº 10.418 de Ceará, DJe de 20-2-2014.
Mas, no nosso entender a Súmula vinculante nº 17 do STF perdeu validade com o advento da EC nº 62/09 que bem explicitou a incidência de juros moratórios “no mesmo percentual de juros incidentes sobre a caderneta de poupança” (§ 12 do art. 100 da CF).
Com a declaração de inconstitucionalidade da taxa aí referida, isto é, daquela aplicável na caderneta de poupança, os juros ficaram sem um percentual definido.
Assim sendo aplica-se ipso facto o disposto no art. 406 do CC:
“Quando os juros moratórios não forem convencionados ou o forem sem a taxa estipulada, ou quando provierem de determinação da lei, serão fixados segundo a taxa que estiver em vigor para a mora no pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.”
E qual é o percentual aplicável para pagamento de impostos federais?
A resposta está no art. 161 e § 1º do CTN:
“Art. 161. O crédito não integralmente pago no vencimento é acrescido de juros de mora, seja qual for o motivo determinante da falta, sem prejuízo da imposição de penalidades cabíveis e da aplicação de quaisquer medidas de garantia previstas nesta Lei ou em lei tributária.
§ 1º. Se a lei não dispuser de modo diverso, os juros de mora são calculados à taxa de um por cento ao mês.
A interpretação sistemática tendo em vista o ordenamento jurídico global conduz, com toda certeza, à aplicação do percentual de 1% ao mês sobre os valores dos precatórios até a data do efetivo pagamento (art. 100, §§ 5º e 12º).
Sabemos, contudo, que no plano federal as dívidas tributárias vêm sendo cobradas com a incidência da Taxa Selic instituída pela Circular nº 2.868/99 do Bancentral, repetida na Circular nº 2.900/99. Ela é unilateralmente fixada pelo Banco Central segundo o critério de conveniência e oportunidade para regular o mercado financeiro, por isso ela não era, inicialmente, aplicada no âmbito tributário. Conforme salientamos, a “Taxa SELIC ora tem a conotação de juros moratórios, ora de remuneratórios, a par de neutralizar os efeitos da inflação, constituindo-se em correção monetária por vias oblíquas. Tanto a correção monetária como os juros, em matéria tributária, devem ser estipulados em lei, sem olvidar que os juros remuneratórios visam a remunerar o próprio capital ou o valor principal. A Taxa SELIC cria a anômola figura de tributo rentável.” [2]
Porém, o STJ sacramentou a aplicação dessa Taxa Selic no âmbito de tributos federais que vêm se alastrando, também, nas esferas estaduais e municipais. Contudo, curiosamente, essa Taxa não vem sendo observada pela Fazenda nas ações de repetição de indébito e nas compensações.
A Taxa SELIC por não resultar de lei não serve para cálculo dos juros moratórios de que estamos cuidando. Confirma-se, dessa forma, a taxa de 1% ao mês aplicável a juros moratórios devidos nas indenizações decorrentes de desapropriações.
[1] Cf. nosso Desapropriação, doutrina e prática, 10º ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 174.
[2] Cf. nosso Código tributário nacional comentado, coautoria com Marcelo Kiyoshi Harada. São Paulo: Rideel, 2012, p. 352.