Lançamento do IPTU sobre as áreas descobertas

A Prefeitura Municipal de São Paulo vem procedendo ao lançamento do imposto predial em relação às áreas descobertas com amparo no art. 12 da Lei nº 10.235, de 16-12-1986, na redação dada pela Lei nº 14.256/06 vazada nos seguintes termos:

“Art. 12 A área construída bruta será obtida por meio das seguintes medições da situação fática do imóvel:

I – nas áreas cobertas, pelas medidas de seus contornos externos das paredes ou pilares;

II – nas áreas pavimentadas descobertas de terraços, sacadas, quadras esportivas, helipontos e helioportos, pelas medidas de seus contornos externos;

III – nas coberturas de postos de serviços e assemelhados, pelas medidas de sua projeção vertical sobre o terreno;

IV – nas piscinas, pelas medidas dos contornos internos de suas paredes;

Parágrafo único. Quando a área construída bruta for representada por número que contenha fração de metro quadrado, será feito o arredondamento para a unidade imediatamente superior.

A lei de regência do IPTU, Lei nº 6.989, de 29-12-1966, dispõe em seu art. 4º:

“Art. 4º. Para os efeitos deste imposto, considera-se construído todo imóvel no qual exista edificação que possa servir para habitação ou para o exercício de quaisquer atividades.”

Do confronto das redações da Lei nº 6.989/66 e da Lei nº 10.325/86 verifica-se que as áreas pavimentadas descobertas de terraços e sacadas a que alude o inciso II do art. 12 da Lei nº 14.256/06 não se subsume ao conceito de “edificação que possa servir para habilitação ou para exercício de quaisquer atividades”.

Edificação vem do ato de edificar, isto é, construir alguma coisa mediante técnica utilizada para construção de edifícios comerciais, residenciais ou industriais.

Não é qualquer área asfaltada ou ladrilhada descoberta que configura edificação de que cuida o art. 4º da Lei nº 6.989/66. É o caso, por exemplo, de um quintal descoberto de um prédio residencial que não se presta ao exercício de quaisquer atividades.

A Lei nº 10.325/86, como prescreve a própria ementa, dispõe sobre a forma de apuração do valor venal de imóveis para efeito de lançamento dos impostos Predial e Territorial Urbano. É conhecida como Lei de PGV que fixa o valor do metro quadrado do terreno de conformidade com a sua localização e topografia, e da construção segundo os diferentes padrões construtivos.

Não pode a Lei da PGV inovar o conceito de imóvel construído que está expresso no art. 4º da Lei nº 6.989/66, que se reveste da natureza de lei complementar que dispõe sobre o Sistema Tributário do Município de São Paulo, da mesma forma que a Lei nº 5.172, de 25-10-1966 dispõe sobre o Sistema Tributário Nacional, recepcionada como lei complementar.

Não é atribuição da Lei nº 10.325/86 definir o que é imóvel construído e imóvel não construído, que é atribuição da Lei 6.989/66 que implantou o sistema tributário no Município da Capital.

O imóvel construído é aquele definido no art. 4º e o imóvel não construído é aquele definido no art. 24, I, isto é, “imóvel em que não existir edificação como definida no artigo 4º”.

Logo, a inclusão de terraços e sacadas descobertas no conceito de imóvel edificado afronta a lei de regência da matéria, de natureza complementar.

Outro não tem sido a jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que exclui da incidência do Imposto Predial a área correspondente a laje do terraço descoberto de sorte a aumentar a base de cálculo do imposto, conforme ementa abaixo:

“Ementa: Apelação. Ação anulatória de lançamento fiscal. IPTU. Suposta cobrança a maior do imposto, eis que considerada na base de cálculo deste área maior do que a real. Houve realização de perícia, na qual referido argumento foi chancelado, situação que culminou na prolação de sentença de procedência. A justificativa de manter o lançamento, alegando que foi o autor quem forneceu as informações incorretas sobre o imóvel, não é válida. De fato, o lançamento tributário não é fixo e pode ser reavaliado em caso de erro na determinação da base de cálculo do IPTU, especialmente em relação à medida do imóvel. Interpretação contrária autorizaria o Fisco a enriquecer-se indevidamente, já que estaria cobrando um imposto comprovadamente super faturado. A manutenção da sentença é imperiosa, havendo de ser majorada a verba honorária outrora fixada, nos termos do art. 85, § 11 do CPC. Nega-se provimento ao recurso e majora-se a verba honorária, nos termos do acórdão.”

Para melhor compreensão transcreve-se trecho elucidativo do V. Acórdão:

“O levantamento da metragem foi feito através de equipamento tecnológico denominado “drone”, utilizado pela Prefeitura para atualizar áreas edificadas a serem lançadas para cálculo do IPTU, possivelmente levou ao erro de considerar área duplicada embaixo da laje do terraço descoberto, quando na realidade, a laje está construída sobre corte do perfil natural do terreno, ou seja, não se trata de laje flutuante com área utilizável e tributável no pavimento inferior.” (Ap. Civil nº 1009156-64.2022.8.26.0053, Relatora Des. Beatriz Braga, j. 13/3/2024).

Com muito bem elucidado pelo V. Acórdão, a Prefeitura estava tributando por meio do Imposto Predial o terraço que cobre as garagens já tributadas. Esse “terraço”, na verdade, serve como telhado das garagens. Tributar esse terraço seria o mesmo que tributar duas vezes as garagens do prédio.

SP, 25-3-2024.

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.816, de 26-3-2024.

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