A Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, conhecida como lei de improbidade administrativa, veio à luz para tentar por cobro à prática das irregularidades por agentes públicos no exercício do mandato, cargo ou função na administração pública direta, indireta ou fundacional.
Essa lei nunca foi vista com bons olhos pela classe política, alvo principal da lei.
Pouco tempo após a sua vigência o PTN ingressou com a ação direta de Inconstitucionalidade arguindo a inconstitucionalidade formal por vício do processo legislativo. A medida cautelar pleiteada foi rejeitada (ADI nº 2182 MC/DF – Rel. Min. Mauricio Corrêa – DJ de 19-3-2004).
No mérito a ação, sob a relatoria do Ministro Marco Aurélio, foi julgada improcedente, por maioria de votos (DJ de 10-9-2010).
Essa lei prevê três tipos de atos de improbidade administrativa: (a) atos que importam enriquecimento ilícito que acarreta a perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, perda da função pública e suspensão dos direitos políticos por oito a dez anos (arts. 9º e 12, I); (b) atos que causam prejuízos ao erário que acarreta ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, perda da função pública, pagamento da multa de até duas vezes ao valor do dano e suspensão dos direitos políticos de cinco a oito anos (arts. 10 e 12, II); (c) atos que atentam contra os princípios da administração pública, hipótese em que é cominada a pena de ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, pagamento de multa de até cem vezes ao valor da remuneração percebida pelo agente público infrator e suspensão dos direitos políticos de três a cinco anos (arts. 11 e 12, III).
Na verdade, não existe lei que possa transformar o ímprobo e desonesto em pessoa proba e honesta.
Dizia-se que o PT institucionalizou a corrupção no seio da administração pública.
Pois bem, o PT está alijado do governo desde 2016 e nem por isso os atos de corrupção cessaram.
Pelo contrário, novas modalidades de corrupção foram criadas pelo Parlamento Nacional, como a emenda do relator, chamado de “orçamento secreto”.
Agora, o Congresso Nacional está votando a toque de caixa um projeto legislativo que flexibiliza a lei de improbidade administrativa.
Pela proposta legislativa só se caracteriza ato de improbidade, em qualquer modalidade, se houver dado direito e específico, isto é, a vontade livre e consciente de praticar a conduta tipificada associada à uma finalidade especial. A Lei em vigor, na maioria das hipóteses, pune as condutas que a doutrina clássica tipifica como sendo de dolo genérico, sendo que a condutas dolosas/culposas são puníveis apenas nas hipóteses do art. 10 que se refere à “ação ou omissão, dolosa ou culposa”.
Nas hipóteses dos artigos 9º e 11 a conduta culposa não é punível, mesmo porque as hipóteses aí descritas pressupõem vontade livre de cometer infração. Não é possível, por exemplo, alguém “facilitar ou concorrer de qualquer forma” (art. 10, I); “permitir ou concorrer” (art. 10, II); “doar à pessoa física” (art. 10, III); etc. sem a vontade livre e consciente de praticar a conduta tipificada.
Os verbos “facilitar”, “permitir” e “doar” estão a indicar ato de vontade livre e consciente de praticar o ato infracional.
Na verdade, a proposta legislativa, além de outros objetivos, visa eliminar a figura não apenas do dolo eventual, como também do dolo genérico, exigindo-se uma finalidade especial associada à conduta livre e consciente de se enriquecer, de lesar o erário e de atentar contra os princípios da administração pública. Abre-se, dessa forma, uma interminável discussão em torno da existência ou não dessa vontade livre e consciente de cometer o ato ilícito associada a uma finalidade especial, ensejando a probabilidade maior de consumação da prescrição penal.
A outra inovação danosa do projeto legislativo consiste em conferir a titularidade da ação judicial apenas ao Ministério Público, retirando a possibilidade de o ente político lesionado por ação do agente ímprobo ingressar com a ação por meio de seu órgão jurídico (Procuradoria dos Estados e dos Municípios e Advocacia Geral da União no âmbito federal).
Ora, é exatamente o ente político prejudicado que está mais habilitado a comprovar a prática dos atos de improbidade.
A proposta em discussão preconiza, ainda, a diminuição do prazo de suspensão de direitos políticos. E mais, não haverá a perda do cargo ou da função pública e o agente tiver mudado de cargo ou função. Por exemplo, um prefeito condenado por ato de improbidade administrativa se tiver sido eleito para o cargo de deputado estadual ou federal não perderá o cargo que ocupa. O projeto legislativo vincula a perda do cargo àquele em cujo exercício ocorreu o ato tipificado na Lei de Improbidade Administrativa.
Na prática, é bem difícil alguém vir a perder o cargo ou função na hipótese de condenação, tendo em vista que a duração do mandato de quatro anos é inferior ao prazo de tramitação da ação de improbidade até o trânsito em julgada da decisão condenatória.
Essa proposta somada à outra propositura legislativa que flexibiliza a lei da ficha limpa, uma iniciativa da sociedade civil, praticamente, sacramenta a expansão de políticos ímprobos que em nome do patriotismo concorrem a sucessivos pleitos eleitorais, e quando se aposentam, por doença ou idade avançada, deixam sucessores, filhos ou netos, para dar continuidade geracional no nobre ato de servir à pátria, contribuindo para o fortalecimento do regime oligárquico.
Políticos existem que, com lei ou sem lei de improbidade administrativa, sempre agem dentro das balizas legais, éticas e morais, prestando relevantes serviços à sociedade brasileira. Isso prova o que antes afirmamos: não há lei que torne o ímprobo em probo.
Infelizmente, alguns desses políticos valorosos, que dignificam a função pública, não foram reeleitos nas últimas eleições de 2018, o que sinaliza um futuro nada promissor, bem como, o mal congênito de que padece a população em geral.
SP, 11-10-2021.
Por Kiyoshi Harada