Mais tributos à vista

O governo interino, desde o início, vinha pregando a bandeira da contenção da elevação de tributos que soava como música aos ouvidos da população leiga, mas sabíamos que outra alternativa não teria o governante senão a de promover a escalada de impostos ante a esperada resistência na contenção de gastos públicos. A cada anúncio de sua redução, aumenta-se a despesa pública de ‘n’ maneiras diversas. O último foi o aumento para os servidores da Justiça: 41%, enquanto 12 milhões de brasileiros nada recebem.

Descartou-se a recriação da CPMF para socorrer o setor de Previdência Social já contemplado constitucionalmente com 4 contribuições sociais específicas (PIS-PASEP/COFINS, Contribuição sobre a folha, CSLL e Contribuição incidente sobre concurso de prognósticos), a serem rateadas com os setores de Saúde e de Assistência Social que integram a Seguridade Social, onde se insere a Previdência.

Além disso, a Previdência conta, também, com os repasses do Tesouro como determina a Constituição.  O produto da arrecadação da CPMF está previsto na LOA do exercício de 2016 devido a sua inclusão ilegal e arbitrária na proposta orçamentária enviada pela Presidente de então, a qual cometeu, por esse fato, um crime de responsabilidade.

Fala-se, agora, para aliviar o déficit de R$ 170 bilhões, em aumentar a alíquota da CIDE, um tributo com finalidade vinculada à construção e manutenção de rodovias e à preservação do meio ambiente relacionado com a indústria do petróleo e gás. Seus recursos não servem para financiar as despesas gerais do Estado, como pretende o governo, sob pena de cometer desvio de finalidade.

O que o governo deveria fazer é agilizar os mecanismos legais e operacionais para a repatriação de recursos levados ao exterior e recuperar efetivamente as fantásticas somas de dinheiros públicos desviadas das estatais e que estão sendo reveladas pela operação Lava Jato, mediante a delação premiada dos envolvidos no esquema nacional de corrupção.

Até hoje a sociedade não sabe quem, quando e quanto cada réu devolveu. Houve-se falar muito em repartir os recursos das restituições do dinheiro público apropriado indevidamente entre o Tesouro e os órgãos da Polícia Federal e do Ministério Público. Por enquanto não se fala na destinação direta desses recursos financeiros a órgãos do Judiciário. Menos mal!

Implantar um sistema de alavancagem de recursos financeiros oriundos diretamente dos assaltantes de cofres públicos é o mesmo que plantar a semente da erva daninha no seio das instituições públicas, que devem ser sustentadas única e exclusivamente com os recursos públicos retirados compulsoriamente da sociedade a que servem. Nenhum centavo pode ser gasto por órgãos públicos sem prévia autorização orçamentária dada pelo Congresso Nacional. Destruir o princípio constitucional da legalidade das despesas é o mesmo que abolir o princípio da legalidade tributária, cabendo a cada órgão ou instituição arrecadar diretamente os recursos de que necessitam por meio de ‘n’ exações compulsórias inominadas que vão surgindo na medida da imaginação criadora de cada órgão.

E mais, chegou a hora de o governo repensar a política tributária vigente. O Sistema Tributário Nacional abriga um número ilimitado de incentivos fiscais de toda sorte: imunidades, isenções, redução da base de cálculo, redução de alíquotas, créditos fiscais, prêmios fiscais, incentivos à cultura, incentivos à pesca artesanal,  incentivos à proteção de pássaros pretos, incentivo à proteção de animais em vias de extinção, incentivos à preservação do meio ambiente[1], incentivo fiscal às embarcações em geral  destinadas à hospedagem no período das Olimpíadas, incluindo aquelas destinadas a transportar os cartolas do Comitê Olímpico Internacional (COI), do Comitê Paralímpico Internacional (CPI) e do Comitê Organizador Rio 2016[2] (CO) e outras entidades ou comitês de menor expressão, ou de menor potencial ofensivo considerando-se que os incentivos fiscais da COPA transformaram-se em um festival de corrupções. É preciso avaliar o custo-benefício disso tudo.

Os hospitais públicos estão literalmente falidos com doentes e parturientes abandonados nos corredores, apesar dos 15% das receitas tributárias da União e dos Municípios, e 12% das receitas dos Estados e do Distrito Federal. O SUS é integrado, também por hospitais privados em caráter complementar. Os grandes hospitais de diversas origens étnicas, como o Sírio-Libanês, o Albert Einstein, o Hospital Alemão Oswaldo Cruz, o Hospital Moinhos de Vento, o Hospital da Beneficência Portuguesa e o Hospital Santa Cruz, todos com equipamentos de última geração, alguns deles dispondo de luxuosos quartos e suites que mais se assemelham aos de um Hotel cinco estrelas, todos eles têm caráter filantrópico ou beneficente e são imunes de impostos. Só que não se consegue internar nesses hospitais uma empregada doméstica, um gari ou um pedreiro. A única exceção fica por conta do Hospital da Beneficência Portuguesa que mantém o Hospital Santo Antonio voltado para o atendimento exclusivo aos pacientes do SUS. As igrejas, também são imunes, mas muitas das seitas praticam atos que estão bem distanciados de atos religiosos propriamente ditos e ganham rios de dinheiro que não se revertem a favor da sociedade. As estatais (empresas públicas e sociedades de economia mista) prestam um ou outro serviço público, mas o grosso de suas atividades estão voltadas para as atividades lucrativas, concorrendo com as empresas do setor privado. Entretanto, gozam do benefício da imunidade recíproca, própria das entidades políticas. E quase todas elas estão metidas até o pescoço em atos de corrupção, por conta dos fabulosos lucros propiciados por incentivos fiscais espúrios. Por fim, grandes empresários brasileiros se estabelecem sem capital próprio suficiente. Vivem à custa do restante da sociedade por meio de incentivos fiscais das mais variadas espécies, obtidos de forma ilegítima. Muitas vezes, o Congresso Nacional limita-se a convolar automaticamente em lei as medidas provisórias baixadas sob medidas. Algumas dessas medidas provisórias vieram à luz por conta das investigações policiais, porque a ousadia de seus autores ultrapassou os limites da discrição.

Quando se fala em aumentar tributos todos pensam que é por causa da expansão do gasto público. Isto é correto em parte, mas não é só. Pode-se ter a certeza que quando se eleva a carga tributária geral é porque uma parcela privilegiada da sociedade, ligada à elites políticas, deixou de pagar ou diminuiu o pagamento de impostos por meio de ‘n’ artifícios legislativos que dariam para escrever um verdadeiro tratado. Somente os benefícios da Lei Rouanet, que patrocinam shows internacionais caríssimos que o brasileiro comum não consegue assistir, ou patrocinam pornografias que os pseudos intelectuais chamam de “arte moderna”, daria para escrever uma obra completa. O atual governo interino resolveu botar ordem na casa nesse aspecto, mas logo teve que voltar atrás e o festival pornográfico continua.

Enfim, é preciso repensar o custo-benefício desses incentivos desordenados, amalucados e inconsequentes que ferem, às escâncaras, os princípios da universalidade e da generalidade da tributação.  Onde todos pagam, todos pagam menos. Em qualquer país civilizado, pagar tributo é um dever do cidadão. Isso deveria estar expresso no texto constitucional que enumera a gama enorme de direitos, sem pensar nos meios financeiros para tornar efetivos esses direitos proclamados.

 

 

* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito.  Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

[1] A CF prescreve que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos sendo considerado um bem de uso comum do povo.

[2] Rio é um Estado falido financeiramente que deveria estar sob intervenção federal. Nos termos da prescrição constitucional.

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