Alternativas para manter desoneração da folha

Alternativas para manter desoneração da folha

Artigo de Kiyoshi Harada publicado no Valor Econômico em 13/10/20 (versão impressa e digital)

Acesse: https://valor.globo.com/legislacao/noticia/2020/10/13/alternativas-para-manter-desoneracao-da-folha.ghtml

A contribuição previdenciária patronal é um tema que sempre esteve na pauta de preocupações dos empresários. E de alguns anos para cá passou a despertar a ação dos legisladores, que aprovaram a EC nº 42/2003 permitindo a substituição gradual, total ou parcial da contribuição previdenciária patronal pela contribuição provisória incidente sobre a receita bruta – CPRB.

Nunca ninguém pensou em diminuir a elevada alíquota de 20% incidente sobre a folha de remuneração, nem de rever as contribuições do sistema S que juntas, praticamente, dobram o valor da folha mensal a cargo das empresas. Tampouco, pensou-se em sua substituição parcial.

Para tentar resolver o problema do desemprego, decorrente, em parte, da excessiva oneração da folha, o governo patrocinou a Lei nº 12.546/2011, cujo art. 7º, substituiu, até 31 de dezembro de 2014, a contribuição previdenciária pela CPRB. Esse prazo vinha sendo prorrogado sucessivamente, sendo que a última prorrogação, até 31 de dezembro de 2021, foi vetada pelo Executivo, em razão da situação deficitária da previdência social.

Passou-se a rediscutir a velha proposta de sua substituição definitiva pela contribuição incidente sobre a movimentação financeira – CMF – nos moldes da antiga CPMF, porém, em caráter meramente substitutivo, pelo que, teoricamente, não haveria aumento de carga tributária global.

Dessa forma, o contribuinte dessa contribuição social para a manutenção da previdência social seria a população em geral, que promove a movimentação financeira pela rede bancária. Em outras palavras, a população inteira seria onerada em troca da desoneração das empresas que empregam a mão de obra para o desenvolvimento de suas atividades lucrativas.

E há, ainda, uma agravante, pois, nem toda movimentação financeira expressa signo presuntivo de riqueza como, por exemplo, a transferência de uma conta para outra do mesmo titular, o depósito na conta de um advogado de valores pertencentes a clientes etc.

Se a substituição da contribuição previdenciária pela CMF for parcial, mantendo-se, por exemplo, a tributação sobre a folha na base de 8% ou 10%, o impacto da CMF sobre a população em geral será menor.

Mas, o certo é que a substituição da contribuição previdenciária pela CMF confere a esta última exação a natureza de imposto, isto é, um tributo destinado ao custeio de serviços públicos gerais. A contribuição social é aquela que está voltada para financiar a atuação especifica do Estado em prol de determinados grupos ou áreas beneficiadas. Por isso, só poderão ser seus contribuintes aqueles situados nos grupos ou categorias que ensejaram a sua instituição.

Dentro dessa linha de raciocínio, abre-se uma perspectiva de substituição da contribuição previdenciária patronal pela destinação anual da parcela da arrecadação tributária para o setor de previdência social, por meio da Lei Orçamentária Anual.

Como se sabe, a Lei Orçamentária Anual – LOA -, além do Orçamento Fiscal e do Orçamento de Investimento, contém o Orçamento da Seguridade Social (art. 165, § 5º, I, II e III da CF), onde se insere a previdência social (art. 194 da CF). Bastará, então, que esse Orçamento da Seguridade Social ganhe um reforço em sua dotação, em montante equivalente ao propiciado pelo regime de tributação da folha (parte patronal).

É claro que isso implicará aumento de carga tributária para os contribuintes em geral, mas, o seu impacto poderá ser atenuado pela distribuição desse aumento entre várias espécies tributárias (contribuições sociais sobre faturamento, sobre o lucro, e diferentes impostos), cujos contribuintes nem sempre são os mesmos, o que não acontece com a CMF que a todos atinge. As pessoas físicas, por exemplo, não são contribuintes do IPI; e as empresas que autuam na indústria normalmente não prestam serviços, e nem as prestadoras de serviços operam na industrialização como regra.

Dessa forma, a previdência social, a exemplo da saúde, passaria a ser custeada por toda a sociedade, de forma indireta, mediante recursos provenientes do Orçamento da União, refletindo a tendência do mundo moderno.

O regime atual, que adota o sistema misto, custeio direto pelas empresas e empregados, de um lado, e custeio indireto representado por recursos de orçamento da União, de outro lado, está sujeito a desvios ilícitos de todos conhecidos, e lícitos, por causa do inciso VIII, do art. 167 da CF que permite, mediante autorização legislativa, dar destinação diversa aos recursos pertencentes à seguridade social, onde se insere a previdência social. Não é por acaso a grita dos empresários contra essa elevada contribuição previdenciária, que vem se prestando a suprir necessidades ou cobrir déficit de setores que nada têm a ver com a previdência social.

Enfim, é preciso inovar e fazer com que o plano jurídico se aproxime da realidade, onde é marcante a presença cada vez maior do Estado no campo da seguridade social, mesmo desconsiderando este período excepcional da pandemia.

SP, 18-9-2020.

* Publicado no Valor Econômico, Legislação & Tributos, dia 13-10-2020, p. E2.

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