Conjur – Desenquadramento arbitrário de sociedades uniprofissionais pelo Fisco-SP

Por Marcelo Kiyoshi Harada

Você também pode ouvir o artigo, no site do Conjur:

https://www.conjur.com.br/2019-out-28/harada-desenquadramento-arbitrario-sociedades-fisco

 

Em muitas situações, o quadro societário das empresas é composto tão somente por profissionais especializados de uma mesma categoria profissional, podendo esses profissionais, para o exercício do trabalho intelectual, utilizar-se de pessoa jurídica na consecução de seus objetivos, especialmente pela forma e constituição de sociedade uniprofissional. Vale dizer que nesta situação, os profissionais especializados já estão devidamente inscritos no conselho regional da profissão regulamentada.

Ocorre, porém, que o Fisco Municipal de São Paulo vem excluindo do regime especial de tributação as sociedades que prestam serviços intelectuais, sem se ater aos critérios jurídicos constitucionais e legais que envolvem a questão. Não obstante, vem autuando os contribuintes desenquadrados de forma retroativa, respeitando o prazo prescricional de cinco anos.

Com a chegada do último trimestre do ano, cresce o número de pessoas jurídicas que pagam tributos sob regime de tributação especial e se vêm às voltas com problemas decorrentes de desenquadramento com efeito retroativo, especialmente em razão da obrigatoriedade em apresentar a chamada D-SUP (Declaração Eletrônica das Sociedades Profissionais), que é um formulário eletrônico obrigatório, onde os contribuintes prestam informações sobre a sociedade e suas atividades, e deve ser entregue até o último dia do ano.

Muitas dessas sociedades vêm sofrendo o desenquadramento automático da sua condição de SUP, com cobrança retroativa dos últimos cinco anos na entrega desse formulário. Fato estranho vinculado ao formulário eletrônico paulistano é perguntar se no contrato social da sociedade foi adotada a expressão “LTDA”, como se uma simples denominação tivesse o condão de mudar a natureza e a especialidade dos serviços prestados pelos profissionais, de forma pessoal e com atividades regulamentadas.

Assim, quem responder SIM na D-SUP a esta pergunta, será automaticamente excluído do regime especial de recolhimento de ISS, com cobrança retroativa, representada pela diferença do ISS devido pela alíquota de 5%.

O que costumeiramente se verifica, também, é a exclusão automática do regime especial da sociedade que deixar de entregar, tempestivamente, a D-SUP. Nesse caso, porém, sem a cobrança retroativa. Referida falta, no nosso entendimento, também não seria suficiente para desenquadrar a sociedade, por se tratar meramente de descumprimento de uma obrigação acessória.

É certo que para o bom direito o importante é que a sociedade profissional, simples ou limitada, seja formada por sócios da mesma habilitação profissional (inscritos no mesmo órgão fiscalizador da profissão) e que prestam serviços, de forma pessoal, responsabilizando-se pelos seus atos, sem assumir caráter empresarial.

Além do já mencionado ilegal e arbitrário desenquadramento perpetrado pelo Fisco Municipal, o fato mais assustador para as sociedades uniprofissionais é a cobrança retroativa da diferença do ISS devido à alíquota de 5%, referente aos últimos 5 anos, a contar do desenquadramento automático, acrescidos de juros e correção monetária.

No entanto, insta pontuar, que nem toda cobrança retroativa tem respaldo legal. Com efeito, uma análise minuciosa da jurisprudência atualizada das Colendas Câmaras de Direito Público do E. TJ/SP demonstra a existência de duas correntes, o que poderia conduzir o leitor a pugnar pela necessidade de uniformização. A primeira afirmando a existência de precedentes que autorizam e a segunda que desautorizam a retroatividade do ato administrativo de desenquadramento do regime especial de tributação, para fins de cobrança do ISS.

Exame acurado do entendimento dos tribunais atestam, de maneira cabal, a equivocada conclusão.

É que a norma jurídica de regência da matéria (artigo 146 do CTN) aparece de maneira clara nas duas hipóteses, tanto nos precedentes que registram a possibilidade, como naqueles que registram a impossibilidade de retroação, a depender sempre de cada caso concreto, sendo insuficiente o simples exame formal do objeto do contrato social em confronto com o texto legal.

A modificação de critério jurídico adotado pela autoridade administrativa no exercício da atividade vinculada e obrigatória que constitui o crédito tributário somente possui efeitos prospectivos, colhendo fatos geradores ocorridos posteriormente à sua introdução. A possibilidade de retroação, aqui, simplesmente inexiste.

Logo, tem-se que a cogitada retroação está associada ao substrato fático analisado pelo Fisco Municipal, deflagrando-se por ocasião do conhecimento de fato até então não conhecido ou não provado.

São duas correntes aparentemente opostas, porém, na verdade, ambas deram correta interpretação ao mencionado artigo 146 do CTN. Em resumo, a diversidade de suportes fáticos conduz à autorização ou não autorização da cobrança retroativa.

Marcelo Kiyoshi Harada é tributarista, sócio da Harada Advogados Associados.

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