Múltiplos efeitos colaterais da pandemia

Kiyoshi-11-06-20

Jurista e professor.

Presidente do IBEDAFT

 

Em qualquer país civilizado do mundo, em época de crise aguda, como a que estamos atravessando oposição e situação se unem para dar combate eficiente ao inimigo comum. Os diversos discursos inflamados de uns contra outros cedem lugar aos diálogos construtivos buscando, de forma harmônica, as melhores alternativas para a superação da crise nacional.

No Brasil se faz exatamente o contrário. A pandemia foi politizada em todas as esferas políticas, resultando em discursos díspares e conflitantes, assim como em ações das autoridades regionais e locais distanciadas da ação do governo central.

Governadores, que são candidatos em potencial para as eleições de 2022, não estão empenhados na busca de planos alternativos para a preservação da saúde da população, e ao mesmo tempo, manter um ritmo mínimo de produtividade essencial para extrair os recursos financeiros necessários para cuidar da saúde e propiciar assistência social aos necessitados, que representam uma quantidade expressiva da sociedade desigual. Esses governadores, que tanto atacam o governo central, dependem exclusivamente dos recursos da União para socorrer a população em suas respectivas regiões. Cuidar da saúde não é apenas prevenir doenças e curar os doentes. Implica necessidade de prover a alimentação básica da população pobre, limitada em sua atividade laborativa. A fome mata infinitamente mais do que o coronavírus. No mundo inteiro está morrendo uma pessoa a cada quatro segundos, ou sejam, 15 pessoas por minuto e 900 pessoas por hora. Não há vírus pior que o da fome. Como se trata de mortes seletivas que só atingem os pobres, a mídia não dá importância a essa epidemia da fome.

Esses políticos que só reclamam recursos financeiros da União pregam e desprestigiam as ações do governo federal no combate ao coronavírus, porque veem no Presidente da República um candidato natural nas eleições de 2022. Tudo indica que desejam enfraquecer a economia do País, para jogar nas costas do Presidente a responsabilidade pela condução da política econômica que tem funcionado, tradicionalmente, como termômetro para medir o grau de aprovação ou de rejeição do governo central. É uma pena!

Agentes públicos inescrupulosos estão aproveitando o momento de pandemia, que dispensa a licitação, para se enriquecer à custa do erário. Fazem compras milionárias com sobrepreços, sob a cínica argumentação de que o fornecedor do exterior está direcionando seus produtos a quem pagar mais. Os corruptos transferem a pecha de corrupção aos fornecedores estrangeiros!

Por que não fazem um mínimo de esforço para estudar com os líderes industriais a fabricação de materiais médico-hospitalares? O redirecionamento da linha de produção industrial nunca foi um bicho de sete cabeças. Mão de obra e maquinários ociosos devem ser aproveitados para manter a renda e proporcionar os recursos materiais para dar combate à pandemia. Só que produção nacional não oferece as vantagens da importação que propiciam oportunidade de ganhos ilícitos.

Prefeitos, também, estão metendo os pés pelas mãos. Estão agindo como se fossem donos de feudos interditando praias, rodovias federais e estaduais e mobilizando a Guarda Civil Metropolitana para prender os comerciantes que não observam o isolamento social. Só não se preocupam em fornecer alimentos básicos à população pobre enclausurada. Isso é um atentado aos direitos humanos!

Em São Paulo, cidade mais populosa do País, o Prefeito implantou o blockdown fechando as principais ruas e avenidas, gerando um tumulto enorme no trânsito que prejudicou toda a sociedade. Médicos, enfermeiros e ambulâncias ficaram entalados no meio do trânsito caótico, deixando os hospitais carentes de profissionais necessários.

O bloqueio de vias públicas foi suspenso no dia seguinte, porque essa aventura gerou protestos generalizados pela população indignada. Mas, logo foi substituído por um sistema de rodízio, baseado nas placas de veículos, par/impar, vigorando 24 horas do dia. Resultado, se o condutor não conseguir retornar ao local de origem até a meia noite somente poderá fazê-lo dois dias depois. Beleza!

Essas medidas não foram implantadas para ordenar o tráfego na cidade e aumentar a mobilidade urbana. O objetivo visado foi exatamente o contrário, isto é, causar confusão, dificultar a locomoção motorizada, a fim de tentar aumentar o percentual de adesão ao isolamento social.

Está, pois, caracterizado o ato de improbidade administrativa na modalidade de desvio de finalidade, prevista no inciso I, do art. 11 da Lei nº 8.429/92.

De fato, o poder conferido ao Prefeito é para ordenar o tráfego na cidade mediante adoção de medidas que propiciem a melhoria no fluxo de veículos, contribuindo para a maior mobilidade urbana e diminuição da poluição ambiental, e não para fazer o contrário.

A pandemia está trazendo um clima de pandemônio jurídico. Cada autoridade pública está fazendo o que der na cabeça, sem menor planejamento e estudos técnicos. Tumultuar o trânsito, por óbvio, vai acabar causando superlotação de ônibus e metrô, onde a possibilidade de contaminação é infinitamente maior do que na circulação por meio de automóveis. E mais, o isolamento social indiscriminado, envolvendo população de baixa renda que vive em cubículos, evidentemente, irá potencializar a contaminação, pois um ou outro membro da família terá que sair para compra de alimentos.

É preciso uma ação coordenada em nível nacional para adoção de medidas coerentes e harmônicas em todo o território nacional.

Na reunião virtual que tivemos no dia 8 de maio, sob a coordenação do Presidente do Conselho Superior da Fecomercio, Ives Gandra da Silva Martins, tendo como expositor principal o Ministro Dias Toffoli foi exatamente aventada a necessidade de criar um Comitê Gestor da Crise com a participação de Ministros de Estados, Chefes de Poderes, representantes de Estados e de Municípios e da sociedade civil, com a missão de planejar e executar as medidas de combate à pandemia.

Como afirmei durante os debates, em minha opinião, esse Comitê deve ser presidido pelo Presidente da República, tendo como legislação básica aplicável a Lei nº 13.979/20, que traça as normas gerais de combate à pandemia (art. 21, XVIII da CF), deixando margem de atuação às autoridades locais, respeitando-se as peculiaridades de cada região.

 

SP, 11-5-2020.

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