Não inclusão da CSLL da base de cálculo do IRPJ sob novo enfoque

O tema enfocado no presente artigo, apenas aparentemente acha-se pacificado pela decisão do Plenária do STF que, por maioria de votos, no RE nº 582.525, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 7-2-2014, onde se reconheceu a existência de Repercussão Geral do tema constitucional ventilado, decidiu pela indedutibilidade do valor da CSLL da base de cálculo do IRPJ. Vejamos.

O contribuinte, não se conformando com acórdão proferido pelo TRF-3 que vedou a dedução do valor da CSLL da base de cálculo do imposto de renda, impetrou o recurso extraordinário em que se pleiteou a referida exclusão a título de despesa operacional porque o pagamento desse tributo é indispensável à realização da atividade empresarial. Sustentou a vulneração do conceito constitucional de renda, a ausência de lei complementar para modificar o fato gerador do IR, e a violação dos princípios da capacidade contributiva e da anterioridade.

O Ministro Relator, Joaquim Barbosa refutou todas as argumentações da recorrente sustentando em síntese o seguinte:

  1. a) não há conceito ontológico do que seja renda no texto constitucional;
  2. b) o valor pago a título de CSLL não perde a característica de corresponder a uma parte do lucro ou da renda do contribuinte;
  3. c) ocorrido o fato gerador – a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica de rendas ou proventos – é irrelevante a ulterior destinação de parte da renda ou proventos à seguridade social;
  4. d) não há necessidade de Lei Complementar porquanto o CTN não definiu o que seja lucro real na extensão pretendida pela recorrente;
  5. e) não há ofensa ao princípio da capacidade contributiva, visto que a “vedação da dedução do valor da CSLL na apuração do IRPJ não leva inexoravelmente à tributação do patrimônio ou de qualquer outra grandeza que não seja a renda”;
  6. f) a regra da anterioridade especial aplicada à CSLL (art. 195, § 6º da CF), não se soma a regra da anterioridade tradicional (art. 150, III, b da CF), aplicável ao IR.

 

Concordamos que não há realmente um conceito ontológico de renda na Constituição Federal. Entretanto, o CTN define o fato gerador do IR em seu art. 43 nos seguintes termos:

 

Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

 

Assim, indubitável que o fato gerador do imposto de renda é o acréscimo patrimonial traduzido por uma riqueza nova. Sem esse acréscimo patrimonial não haverá aquisição da disponibilidade econômica (regime de caixa – pessoa física), ou da disponibilidade jurídica (regime de competência – pessoa jurídica).

Concordamos que o valor da CSLL pago não pode ser considerado como despesa operacional, porque ele é resultado da atividade econômica exercida pelo contribuinte para auferir rendas, e não uma despesa necessária à produção de rendas.

Contudo, esse raciocínio é válido apenas quanto à indedutibilidade da provisão da CSLL, mas não é válido em relação ao valor da CSLL efetivamente pago. Na provisão reserva-se uma parte do lucro para pagar ulteriormente a CSLL. Trata-se de mera reserva de recursos financeiros.  Porém, a CSLL depois de paga com os recursos provenientes do lucro apurado passa a ser um encargo, uma despesa, e não uma receita que vem propiciar uma renda ou lucro [1].

Não se trata de saber se o valor da CSLL pago é uma despesa operacional ou não; parece lógico que não o é, pelo simples fato de que ele não é algo necessário à produção da renda, como os insumos, por exemplo. O fato é que o valor do tributo pago constitui uma despesa do contribuinte, razão pela qual não pode integrar a base de cálculo de um imposto que pressupõe a tributação do acréscimo patrimonial. Considerar como renda uma despesa, por ficção jurídica que em decorrência da interpretação literal do art. 1º e do seu parágrafo único [2] da Lei nº 9.316/96, acaba por violentar o princípio da capacidade contributiva. É o próprio parágrafo único do citado art. 1º que, como não poderia ser de outra forma, considera os valores da CSLL escriturados como custos ou despesas, porém, determinando contraditoriamente sua adição ao lucro líquido apurado. E o caput desse artigo, ficticiamente, considera esses valores como receitas operacionais.

Ora, ficção jurídica, ao contrário da presunção, consiste em atribuir uma característica irreal a um determinado fato [3]. Por isso, seu emprego é vedado no campo do direito tributário, principalmente em relação à norma jurídica definidora do fato gerador da obrigação tributária que abrange a base de cálculo que, juntamente com a alíquota, compõe o aspecto quantitativo do fato gerador. Não há como adicionar o valor de uma despesa no montante do lucro líquido apurado, como determina o parágrafo único do citado art. 1º, para aumentar o valor do tributo por meio de uma ficção jurídica engendrada pelo astuto legislador, a fim de alcançar riquezas que não existem no mundo da realidade.

Esse fato não passou despercebido aos olhos do insigne Ministro Marco Aurélio que dava provimento ao recurso porque essa exigência não se enquadra “no figurino constitucional do tributo, haja vista que pessoa jurídica tem, considerada a CSLL, um ônus e não uma vantagem, não sendo possível entender que um ônus signifique, ao mesmo tempo, ônus e renda para quem quer que seja”. Em outras palavras, para fins de tributação não pode o legislador transformar o preto no branco por meio de uma ficção jurídica.

Na realidade, o valor da CSLL pago não se acha dentro do campo de incidência do imposto de renda. Absolutamente nada tem a ver com as hipóteses de deduções do lucro real a título de despesas operacionais. É caso típico de não incidência pura, isto é, aquela que resulta, por exclusão, da definição do campo de incidência do imposto de renda.

O mesmo raciocínio aduzido por ocasião do julgamento do RE nº 240.785 em que se excluiu o ICMS da base de cálculo da COFINS – porque sendo o ICMS um imposto ele não poderia estar compreendido no conceito de faturamento que é a base de cálculo do Pis/Cofins – deveria ter prevalecido em relação ao tema objeto de exame, porque sendo o valor da CSLL pago uma despesa do contribuinte, não poderia estar compreendido no conceito de renda ou de proventos de qualquer natureza. Não pode ele compor a base de cálculo de imposto que incide sobre o acréscimo patrimonial.

Impõe-se a observância da coerência lógica, até mesmo para sustentar as incoerências.

 

 

 

[1] Renda e lucro são conceitos distintos. Este decorre daquela. Pode haver renda sem lucro, mas não pode haver lucro sem renda.

[2] Art. 1º O valor da contribuição social sobre o lucro líquido não poderá ser deduzido para efeito de determinação do lucro real, nem de sua própria base de cálculo.

Parágrafo único. Os valores da contribuição social a que se refere este artigo, registrados como custo ou despesas, deverão ser adicionados ao lucro líquido do respectivo período de apuração para efeito de determinação do lucro real e de sua própria base de cálculo.

[3] Presunção nada mais é do que o convencimento antecipado da provável existência de um fato ainda desconhecido, extraído a partir de um fato conhecido e conexo, podendo ser refutado por meio de prova em sentido contrário. Porém, a presunção iure et de iure não comporta prova em sentido contrário; ela é absoluta. O Direito Tributário vale-se muitas vezes de presunções.

Ficção jurídica outra coisa não é senão uma criação pelo legislador de uma realidade jurídica diferente da real, isto é, a lei impõe a existência de efeitos ou verdades jurídicas que não existem no mundo da realidade. Seu emprego no âmbito do Direito Tributário é vedado, sob pena de afronta ao princípio constitucional da capacidade contributiva.

 

 

SP, 18-9-17.

 

* Jurista, com 32 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas.  Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica.

 

 

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