Natureza Jurídica das anuidades cobradas pelos Conselhos Regionais de profissionais liberais

Como sabemos, os Conselhos Regionais de profissionais legalmente regulamentados fixam as anuidades devidas pelos profissionais neles inscritos amparados em legislações que não se harmonizam com os preceitos constitucionais em vigor. Essas anuidades, na verdade, compulsórias são legais e constitucionais?

O propósito deste artigo é o de demonstrar que essas anuidades compulsórias correspondem a um tributo, enquadrando-se na espécie contribuição social que pressupõe um benefício específico a ser usufruído pelo sujeito passivo.

É noção já pacificada que a partir do advento da Constituição de 1988 não mais se discute a natureza tributária das contribuições sociais.

O art. 149 da CF prevê expressamente a instituição pela União de contribuições sociais de interesse das categorias profissionais ou econômicas, determinando a aplicação dos princípios da legalidade tributária, da irretroatividade, da anterioridade e da nonagesimidade.

O STF também se pronunciou pela natureza tributária das contribuições sociais determinando a observância de todos os princípios tributários.

Em relação às contribuições sociais do Sistema S – SESI/SENAI e SESC/SENAC – a Corte Suprema considerou-as recepcionadas pelo art. 240 da CF.

Como sabemos, SESI, SESC etc. são pessoas jurídicas de direito privado que atuam secundando as atividades do Estado na defesa dos interesses das categorias econômicas que representam.

Por isso, aquelas entidades privadas têm a delegação do poder público para se apropriar do produto da arrecadação das contribuições sociais legalmente instituídas e, hoje, arrecadadas pela Secretaria da Receita Federal do Brasil.

Essas entidades privadas não têm e nunca tiveram delegação para instituir a contribuição social, sendo meras destinatárias dos produtos de suas arrecadações. Por isso, o STF decidiu que “os recursos financeiros quando ingressam nessas entidades paraestatais perdem o caráter de recurso público (ACO AgR/ES nº 1953, DJe de 19-2-14), mas, se sujeitam ao controle finalístico pelo Tribunal de Contas, da aplicação dos recursos recebidos (RE nº 789874/DF, DJe 19-11-14).

Mas, o que vem acontecendo com as “anuidades” cobradas compulsoriamente pelos Conselhos Regionais de profissões legalmente regulamentadas?

Sabemos que todos os Conselhos Federais e Regionais de profissionais liberais são criados por lei, constituindo cada um desses conselhos em seu todo (Conselho Federal/Conselhos Regionais) uma autarquia, dotada de personalidade de direito público para exercer a atividade pública de supervisionar a ética profissional, disciplinar a classe julgar os profissionais inscritos nos respectivos quadros. Só para citar, a Lei nº 3.268/57 que instituiu o Conselho Federal e os Conselhos Regionais prescreve exatamente nesse sentido.

Os demais Conselhos Federais e Regionais seguem na mesma linha, com exceção do Conselho Federal da OAB e dos Conselhos Seccionais, cuja lei instituidora, Lei nº 8906/94 é omissa quanto à sua natureza jurídica. Contudo, essa omissão não implica alijar a OAB da natureza de autarquia federal, principalmente, tendo em vista a disposição do art. 133 da CF que reafirma a sua natureza de pessoa jurídica de direito público.

Ora, se são autarquias, os Conselhos Regionais são sujeitos ativos de tributo e não de preço, anuidade ou de qualquer outra modalidade de cobrança própria do direito privado.

Entretanto, os Conselhos Regionais em geral vêm fixando por conta própria e cobrando as “anuidades” compulsoriamente à margem do princípio da legalidade tributária.

A Lei nº 11.000/04, que altera os dispositivos da Lei nº 3.268/57 que rege em todo o território nacional a atividade médica ( Estatuto dos médicos), pelo seu art. 2º, extrapolando do âmbito de regência dos profissionais da medicina, dispôs que os “Conselhos de fiscalização de profissões regulamentas são autorizadas a fixar, cobrar e executar as contribuições anuais, devidas por pessoas físicas ou jurídicas, bem como as multas e os preços de serviços, relacionadas com suas atribuições legais, que constituirão receitas próprias de cada conselho”.

A confusão é generalizada, misturando-se preços, multas e contribuições sociais denominadas de anuidades.

A Lei nº 12.514/11, que altera a redação da Lei nº 6.932/81 que regula as atividades do médico – residente, também trata das contribuições devidas aos Conselhos de Profissionais liberais em geral.

O art. 6º dessa lei estabelece as anuidades (contribuições sociais) em valores fixos corrigíveis pela variação integral do INPC/IBEG.

Neste particular, tirante a equivocada denominação utilizada, purgou o vício do art. 2º da Lei nº 11.000/04. Não há mais delegação para fixação do valor dessa contribuição social denominada de anuidade.

Não enxergamos ofensa ao princípio da legalidade tributária apontada por Laura Loro Lopes [1]. Eventual regulamentação por Resolução do Conselho, evidentemente, não poderá implicar ampliação ou restrição do conteúdo do art. 6º da Lei sob comento.

Finalmente, o art. 5º que prescreve no sentido de que “ o fato gerador das anuidades é a existência de inscrição no conselho, ainda que por tempo limitado, ao longo do exercício”, também não há vício de inconstitucionalidade. E aqui o legislador empregou uma expressão típica do Direito Tributário – fato gerador – embora fazendo equivocada referência às anuidades ao invés de contribuições sociais.

O que se impõe no caso é a interpretação conforme a Constituição em cada caso concreto, para afastar a cobrança da contribuição social em determinado exercício se o profissional inscrito não exerceu a profissão para a qual está legalmente habilitado.

Acontece a mesma coisa com a tributação por alíquota fixa do ISS em relação aos profissionais inscritos no respectivo Cadastro Imobiliário Municipal.

Quem se inscreveu no final de novembro, por exemplo, pode receber a cobrança proporcional, mas, se o profissional provar que não exerceu atividade profissional nos meses de novembro e dezembro, por falta de clientes, ele estará dispensado do pagamento do ISS lançado pelo fisco. Isso porque o fato gerador é a efetiva prestação do serviço pelo profissional liberal e não a sua inscrição no cadastro mobiliário municipal, que apenas o habilita a exercer legalmente a sua profissão.

SP, 23-’11-15

* Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.



[1] Aspectos controvertidos das contribuições para os Conselhos de Fiscalização Profissional à luz da Lei nº 12.514, in Direito Tributário Atual, v. 34. São Paulo: Dialética, 2015, p. 236-255.

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