Há uma grande controvérsia jurídica quanto à possibilidade ou não da redução dos benefícios fiscais do Reintegra.
Primeiramente há que se definir a sua natureza jurídica para o exame dessa questão.
Descarta-se, desde logo, a sua natureza de imunidade, que tem sede apenas na Constituição, representando um obstáculo à instituição de tributo sobre bens, serviços, e patrimônios declarados imunes.
E os benefícios do Reintegra estão previstos no nível infraconstitucional, qual seja, na Lei nº 13.043, de 13 de novembro de 2014.
E o art. 21 dessa lei prescreve que
“fica reinstituído o Regime tributário para as Empresas Exportadoras – REINTEGRA, que tem por objetivo devolver parcial ou totalmente o resíduo tributário na cadeia de produção de bens importados”.
O objetivo do REINTEGRA é, pois, o de devolver parcial ou totalmente os resíduos tributários na cadeia de produção de bens exportados.
Prescreve, ainda, o art. 22 que:
“no âmbito do Reintegra, a pessoa jurídica que exporte os bens de que trata o art. 23 poderá apurar crédito, mediante a aplicação de percentual estabelecido pelo Poder Executivo, sobre a receita auferida com a exportação desses bens para o exterior.”
E, conforme prescreve o seu §1º, o percentual do crédito variará de 0,1% (um décimo por cento a 3% (três por cento), admitindo-se a diferenciação por bem.
A primeira conclusão é a de que o montante do valor a ser devolvido fica na dependência de fixação do percentual dessa devolução nos limites entre 0,1% (um décimo por cento) e 3% (três por cento), admitindo-se a diferenciação por bem.
O Poder Executivo fixa discricionariamente o percentual do incentivo incidente sobre a receita de exportação entre 1% e 3%, podendo adotar percentual diferente para cada tipo de bem exportado, com vistas a estimular a exportação e superar o mercado de concorrência internacional.
Resta examinar o sentido da expressão “resíduo tributário” a que alude o art. 21 da lei sob exame.
Resíduo tributário outra coisa não é senão aquela tributação que não transparece, porque os tributos vão se acumulando ao longo do ciclo produtivo sendo, afinal, incorporados nos preços de mercadorias e serviços.
Um preço de um automóvel, por exemplo, incorpora tributos incidentes sobre a compra de rodas, de câmbios, sobre os serviços de montagem de peças, de funilaria, de pintura etc.
Só que a devolução desses tributos, no caso do Reintegra, incide apenas sobre um percentual calculado pela receita de exportação.
Fenômeno semelhante acontece com a imunidade da receita de exportação que não abarca as operações que antecedem à efetiva exportação.
Essa faculdade de o Executivo fixar o valor do benefício fiscal entre 1% e 3% da receita de exportação, visando à formulação de uma política tributária voltada para o comércio exterior, corresponde a uma subvenção econômica, que outra coisa não é senão um instrumento conferido ao governo para incentivar determinado segmento da economia, dentro dos limites e condições fixados em lei.
Subvenção econômica tem, portanto, natureza político-econômica para implementar a política de crescimento econômico de certos setores da atividade econômica reputados essenciais ou necessários em determinada conjuntura. A proibição de o Poder Público conceder ajuda financeira a empresas de fins lucrativos encontra exceção na parte final do art. 19 da Lei nº 4.320/64, “salvo quando se tratar de subvenções econômicas cuja concessão tenha sido expressamente autorizada em lei especial”.
É, portanto, matéria que escapa do controle do Judiciário em seu mérito.
A delegação legislativa é clara: cabe ao governo fixar o valor do beneficiário fiscal entre 1% e 3% da receita de exportação, bem como diferenciar esses percentuais em função da natureza dos bens exportados, privilegiando com percentual maior este ou aquele tipo de produto destinado ao mercado exterior.
A subvenção econômica sempre tem em vista o incremento da atividade econômica, nos termos e limites da lei.
Episódio semelhante ocorreu nos idos de 2011, quando o STF declarou a inconstitucionalidade de nada menos que onze diferentes incentivos fiscais do ICMS concedidos sem a intermediação do Confaz, como exige a Constituição.
Os beneficiários desses incentivos fiscais foram colhidos de surpresa, após mais de dez anos de fruição dos benefícios, vendo-se repentinamente na situação de devedores de valores expressivos com que foram beneficiados ao longo do tempo.
O Congresso Nacional ensaiou uma saída permitindo que uma lei complementar autorizasse o Confaz a permitir que cada Estado concedesse por ato próprio essa remissão.
Mas, o Confaz decretou diretamente a remissão dos créditos tributários que surgiram com a anulação dos incentivos fiscais unilateralmente outorgados pelos diferentes Estados. O STF declarou a sua inconstitucionalidade.
Finalmente, o Congresso Nacional aprovou a Lei Complementar nº 160, de 7 de agosto de 2017, autorizando o Confaz, por meio de Convênio, a promover a remissão decorrente de isenções inconstitucionalmente concedidas por diferentes Estados. Disso resultou no Convênio nº 190/2017 regulando os créditos apropriados indevidamente, conferindo-lhes a natureza de subvenção econômica, isto é, indo ao encontro do mesmo objetivo que norteou as isenções unilaterais e inconstitucionais, qual seja, de aumentar o incremento de atividades econômicas nos respectivos territórios.
Concluindo, o Reintegra é uma subvenção econômica; é um ato de governo visando incentivar a exportação de produtos para o exterior mediante incentivos fiscais representados pela concessão de créditos sobre as receitas auferidas com a exportação em percentuais que podem variar de 1% a 3%, facultada a revisão desses percentuais pelo governo a qualquer tempo.
SP, 23-9-2024.
* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.943, de 24-9-2024.