A doutrina tem classificado os tributos em fiscais e extrafiscais. Os primeiros objetivam tão somente prover o Erário com os recursos financeiros necessários ao cumprimento de fins do Estado. Os segundos não objetivam a arrecadação tributária, mas regular determinadas atividades econômicas por meio do instrumento tributário incentivando ou desencentivando certos segmentos da economia. Por isso, eles são denominados de tributos regulatórios ou ordinatórios.
Hoje é bem difícil entender, principalmente, em relação à espécie tributária chamada imposto se ele é de natureza extrafiscal ou de natureza simplesmente arrecadatória Há uma mistura generalizada entre as duas modalidade de tributação. Impostos que, por sua natureza, não comportam atribuição de caráter regulatório, como o ICMS, por exemplo, vem sendo utilizado como instrumento de intervenção estatal. Por outro lado, impostos de natureza regulatória, como o II, o IE, o IOF e o IPI vêm sendo utilizados com fins arrecadatórios mediante elevação de alíquotas por decreto presidencial desmotivado, como se a faculdade conferida pela Constituição para alterar as alíquotas desses impostos significasse carta branca.
Os tributos em geral, atualmente, não obedecem aos princípios da generalidade e da universalidade da tributação não guardando a necessária neutralidade fiscal.
O que significa neutralidade fiscal? Significa a adoção de uma política fiscal que afasta o fenômeno da tributação como meio de interferir nas decisões dos agentes econômicos, ou pelo menos exercer o mínimo de influência possível, já que a tributação, ainda que não planejada para surtir efeitos extrafiscais, sempre acaba por direcionar as atividades dos empresários. O que não é saudável para a economia sob o regime de iniciativa privada é o dirigismo fiscal.
Há dois aspectos relevantes que devem ser observados no princípio da neutralidade fiscal: o da eficiência econômica que tem como pressuposto a maior produtividade baseada nos mecanismos de mercado, sem qualquer interferência do poder público, refletido no princípio da livre concorrência; o segundo aspecto é o da equidade que está relacionado ao direito legislado no sentido de não promover discriminação, nem restrição legal. Os incentivos fiscais para “vestir um santo e desvestir vários outros”, muito em voga entre nós, é afrontoso a esse princípio, acabando por comprometer o princípio da eficiência econômica. Uma isenção, por exemplo, no meio do ciclo de comercialização de mercadoria para favorecer este ou aquele setor da economia, causa uma distorção econômica muito grande, à medida que acarreta a anulação e estorno dos créditos de impostos referentes às etapas anteriores ao da isenção. O mesmo acontece com a substituição tributária, como veremos mais adiante. Advirta-se, no entanto, que as distorções decorrentes de incentivos fiscais generalizados decorrem do desrespeito pelo legislador infraconstitucional de preceitos da Constituição voltados exatamente para preservar a neutralidade fiscal em situações específicas. Senão vejamos:
“Art. 146-A. Lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo da competência de a União, por lei, estabelecer normas de igual objetivo”.
“Art. 151. É vedado à União:
I – instituir tributo que não seja uniforme em todo o Território Nacional ou que implique distinção ou preferência em relação a Estado, ao Distrito Federal ou a Município, em detrimento de outro, admitida a concessão de incentivos fiscais destinados a promover o equilíbrio do desenvolvimento socioeconômico entre as diferentes regiões do País”.
Lamentavelmente, o que se verifica na prática é a concessão ou ampliação de incentivos fiscais diversos (isenções totais ou parciais, redução de base de cálculo, diminuição de alíquotas etc.) para favorecer regiões altamente desenvolvidas do ponto de vista socioeconômico e, também, aqueles que interferem no princípio da livre concorrência, pedra de toque o regime econômico da livre iniciativa adotado pela Constituição (art. 170, caput e inciso IV).
Esses incentivos fiscais, às vezes, outorgados de forma casuística ofendem os princípio da universalidade da tributação e o da generalidade da tributação. Todos os bens e serviços devem ser tributados, assim como todas as pessoas físicas e jurídicas com capacidade contributiva devem pagar tributos para atender ao principio da isonomia. Onde todos pagam impostos, todos pagam pouco.
* Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.