Nova carteira de identidade, uma burocracia desnecessária e inútil

Um dos documentos preferidos pelas autoridades para alteração de modelos diz respeito à à carteira de identidade que mudam periodicamente.

Antigamente a alteração do modelo dizia respeito ao documento de identidade de estrangeiros, talvez para equilibrar o caixa do governo com a arrecadação de “taxas”.

Lembro que meus pais contratavam despachantes para fazer essas renovações. Começou com o modelo 18, depois modelo 19 para acabar com o modelo 20. Hoje não sei mais qual o modelo em vigor porque meus pais já são falecidos.

No que diz respeito ao documento de identificação civil do cidadão, igualmente, tem sido alterado periodicamente.

A última alteração colocou um dígito após o número de identificação e aboliu, não se sabe porque razão, o nome da localidade de nascimento.

Essas alterações perturbam a vida do cidadão que precisa deixar os seus afazeres e ficar por horas nas filas de repartições públicas.

Agora, veio à luz a Lei nº 14.534 de 11 de janeiro de 2023 que adota o CPF como único documento suficiente para identificação do cidadão nos bancos de dados de serviços públicos. A burocracia, desta vez, ficou por conta do poder público.

Segundo o § 1º, do art. 1º da Lei sob exame o número do CPF deverá constar dos cadastros e dos documentos de órgãos públicos, do registro civil de pessoas naturais ou dos conselhos profissionais, em especial nos seguintes documentos:

I – Certidão de Nascimento;

II – Certidão de Casamento;

III – Certidão de Óbito;

IV – Documento Nacional de Identificação (DNI)

V – Número de Identificação do Trabalhador (NIT)

VI – Registro no Programa de Integração Social (PIS) ou no Programa de Formação do Patrimônio do Servidor (PASEP)

VII – Cartão Nacional de Saúde

VIII – Título de eleitor

IX – Carteira de Trabalho e Previdência Social (CTPS)

X – Número da Permissão para dirigir ou Carteira Nacional de Habilitação (CNH)

XI – Certificado Militar

XII – Carteira Profissional expedida pelos conselhos de fiscalização de profissão regulamentada; e

XIII – Outros certificados de registro e número de inscrição existentes em bases de dados públicos federais, estaduais, distritais e municipais.

O número de identificação de novos documentos emitidos ou reemitidos por órgãos públicos ou por conselhos profissionais será o número de inscrição no CPF (§ 2º do art. 1º)

O art. 2º dessa Lei promove alterações na Lei nº 7.116/83 que assegura a validade nacional das carteiras de identidade e regula sua expedição para:

a) acrescentar a assinatura do dirigente do órgão emissor, que sempre constou;

b) determinar que na emissão de novos documentos o órgão emissor utilize o número do CPF como número de registro geral da carteira de identidade;

c) determinar que os órgãos emissores de registro geral deverão realizar pesquisa na base do CPF, a fim de verificar a integridade das informações, bem como disponibilizar dados cadastrais e biométricos do registro geral à Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil;

d) Na hipótese de o requerente da Carteira de identidade não esteja inscrito no CPF, o órgão de identificação realizará a sua inscrição.

O art. 3º dessa Lei nº 14.534/2023 altera a Lei nº 9.454/97 que institui o número único de Registro de Identidade Civil para:

a) que seja adotado, nos documentos novos, para o número único de que trata este artigo, o número de inscrição no cadastro de pessoas físicas (CPF);

b) que o número do CPF seja o único e definitivo para cada pessoa física.

O art. 4º, por sua vez, alterou a Lei nº 13.444/2017 que igualmente dispõe sobre Identificação Civil Nacional (ICN) para acrescentar o § 6º com a seguinte redação:

“Na emissão dos novos DNIs, será adotado o número de inscrição Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) como número único”.

Por derradeiro, o art. 5º da Lei sob comento introduziu o § 1º ao art. 10-A da Lei nº 13.460/2017 que dispõe sobre participação, proteção a defesa dos direitos do usuário dos serviços públicos da administração pública com a seguinte redação:

“§ 1º Os cadastros, os formulários, os sistemas e outros instrumentos exigidos dos usuários para a prestação de serviço público deverão disponibilizar campo para registro do número de inscrição no CPF, de preenchimento obrigatório para cidadãos brasileiros e estrangeiros residentes no Brasil, que será suficiente para sua identificação, vedada a exigência de apresentação de qualquer outro número para esse fim.”

Nunca um documento foi tão alterado como a carteira de Identidade Civil para identificar o brasileiro em suas relações com a sociedade e com os órgãos e entidades governamentais e privados.

Os documentos de identificação civil do cidadão passaram pelas seguintes alterações:

a) Lei nº 7.116 de 29/8/1983 assegurou a validade nacional às carteiras de identidade regulando sua expedição;

b) Lei nº 9.454 de 7-4-1997 instituiu o número único de Registro de Identidade Civil e criou o Cadastro Nacional de Registro de Identificação Civil;

c) Lei nº 13.444 de 11-5-2027 dispôs sobre a Identificação Civil Nacional (ICN).

Registro de Identidade Civil (RIC) ou a Identificação Civil Nacional (ICN) ou Documento Nacional de Identificação outra coisa não são senão a tradicional Carteira de Identidade, onde consta obrigatoriamente o número do CPF do identificado.

Agora os burocratas de plantão alteram as leis retrorreferidas para instituir o Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) como número único e suficiente para a identificação do cidadão nos bancos de dados de serviços públicos.

Fixou-se o prazo de 12 meses, para que órgãos e as entidades realizem a adequação dos sistemas e dos procedimentos de atendimento aos cidadãos, para a adoção do número de inscrição no CPF como o número de identificação. E o prazo de 24 meses foi fixado para que os órgãos e as entidades tenham a interoperabilidade entre os cadastros e as bases de dados a partir do número de inscrição no CPF. A palavra interoperabilidade utilizada pelo burocrata de plantão significa trabalho em conjunto que possibilita a interação entre pessoas, órgãos e sistemas.

Trata-se de uma previdência desnecessária que onera os cofres públicos com providências de discutível utilidade, o que não sinaliza boa intenção do legislador.

Para um governo que acumula um déficit diário de R$ 2 bilhões não era o momento para implantar um novo sistema de identificação civil do cidadão brasileiro por meio de CPF, mesmo porque na prática isso vem ocorrendo de longa data. O cidadão brasileiro é como se fosse um objeto identificado pelo número de CPF nas costas para pagar tributos. Nada se pode fazer sem o CPF.

A maioria dos documentos enumerados § 1º, do art. 1º da Lei nº 14.534/2023 já consta obrigatoriamente o número do CPF.

A inclusão do número do CPF na certidão de nascimento sinaliza para o governo voraz o futuro contribuinte de tributos possibilitando a projeção de despesas para o futuro com vistas ao pagamento potencial de tributos. No Brasil tudo é possível, pois o tributo pode ser cobrado antecipadamente antes da ocorrência do fato gerador, com base no fato gerador presumido. E a inclusão do número desse CPF na certidão de óbito, por sua vez, sinaliza para o governo a perda de arrecadação, ou a economia de recursos financeiros se o de cujus era aposentado ou pensionista.

Por fim, como de hábito, o confuso legislador inseriu uma norma dúbia no § 2º, do art. 1º com a seguinte redação:

“O número de identificação de novos documentos emitidos ou reemitidos por órgãos públicos ou por conselhos profissionais será o número de inscrição no CPF”.

Pergunta-se, desaparecerão nos futuros documentos ou reemissões de RGs e das Carteiras de identificação expedidas por órgãos de classe de profissões legalmente regulamentas (OAB. CRM, CRE etc.) os respectivos números de registro, sendo substituídos pelo número de CPF? Sabe-se que tanto nos RGs como as carteiras de identidades expedidas por órgãos de classe, de há muito, já consta o número do CPF.

Dessa forma tudo indica que o número do CPF tem o sentido de substituição dos números dos respectivos registros no DNI e de inscrições nos órgãos de classe dos profissionais legalmente regulamentados (advogados, engenheiros, arquitetos, médicos, odontólogos, contadores e economistas). Se assim for será uma pena, pois, o número de inscrição do advogado, por exemplo, tem a importante função de identificar o advogado antigo do advogado novo, bem como para apurar a quantidade de advogados em cada subseção da OAB que, por sua vez, possibilitará apontar o número de profissionais em âmbito nacional.

A indagação quanto à substituição ou não dos respectivos números de registros vale, igualmente, em relação aos demais documentos como o título de eleitor, a CNH, a CTPS, ao certificado militar etc.

SP, 13-5-2024.

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