A continuidade da cobrança do adicional da multa de 10% a favor do FGTS por ocasião da injusta despedida do empregado, após ter cumprido a finalidade para a qual foi instituído esse adicional, implicou convolação dessa multa, indevidamente denominada de contribuição social, em um imposto inominado, conforme demonstramos na nossa obra específica[1]. Vejamos resumidamente.
Como se sabe, a CEF foi condenada judicialmente a promover as atualizações monetárias dos saldos das contas vinculadas do FGTS sonegadas por diferentes Planos Econômicos editados pelo governo.[2] Para prover as despesas com essas atualizações determinadas pela Justiça foi sancionada a Lei Complementar no 110, de 29-6-2001, criando duas contribuições sociais sobre o FGTS, nos termos dos arts. 1o e 2o que assim prescrevem:
“Art. 1o Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores em caso de despedida de empregado sem justa causa, à alíquota de dez por cento sobre o montante de todos os depósitos devidos, referentes ao Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS, durante a vigência do contrato de trabalho, acrescido das remunerações aplicáveis às contas vinculadas.”
“Art. 2o Fica instituída contribuição social devida pelos empregadores, à alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas de que trata o art. 15 da Lei no 8.036, de 11 de maio de 1990.”
Sempre que o empregador promover uma injusta despedida do empregado fica sujeito ao pagamento da contribuição social de 10%, incidente sobre o montante atualizado de todos os depósitos devidos, referentes ao FGTS no período de vigência do vínculo empregatício. Trata-se de contribuição social que tem como fato gerador a despedida injusta do empregado pelo empregador. Essa contribuição, portanto, em tudo se identifica com o depósito de 40% que o empregador deverá fazer na conta vinculada do trabalhador no FGTS, na hipótese de despedida sem justa causa, nos termos do § 1o do art. 18 da Lei no 8.036/90, com a redação dada pelo art. 31 da Lei no 9.491/97. Em havendo identidade de fato gerador pelos seus aspectos objetivo e quantitativo segue-se ambas as exações, a de 10% e a de 40% têm a mesma natureza, isto é, natureza de multa por infração legal. Portanto, essa “contribuição social” poderia ser considerada como mero adicional da multa pela rescisão unilateral do contrato de trabalho, sem justa causa. Aliás, não pode haver contribuição social, espécie tributária, que tenha como fato gerador uma infração legal, pois atentatório à definição de tributo prevista no art. 3º do CTN, uma exação pecuniária compulsória que “não constitua sanção de ato ilícito.” É de se observar, entretanto, que essa multa de 10% não tem a mesma destinação daquela de 40% que é depositada diretamente na conta vinculada do empregado injustamente despedido.
Examinemos, agora, a exação prevista no art. 2º retrotranscrito. Esse dispositivo instituiu a contribuição social a ser paga pelos empregadores, à alíquota de cinco décimos por cento sobre a remuneração devida, no mês anterior, a cada trabalhador, incluídas as parcelas do art. 15 da Lei no 8.036, de 11-5-2001 (gorjetas, comissões, percentagens, gratificações ajustadas, abonos, diárias para viagens e salário in natura decorrente de contrato ou costume, tais como habitação, vestuário, alimentação etc.). Basta simples leitura ocular desse artigo para perceber que se trata de um adicional da contribuição social de 8% a cargo do empregador, que passará a contribuir com 8,5% incidente sobre o total da remuneração mensal devida a seu empregado, a partir do primeiro dia do mês seguinte ao nonagésimo dia a contar de 29-6-2001. Contudo, ambas as exações tributárias, nos precisos termos do § 1º, do art. 3º são “recolhidas na rede arrecadadora e transferidas à Caixa Econômica Federal, na forma do art. 11 da Lei nº 8.036, de 11 de maio de 1990, e as respectivas receitas serão incorporadas ao FGTS.” Nem poderia ser de outra forma, pois esses adicionais foram criados pela Lei Complementar nº 110/01 exatamente para possibilitar que a CEF reponha nas contas vinculadas dos empregados os valores correspondentes aos índices de atualização sonegados pelos diferentes Planos Econômicos. Por isso, dispõe o art. 4o, as receitas provenientes da multa do art. 1o e do adicional da contribuição social, referido no art. 2o, serão apropriadas pela Caixa Econômica Federal e destinadas ao complemento da atualização monetária nas contas vinculadas do FGTS, às expensas do próprio Fundo. Esse complemento é de 16,64% referente ao período de 1o-12-1988 a 28-2-1989 (Plano Verão) e de 44,8% referente ao mês de abril de 1990 (Plano Collor I). O fato de o produto da arrecadação da multa ter uma destinação específica, por si só, não desfigura a sua natureza jurídica de multa. O Código de Trânsito Brasileiro, por exemplo, em seu art. 320 destina a receita de multas ao desenvolvimento de ações voltadas para “sinalização, engenharia de tráfego, de campo, policiamento, fiscalização e educação de trânsito.”
Por ser tributo de natureza temporária com finalidade específica, o adicional da contribuição social referido no art. 2º vigorará por 60 meses (§ 2o do art. 2o). No que tange ao adicional da multa a que se refere o art. 1o, não há prazo prefixado de sua vigência. Contudo, está implícito que esse adicional vigorará pelo tempo necessário às atualizações monetárias dos valores das contas vinculadas dos empregados artificial e ilegalmente suprimidas no passado em função dos planos Verão e Collor I. Não há dúvida de que ambos os adicionais, denominados de contribuições sociais, têm caráter temporário, ou seja, até que se complete a reposição dos índices de inflação, antes suprimidos, nas contas vinculadas no FGTS, em cumprimento da decisão proferida pelo STF no RE nº 226.855. Finalmente, as ações propostas contra essas contribuições sociais não prosperaram, mesmo porque destinadas exatamente a suportar o ônus do encargo financeiro decorrente de condenação judicial. O Estado, para cumprir a decisão judicial condenatória em pecúnia precisava de prover os recursos financeiros provenientes de tributos. Assim é que na ADI nº 2556 foi considerado constitucional o art. 1º, da LC nº 110/01, enquanto que em relação ao seu art. 2º restou prejudicado pelo esgotamento do seu prazo de vigência. Entretanto, ficou ressalvado no voto do Relator, Min. Joaquim Barbosa “o exame oportuno da inconstitucionalidade superveniente da contribuição pelo suposto atendimento da finalidade à qual o tributo fora criado.” Outrossim, na ADI nº 5050 de que foi Relator o Ministro Roberto Barroso ficou aberta a possibilidade de aquele adicional de 10% vir a ser discutido na eventualidade de novas impugnações, pois “entendo plausível a alegação de que alterações do contexto fático podem justificar um novo exame acerca da validade do art. 1º da Lei Complementar nº 110, de 29 de junho de 2001” (ADI 5050 MC, Relator Min. Roberto Barroso, DJe de 18-10-2013).
Alteração do contexto fático a que se refere o Ministro Relator é a situação fática atual em que a CEF já ultimou todos os pagamentos das condenações judiciais que ensejaram a edição da LC nº 110/2001.
No nosso entender, a partir do instante que o adicional de 10% cumpriu a finalidade para a qual foi criado cessou a sua vigência. Tanto é assim que o Congresso Nacional aprovou a lei extinguindo aquele adicional. O veto aposto pelo Executivo ao projeto legislativo aprovado, a pretexto de que a União precisa de receitas para cumprir o programa de governo, caracterizou, sem sombra de dúvida, a manutenção daquela multa a título de imposto inominado, portanto, inconstitucional por não atender aos requisitos do inciso I, do art. 154 da CF.
Enfim, o Estado perdulário, com o respaldo do Judiciário que vem procrastinando decisões óbvias, continua retirando ilegal e inconstitucionalmente parcela das riquezas produzidas pelo particular sem que esse fato reflita na contraprestação de serviços públicos essenciais de qualidade.
SP, 30-12-16.
* Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica.
[1] Contribuição social doutrina e prática. São Paulo: Atlas, 2015, p. 138-143.
[2] RE nº 226.855, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 13-10-2000.