Nova lei das filantrópicas

Nova lei das filantrópicas*

Sumário: 1ntrodução. 2 Exame dos requisitos para o gozo da imunidade. 3 Certificação das entidades beneficentes de assistência social. 4 Ressalvas do art. 40. 5 Conclusão.

1 Introdução

A imunidade das filantrópicas referidas no § 7º, do art. 195 da CF estava regulada no art. 55 da Lei nº 8.212/1991 que se limitava a reproduzir os requisitos estabelecidos no art. 14 do CTN para a fruição da imunidade. Até aqui tudo bem, pois nada há de irregular em reproduzir normas da lei competente para reger a matéria.

Acontece que aquele art. 55 foi sendo alterado por leis posteriores acrescentando outros requisitos, além daqueles validamente estabelecidos pelo art. 14 do CTN.

Foram, então, ajuizadas as ADIs nºs 2028, 2036, 2.228 e 2.621 processadas em conjunto com o RE nº 566.622 com repercussão geral reconhecida. No curso do julgamento o art. 55 da Lei nº 8.212/1991 foi revogado pela Lei nº 12.101/2009 que estabeleceu novos requisitos para a expedição do CEBAS, em uma tentativa de prejudicar o objeto das ADIs.

O STF convolou as ADIs em ADPFs e julgou procedentes essas ações declarando, na sessão do dia 2-3-2017, por unanimidade de votos, a inconstitucionalidade do art. 1o da Lei nº 9.732/1998, na parte em que alterou a redação do art. 55, inciso III, da Lei n. 8.212/1991 e acrescentou-lhe os §§ 3o, 4o e 5o, bem como dos arts. 4o, 5o e 7o da Lei n. 9.732/1998.

Com isso, os requisitos para o gozo da imunidade passaram a ser apenas aqueles estabelecidos no art. 14 do CTN, quais sejam:

“Art. 14. O disposto na alínea c do inciso IV do artigo 9o é subordinado à observância dos seguintes requisitos pelas entidades nele referidas:

I – não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título;

(Inciso I com a redação dada pela LC no 104, de 10-1-2001).

II – aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais;

III – manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.”

Cumpre assinalar que a vedação do inciso I não implica proibição de remuneração de diretores não estatutários.

Contudo, sobreveio a Lei Complementar nº 187, de 16-12-2021, dispondo sobre a certificação das entidades beneficentes de saúde, de educação e de assistência social instituindo os requisitos para a fruição da imunidade e regulando os respectivos procedimentos para o reconhecimento da imunidade nessas três áreas.

2 Exame dos requisitos para o gozo da imunidade

O art. 2º da Lei define a entidade beneficente nos seguintes termos:

“Art. 2º Entidade beneficente, para os fins de cumprimento desta Lei Complementar, é a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que presta serviço nas áreas de assistência social, de saúde e de educação, assim certificada na forma desta Lei Complementar”

Os requisitos para a fruição da imunidade estão previstos no art. 3º:

“Art. 3º Farão jus à imunidade de que trata o § 7º do art. 195 da Constituição Federal as entidades beneficentes que atuem nas áreas da saúde, da educação e da assistência social, certificadas nos termos desta Lei Complementar, e que atendam, cumulativamente, aos seguintes requisitos:

I – não percebam seus dirigentes estatutários, conselheiros, associados, instituidores ou benfeitores remuneração, vantagens ou benefícios, direta ou indiretamente, por qualquer forma ou título, em razão das competências, das funções ou das atividades que lhes sejam atribuídas pelos respectivos atos constitutivos;

II – apliquem suas rendas, seus recursos e eventual superávit integralmente no território nacional, na manutenção e no desenvolvimento de seus objetivos institucionais;

III – apresentem certidão negativa ou certidão positiva com efeito de negativa de débitos relativos aos tributos administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, bem como comprovação de regularidade do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS);

IV – mantenham escrituração contábil regular que registre as receitas e as despesas, bem como o registro em gratuidade, de forma segregada, em consonância com as normas do Conselho Federal de Contabilidade e com a legislação fiscal em vigor;

V – não distribuam a seus conselheiros, associados, instituidores ou benfeitores seus resultados, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, sob qualquer forma ou pretexto, e, na hipótese de prestação de serviços a terceiros, públicos ou privados, com ou sem cessão de mão de obra, não transfiram a esses terceiros os benefícios relativos à imunidade prevista no § 7º do art. 195 da Constituição Federal;

VI – conservem, pelo prazo de 10 (dez) anos, contado da data de emissão, os documentos que comprovem a origem e o registro de seus recursos e os relativos a atos ou a operações realizadas que impliquem modificação da situação patrimonial;

VII – apresentem as demonstrações contábeis e financeiras devidamente auditadas por auditor independente legalmente habilitado nos Conselhos Regionais de Contabilidade, quando a receita bruta anual auferida for superior ao limite fixado pelo inciso II do caput do art. 3º da Lei Complementar nº 123, de 14 de dezembro de 2006; e

VIII – prevejam, em seus atos constitutivos, em caso de dissolução ou extinção, a destinação do eventual patrimônio remanescentea entidades beneficentes certificadas ou entidades públicas.

§ 1º A exigência a que se refere o inciso I do caput deste artigo não impede:

I – a remuneração aos dirigentes não estatutários; e

II – a remuneração aos dirigentes estatutários, desde que recebam remuneração inferior, em seu valor bruto, a 70% (setenta por cento) do limite estabelecido para a remuneração de servidores do Poder Executivo federal, obedecidas as seguintes    condições:

a) nenhum dirigente remunerado poderá ser cônjuge ou parente até o terceiro grau,           inclusive afim, de instituidores, de associados, de dirigentes, de conselheiros, de              benfeitores ou equivalentes da entidade de que trata o caput deste artigo; e

b) o total pago a título de remuneração para dirigentes pelo exercício das atribuições estatutárias deverá ser inferior a 5 (cinco) vezes o valor correspondente ao limite individual estabelecido para a remuneração dos servidores do Poder Executivo federal.

§ 2º O valor das remunerações de que trata o § 1º deste artigo deverá respeitar como limite máximo os valores praticados pelo mercado na região correspondente à sua área de atuação e deverá ser fixado pelo órgão de deliberação superior da entidade, registrado em ata, com comunicação Ministério Público, no caso das fundações.

§ 3º Os dirigentes, estatutários ou não, não respondem, direta ou subsidiariamente, pelas obrigações fiscais da entidade, salvo se comprovada a ocorrência de            dolo, fraude ou simulação”.

Os requisitos dos incisos I a V são aqueles contidos no art. 14 do CTN, com exceção a do inciso III que veio acrescentar a exigência de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa.

O inciso VI ao fixar o prazo de 10 anos para a guarda e conservação de documentos revela o equívoco do legislador ao prender-se ao antigo prazo decadencial de 10 anos para as contribuições sociais, esquecido de que de há muito o STF uniformizou o prazo decadencial para 5 anos estabelecido pelo CTN, abrangendo créditos tributários e não tributários.

O inciso VII exige demonstrações contábeis e financeiras auditadas por auditor independente legalmente habilitado no CRC sempre que a receita bruta anual da entidade beneficiada for superior ao limite fixado pelo inciso II, do caput do art. 3º da Lei Complementar nº 123/2006 (Lei das micro e pequenas empresas).

E aqui, o legislador, como de hábito, plantou a semente da confusão ao trazer para o âmbito das entidades sem finalidade lucrativa conceitos próprios de empresas previstos na dinâmica legislação do SIMPLES NACIONAL.

O citado inciso II fixa como condição para gozar do regime tributário simplificado a aferição, no caso de empresa de pequeno porte, de receita bruta anual superior a R$360.000,00 e igual ou inferior a R$4.800.000,00.

Pergunta-se, como fica a entidade que tiver a receita bruta anual superior a R$4.800.000,00? Pela lógica ela deverá submeter-se à auditoria independente como condição para fruição da imunidade.

Porém, em razão da dúbia redação proposital poderá o fisco argumentar que as entidades filantrópicas que auferirem receita brutal anual superior a R$4.800.000,00 estão fora da do benefício da imunidade. A dubiedade e a ambiguidade incorporaram-se na rotina do legislador brasileiro, absolutamente incapaz de elaborar normas claras, simples e objetivas.

Inciso VIII – A previsão de destinação de patrimônio remanescente no caso de extinção da entidade já é uma cláusula usual nos estatutos das entidades beneficentes. No caso, exige-seque a destinação seja para outra entidade beneficente, devidamente certificada ou para as entidades públicas.

O §§ 1º e 2º estabelecem aleatoriamente o limite de remuneração de dirigentes contratados da entidade beneficente prescrevendo regras burocráticas procurando colocar esses dirigentes em uma camisa de força.

Ora, lei alguma tem o condão de tornar probas as pessoas ímprobas. Com lei ou sem lei as pessoas desonestas continuarão obtendo ganhos ilícitos incrustados em entidades filantrópicas, donde o vocábulo “pilantrópicas” cunhado pela sabedoria popular.

3 Certificação das entidades beneficentes de assistência social

Por ser mais abrangente examinemos, em rápidas pinceladas, os procedimentos para a obtenção do CEBAS pelas entidades beneficentes de assistência social. O CEBAS é um documento que reconhece formalmente a imunidade tributária da entidade certificada.

Portanto, os dados exigidos para essa certificação correspondem, na realidade, aos requisitos materiais para o reconhecimento da imunidade previstos no art. 3º da Lei sob análise

Os procedimentos para certificação das entidades beneficentes, que o Capítulo II denomina indevidamente de “Requisitos para a Certificação da Entidade Beneficente”, no que se refere à de assistência social, estão previstos nos arts. 29 a 31 da Lei:

“Art. 29. A certificação ou sua renovação será concedida às entidades beneficentes com atuação na área de assistência social abrangidas pela Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, que executem:

I – serviços, programas ou projetos socioassistenciais de atendimento ou de assessoramento ou que atuem na defesa e na garantia dos direitos dos beneficiários da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993;

II – serviços, programas ou projetos socioassistenciais com o objetivo de habilitação e de reabilitação da pessoa com deficiência e de promoção da sua inclusão à vida comunitária, no enfrentamento dos limites existentes para as pessoas com deficiência, de forma articulada ou não com ações educacionais ou de saúde;

III – programas de aprendizagem de adolescentes, de jovens ou de pessoas com deficiência, prestados com a finalidade de promover a sua integração ao mundo do trabalho nos termos da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993, e do inciso II do caput do art. 430 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, ou da legislação que lhe for superveniente, observadas as ações protetivas previstas na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 (Estatuto da Criança e do Adolescente);

IV – serviço de acolhimento institucional provisório de pessoas e de seus acompanhantes que estejam em trânsito e sem condições de autossustento durante o tratamento de doenças graves fora da localidade de residência.

Parágrafo único. Desde que observado o disposto no caput deste artigo e no art. 35 da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do Idoso), as entidades beneficentes poderão ser certificadas, com a condição de que eventual cobrança de participação do idoso no custeio da entidade ocorra nos termos e nos limites do § 2º do art. 35 da referida Lei.

Art. 30. As entidades beneficentes de assistência social poderão desenvolver atividades que gerem recursos, inclusive por meio de filiais, com ou sem cessão de mão de obra, de modo a contribuir com as finalidades previstas no art. 2º desta Lei Complementar, registradas segregadamente em sua Contabilidade e destacadas em suas Notas Explicativas.

Art. 31. Constituem requisitos para a certificação de entidade de assistência social:

I – ser constituída como pessoa jurídica de natureza privada e ter objetivos e públicos-alvo compatíveis com a Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993;

II – comprovar inscrição no conselho municipal ou distrital de assistência social, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993;

III – prestar e manter atualizado o cadastro de entidades e organizações de assistência social de que trata o inciso XI do caput do art. 19 da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993;

IV – manter escrituração contábil regular que registre os custos e as despesas em atendimento às Normas Brasileiras de Contabilidade;

V – comprovar, cumulativamente, que, no ano anterior ao requerimento:

a) destinou a maior parte de seus custos e despesas a serviços, a programas ou a projetos no âmbito da assistência social e a atividades certificáveis nas áreas de educação, de saúde ou em ambas, caso a entidade também atue nessas áreas;

b) remunerou seus dirigentes de modo compatível com o seu resultado financeiro do exercício, na forma a ser definida em regulamento, observados os limites referidos nos §§ 1º e 2º do art. 3º desta Lei Complementar.

§ 1º Para fins de certificação, a entidade de assistência social de atendimento que atuar em mais de um Município ou Estado, inclusive o Distrito Federal, deverá apresentar o comprovante de inscrição, ou de solicitação desta, de suas atividades nos conselhos de assistência social de, no mínimo, 90% (noventa por cento) dos Municípios de atuação, com comprovação de que a preponderância dos custos e das despesas esteja nesses Municípios, conforme definido em regulamento.

§ 2º Para fins de certificação, a entidade de assistência social de assessoramento ou defesa e garantia de direitos que atuar em mais de um Município ou Estado, inclusive o Distrito Federal, deverá apresentar o comprovante de inscrição da entidade, ou de solicitação desta, no conselho municipal de assistência social de sua sede, ou do Distrito Federal, caso nele situada a sua sede, nos termos do art. 9º da Lei nº 8.742, de 7 de dezembro de 1993.

§ 3º Os requisitos constantes dos incisos II e III do caput deste artigo deverão ser cumpridos:

I – no ano do protocolo ou no anterior, quando se tratar de concessão da certificação; ou

II – no ano anterior ao do protocolo, quando se tratar de renovação.

§ 4º As entidades que atuem exclusivamente na área certificável de assistência social, ainda que desempenhem eventual atividade de que trata o art. 30 desta Lei Complementar, caso obtenham faturamento anual que ultrapasse o valor fixado em regulamento, deverão apresentar as demonstrações contábeis auditadas, nos termos definidos em regulamento.

§ 5º As entidades de atendimento ao idoso de longa permanência, ou casas-lares, poderão gozar da imunidade de que trata esta Lei Complementar, desde que seja firmado contrato de prestação de serviços com a pessoa idosa abrigada e de que eventual cobrança de participação do idoso no custeio da entidade seja realizada no limite de 70% (setenta por cento) de qualquer benefício previdenciário ou de assistência social percebido pelo idoso.

§ 6º (VETADO)”

Os procedimentos para certificação, ou seja, para o reconhecimento da imunidade não estão sob reserva de lei complementar, mas, apenas a definição dos requisitos materiais da imunidade, conforme se depreende do art. 146, II da CF.

Porém, o astuto legislador instituiu esses procedimentos, que ele denomina de “requisitos”, por meio de lei complementar para poder sub-repticiamente ultrapassar e conflitar com os requisitos materiais da imunidade previstos em seu art. 3º, antes examinado.

São tantas as normas complexas com remissões a diversos dispositivos de diferentes leis, inclusive, a normas regulamentares a serem ainda baixadas, todas elas redigidas com inusitado sadismo burocrático que o legislador conseguiu criar um verdadeiro inferno normativo, sequer imaginado por Dante Alighieri. Por que não enumerar os procedimentos de forma clara e objetiva, sem remissões a normas de outras leis ou de regulamentos? Bastará uma sutil alteração em uma dessas normas referidas e todo o trabalho interpretativo restará comprometido. O intérprete deverá ficar em permanente vigilância às normas referidas, e não apenas às normas da Lei Complementar nº 187/2021, estatuto material e processual da imunidade das entidades beneficentes.

O art. 29 circunscreve a certificação ou a renovação às entidades beneficentes que atuem na área abrangida pela Lei nº 8.742, de 7-9-1993, que dispõe sobre a organização da Assistência Social.

E o conteúdo da assistência social está definido em seu art. 1º:

“Art. 1º A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas”.

O Texto Magno, por sua vez, define o conteúdo da Assistência Social em seu art. 203:

“Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:

I – a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;

II – o amparo às crianças e adolescentes carentes;

III – a promoção da integração ao mercado de trabalho;

IV – a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;

V – a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.

VI – a redução da vulnerabilidade socioeconômica de famílias em situação de pobreza ou de extrema pobreza. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 114, de 2021)”.

Trata-se de um conceito em sentido estrito. O seu campo, na realidade, é bem mais amplo.

O STF proclamou que toda entidade destinada ao atendimento das necessidades básicas das pessoas carentes encaixa-se no conceito de assistência social (ADI nº 2.228 MC/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ  16-6-2000).

Por isso, as enumerações casuísticas das hipóteses de abrangência no conceito de assistência social previstas nos incisos I a IV, do art. 29 colidem com o próprio conceito amplo que se depreende do art. 1º da Lei invocada (Lei nº 8.742/1993).

O parágrafo único que aparentemente não tem conexão direta com o caput desse artigo 29 faculta a certificação de entidade de longa permanência, ou casa-lar que tenha firmado contrato de prestação de serviços com pessoa idosa obrigada (art. 35 da Lei nº 10.741/2003 – Estatuto do Idoso). Nesse caso, caberá ao Conselho Municipal de Assistência Social fixar a participação do idoso de forma que o valor não exceda a 70% de qualquer benefício previdenciário, ou de assistência social percebido pelo idoso (§§ 1º e 2º, do art. 35 do Estatuto do Idoso).

Ora, o art. 146, II da CF comete à lei complementar a tarefa de “regular as limitações constitucionais ao poder de tributar” (imunidade). O ato de regular não comporta ampliação, nem restrição como a feita pelo art. 29 sob exame, que padecer do vício de inconstitucionalidade.

Os objetivos da assistência social enumerados no art. 203 da Constituição são aqueles a serem alcançados pelo Estado com os recursos do orçamento da seguridade social, como expressamente prescrito no seu art. 204.

Às entidades beneficentes de assistência social cabe apenas secundar ação governamental nessa área, sem a pretensão de substituir a ação do governo.

Para o desenvolvimento dessa ação subsidiária, o art. 30 faculta às entidades beneficentes o desenvolvimento de atividades que gerem recursos, inclusive, por meio de filiais, de modo a contribuir para a consecução das finalidades das entidades beneficentes definidas no art. 2º da Lei sob comento, antes transcrito.

O art. 31, por sua vez, estabelece outros requisitos para a certificação em seus incisos I a V, valendo a pena lembrar o sadismo burocrático com que foram redigidos os requisitos do inciso V e §§ 1º a 7º, aonde até observância de futuras normas regulamentares está prevista.

Trata-se de um amontoado de artigos, parágrafos, incisos e alíneas desarticulados que não guardam coerência e harmonia para o correto entendimento da matéria.

Em algumas hipóteses a certificação ficou à discrição da autoridade administrativa competente (parágrafo único, do art. 29 e § 5º, do art. 31), o que é de suma gravidade considerando que a imunidade é uma categoria constitucional inserida no âmbito de direitos fundamentais.

Enfim, o legislador esforçou-se para criar um inferno normativo sequer imaginado por Dante Alighieri, como antes mencionado.

4 Ressalva do art. 40

O art. 40 do Ato das Disposições Gerais Transitórias consignou que esta Lei aplica-se aos requerimentos de certificação ou de renovação que forem apresentados a partir da data de sua publicação. Os certificados vigentes, cujo requerimento de renovação não tenha sido apresentado até a data da publicação da citada Lei Complementar sob análise, ficam prorrogados até o dia 31 de dezembro do ano subsequente ao do fim de seu prazo de validade (§ 1º, do art. 40).

Para esses beneficiários resta a esperança de que até lá alguma diretriz seja traçada pela jurisprudência de nossos tribunais na interpretação dessas normas epidêmicas trazidas pela Lei Complementar nº 187/2021.

Porém, até a matéria ser definitivamente pacificada perante o STF levará no mínimo duas décadas, considerando que a Corte Suprema levou longos 15 anos para declarar a inconstitucionalidade do art. 1º da Lei nº 9.732/1998 na parte que alterou o art. 55 da Lei nº 8.212/1991 acrescentando requisitos não previstos na lei de regência da matéria (art. 14 da Lei nº 5.172/1966 – CTN). Até lá os beneficiários da imunidade prevista no § 7º, do art. 195 da CF estarão pisando em ovos.

Por fim, o art. 41 contém a declaração do óbvio, qual seja, a extinção de créditos tributários lançados com base na legislação ordinária declarada inconstitucional pelo STF com efeito erga omnes.

5 Conclusão

Essa confusa e caótica Lei Complementar nº 187/2021 aumenta consideravelmente a complexidade da legislação anterior.

Decuplicou-se as antigas exigências contidas no art. 55 da Lei nº 8.212/1991, sucessivamente alterado por leis posteriores até que foi pronunciada a sua inconstitucionalidade pelo STF, após 15 anos de discussões.

Dificultou sobremaneira a obtenção do CEBAS, documento indispensável à fruição da imunidade prevista no § 7º, do art. 195 da CF. Exigências casuísticas por meio de normas prolixas e nebulosas podem conduzir, na prática, à impossibilidade de fruição da imunidade constitucional das entidades beneficentes de assistência social.

SP, 10-1-2022.

* Publicado no Portal Migalhas, edição nº 5.267 de 12-1-2022.

Por Kiyoshi Harada

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