Kiyoshi Harada
Jurista e Professor
Desde antes da posse do Presidente Jair Bolsonaro ouço falar em nova política que iria romper de vez com a velha política do dá cá e toma lá. Nunca acreditei nisso, mesmo porque a palavra novo, new, nouveau não tem o condão de mudar a substância das coisas. Os exemplos estão aí a demonstrar isso: bossa nova, novacap, cinema novo, cruzeiro novo, cruzado novo.
Não há velha política ou nova política. O que há é a política, a política do real. A política é arte de governar gerindo os destinos da nação objetivando a consecução do bem comum pelo exercício regular do poder político conferido pelo povo.
O dá cá e toma lá, hoje, assumiu um sentido pejorativo, soando como algo espúrio fazendo ligação com a ideia de corrupção, transformando o Congresso Nacional em um balcão de negócios. É essa a ideia equivocada que representa a expressão velha política. Por isso, quando o Presidente Jair Bolsonaro declara publicamente que não irá repetir a velha política, porque quando ele deixar o poder deseja ir diretamente para sua casa, e não para a cadeia, referindo-se à prisão do ex Presidente Michel Temer, por sinal, descabida pela maneira precitada, prematura e atécnica com que foi ela decretada, acabou ofendendo os brios dos Deputados que se viram comparados a infratores da lei. E com a agravante de que muitos deles estavam exercendo o mandado pela vez primeira. Com declarações desse jaez não se pode despertar boa vontade dos parlamentares legitimados pelo voto popular. A saraivada de críticas que o Ministro Paulo Guedes sofreu na CCJ da Câmara Federal, quando foi explicar a PEC da Previdência, tem muito a ver com o clima de descontentamento dos parlamentares que poderia ter sido evitado.
Em um País como o nosso, em que existem mais de 30 partidos políticos com vinte e seis deles com assento no Congresso Nacional, nenhum Presidente, por mais competente que seja, não poderia governar sem que consiga, de uma forma ou outra, formar a maioria no Parlamento Nacional. Tivéssemos apenas dois partidos que se revezam no poder o Presidente eleito por um desses partidos, quem quer que seja, sempre teria a maioria no Parlamento. No Brasil sem base política de apoio o Presidente não conseguira mudar nem o nome de uma Praça. No tempo da ARENA e do MDB não havia esse problema. Com a proliferação de partidos, muito deles chamados partidos nanicos em que o parlamentar eleito torna-se o líder de si próprio, surgiu o chamado Presidencialismo de coalização como alternativa de tornar viável o exercício do poder político. Isso não é culpa do Presidente da República, nem dos Deputados. O seu responsável é o sistema presidencialista de governo com pluripartidarismo que não para de crescer em termos de novas siglas partidárias.
Por insistir em não compactuar com o que chamava de velha política o Presidente Jair Bolsonaro colecionou uma quantidade muito grande de adversários até mesmo de inimigos políticos, não só atrasando o cronograma de votação da reforma da Previdência, como também despertando reação legislativa na Câmara dos Deputados. Foi aprovada com incrível rapidez a PEC do orçamento impositivo que obriga o governo a esgotar as verbas consignadas nas dotações orçamentárias. O Presidente Rodrigo Maia nega que tenha sido uma retaliação política por falta de articulação do Planalto com a Casa Legislativa, mas, é difícil encontrar outra explicação. De fato, se realente o Parlamento deseja que o orçamento anual seja executado tal qual foi aprovado pelo Congresso Nacional deveria começar pela revogação da Emenda Constitucional nº 99/16 que prorrogou a DRU até o dia 31-12-2023, desvinculando 30% do produto de arrecadação de todos os tributos federais. Em outras palavras, o orçamento anual, quando aprovado, já nasce desmontado em 30% de suas verbas que podem ser gastos à discrição de Executivo, manietando os órgãos de fiscalização e controle da execução orçamentária. Os órgãos de controle interno e externo quase nada têm a fazer ante os gastos sem elementos de despesas. Da mesma forma o controle social, também, resta inviabilizado. DRU, em linguagem popular, significa que 30% do dinheiro proveniente da arrecadação tributária é metido dentro de um saco, sem lista de despesas a serem feitas. Se você esvaziar o saco todos os dias e contar o dinheiro que restou é possível saber o quanto foi gasto no dia anterior, mas, jamais saberá no que foi gasto. Isso explica a obstinada ação prorrogativa da DRU de quatro em quatro anos, desde 1994, quando teve início no governo FHC com o nome de Fundo Social de Emergência – FSE -, por razões históricas de todos conhecidas. A situação emergencial passou, com a sucessão do Presidente que sofreu o impeachment, seguido de votação e aprovação, daí em diante, do orçamento anual, mas, aquele fundo que permite gastar uma boa parte do orçamento à discrição do Executivo, vem sendo prorrogado até hoje com o nome de DRU, sucedendo o seu antecessor – Fundo de Estabilização Fiscal – FEF – que, por sua vez, havia sucedido ao FSE. Outrossim, houve ameaça de votar o projeto de lei que obriga a União a ressarcir os Estados pela exoneração tributária feita pela Lei Kandir, apesar de já prescrito o eventual direito das fazendas estaduais.
Passados quase quatro meses de governo, praticamente paralisado em termos de reformas estruturais, o Presidente Jair Bolsonaro está se esforçando para formar a sua base de sustentação política, abrindo as portas das estatais e das administrações públicas indiretas da União nos Estados e Municípios para preencher os cargos de segundo e terceiro escalões nas respectivas unidades federativas para despertar a boa vontade dos políticos. Não vemos qualquer mal nisso com tanto que os cargos e funções sejam preenchidos pelos indicados que sejam conhecedores da matéria, e não curiosos que, exatamente porque não sabem exercer as atribuições dos cargos e funções, acabam fazendo outras coisas contra o interesse público. A final, o objetivo de todo partido político é a tomada de poder.
O Presidente abriu um canal de comunicação com os líderes políticos, Presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, bem como as lideranças partidárias. Antes tarde do que nunca! O passado mostra que o isolamento político do Chefe do Executivo que se elegeu por um partido inexpressivo acabou em impeachment. Estou me referindo ao Presidente Collor, e não à Presidente Dilma que conduziu o País à situação de ingovernabilidade, apesar de ter loteado os cargos e funções por critérios nada técnicos, por absoluta falta de tino administrativo.
Como disse o esclarecido Vice-Presidente Mourão, o entendimento com os líderes políticos deveria ter iniciado durante a época de transição do novo governo. Se isso tivesse sido feito, por intermédio de um hábil interlocutor político junto ao Senado Federal e a Câmara dos Deputados, não teriam sido aprovados tantos projetos legislativos nos estertores da sessão legislativa que causam impactos financeiros de monta aos cofres da União (aumento do teto remuneratório, Rota 30, expansão de limite de despesas de pessoal dos Municípios etc.). Quem deveria assumir o encargo da articulação política, desde que confirmado no cargo do futuro Ministério, ficou o tempo todo navegando nas nuvens, talvez, inebriado com o horizonte do poder que iria abocanhar. Assim, nada poderia ter dado certo!
Uma proposta de Reforma Previdenciária tão ampla e tão complexa, contendo cerca de 400 normas que extrapolam do âmbito dos limites de Previdência Social para adentrar nas áreas do direito financeiro, do direito tributário, do direito administrativo, da assistência social, além de interferir no poder jurisdicional do Estado, protegido em nível da cláusula pétrea, não teria a menor chance de ser aprovada com o Congresso Nacional hostil. É preciso costurar com urgência e habilidade um acordo com os membros da Casa Legislativa de uma forma ou outra com nova política, velha política ou nova velha política, o nome pouco importa. O importante é restabelecer o desejo de atuação conjunta para o bem do Brasil. E fazer o bem para o País não é aprovar a reforma a toque de caixa, sem maiores discussões com os representantes do povo. Algumas das distorções contidas na gigantesca proposta de reforma hão de ser extirpadas, e em seu lugar implementar mecanismos alternativos de restabelecimento do equilíbrio orçamentário da Previdência Social, a começar com o efetivo controle e fiscalização das despesas daquela autarquia federal que deve separar as suas contas das contas da Saúde e da Assistência Social que compõem igualmente o orçamento da seguridade social. Aliás, o certo seria dotar a Previdência Social com orçamento autônomo e independente, porque ela é a única que tem caráter contributivo, ao contrário da Saúde e da Assistência Social que gastam dinheiro arrecadado da sociedade em geral. Seus beneficiários nada pagam especificamente, como acontece com os segurados da Previdência.
SP, 8-4-19.