O complexo e dispendioso Comitê Gestor do IBS*

Dispõe o art. 156-B da CF:

Art. 156-B. Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios exercerão de forma integrada, exclusivamente por meio do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, nos termos e limites estabelecidos nesta Constituição e em lei complementar, as seguintes competências administrativas relativas ao imposto de que trata o art. 156-A:

I – editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto;

II – arrecadar o imposto, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre Estados, Distrito Federal e Municípios;

III – decidir o contencioso administrativo.

§ 1º O Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, entidade pública sob regime especial, terá independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira.

§ 2º Na forma da lei complementar:

I – os Estados, o Distrito Federal e os Municípios serão representados, de forma paritária, na instância máxima de deliberação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços;

II – será assegurada a alternância na presidência do Comitê Gestor entre o conjunto dos Estados e o Distrito Federal e o conjunto dos Municípios e o Distrito Federal;

III – o Comitê Gestor será financiado por percentual do produto da arrecadação do imposto destinado a cada ente federativo;

IV – o controle externo do Comitê Gestor será exercido pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios;

V – a fiscalização, o lançamento, a cobrança, a representação administrativa e a representação judicial relativos ao imposto serão realizados, no âmbito de suas respectivas competências, pelas administrações tributárias e procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, que poderão definir hipóteses de delegação ou de compartilhamento de competências, cabendo ao Comitê Gestor a coordenação dessas atividades administrativas com vistas à integração entre os entes federativos;

VI – as competências exclusivas das carreiras da administração tributária e das procuradorias dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios serão exercidas, no Comitê Gestor e na representação deste, por servidores das referidas carreiras;

VII – serão estabelecidas a estrutura e a gestão do Comitê Gestor, cabendo ao regimento interno dispor sobre sua organização e funcionamento.

§ 3º A participação dos entes federativos na instância máxima de deliberação do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços observará a seguinte composição:

I – 27 (vinte e sete) membros, representando cada Estado e o Distrito Federal;

II – 27 (vinte e sete) membros, representando o conjunto dos Municípios e do Distrito Federal, que serão eleitos nos seguintes termos:

a) 14 (quatorze) representantes, com base nos votos de cada Município, com valor igual para todos; e

b) 13 (treze) representantes, com base nos votos de cada Município ponderados pelas respectivas populações.

§ 4º As deliberações no âmbito do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviçosserão consideradas aprovadas se obtiverem, cumulativamente, os votos:

I – em relação ao conjunto dos Estados e do Distrito Federal:

a) da maioria absoluta de seus representantes; e

b) de representantes dos Estados e do Distrito Federal que correspondam a mais de 50% (cinquenta por cento) da população do País; e

II – em relação ao conjunto dos Municípios e do Distrito Federal, da maioria absoluta de seus representantes.

§ 5º O Presidente do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços deverá ter notórios conhecimentos de administração tributária.

§ 6º O Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, a administração tributária da União e a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional compartilharão informações fiscais relacionadas aos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V, e atuarão com vistas a harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos a eles relativos.

§ 7º O Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços e a administração tributária da União poderão implementar soluções integradas para a administração e cobrança dos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V.

§ 8º Lei complementar poderá prever a integração do contencioso administrativo relativo aos tributos previstos nos arts. 156-A e 195, V.”

Caput – IBS dual

Os estados, Distrito Federal e municípios deverão exercer de forma integrada, exclusivamente por intermédio do Comitê Gestor do Imposto sobre Bens e Serviços, nos termos e limites estabelecidos na Constituição e em lei complementar, as competências adiante enumeradas:

I – editar regulamento único e uniformizar a interpretação e a aplicação da legislação do imposto. Conferir competência normativa a um Comitê Gestor, como tem demonstrada a prática em relação à legislação do SIMPLES NACIONAL, somente tende a tornar cada vez mais complexa a legislação tributária. Este inciso comete ao Comitê Gestor não apenas a competência para editar o regulamento único, como também proceder a interpretação e aplicação das normas que elaborou. O Comitê Gestor do IBS acumula a função legislativa e a função executiva, o que atrita com o princípio da separação dos poderes.

II – confere ao Comitê Gestor a função de arrecadar o IBS, efetuar as compensações e distribuir o produto da arrecadação entre estados, Distrito Federal e municípios.

III – o Comitê Gestor terá a competência para decidir o contencioso administrativo tornando-se um Super Poder que acumula a função legislativa, a função executiva e a função judicante. Só faltou atribuir-lhe o Poder Moderador em matéria Tributária.

§ 1º

O Comitê Gestor é uma entidade pública sob regime especial, dotado de independência técnica, administrativa, orçamentária e financeira. É, na verdade, uma autarquia especial a exemplo das Agências Reguladoras. Por atuar em âmbito nacional exigirá uma infraestrutura material e pessoal de monta, concorrendo para a elevação de despesas que não param de crescer dia a dia, comprometendo o equilíbrio das contas públicas. Tivesse acatado a nossa sugestão de instituir um IBS estadual e outro municipal tudo seria mais simples e econômico e, acima de tudo, teria preservado a autonomia dos estados e municípios. Assim ficaríamos com o IBS nas três esferas impositivas. Como antes assinalado, a CBS federal outra coisa não é senão um imposto mascarado de contribuição. Mas, os inteligentes autores da proposta de reforma ignoraram a lógica elementar, segundo a qual a entidade política contemplada pelo Texto Magno tem a competência para instituir o imposto, fiscalizar, arrecadar e aplicar o produto de sua arrecadação para a consecução dos fins do Estado.

§2º

Conforme o que for estabelecido em lei complementar:

I – os estados, o Distrito Federal e os municípios serão representados de forma paritária, na instância máxima de deliberação do Comitê Gestor do IBS. Na verdade, nada há de paritário, bastando atentar para a disposição do § 3º que prevê a participação de cada um dos 27 estados, incluído o Distrito Federal e igual número de participação para 5.570 municípios.

II – será assegurada a alternância na presidência do Comitê Gestor entre o conjunto dos estados e do Distrito Federal e o conjunto dos municípios e o Distrito Federal. O Distrito Federal participa tanto do conjunto dos estados, como do dos municípios, porque ele não está subdividido em municípios, acumulando a competência estadual e a competência municipal como acontece atualmente no sistema tributário implantado pela Constituição de 1988. Inovou-se a legislação e a doutrina ao deixar de conferir a presidência de uma entidade pública a uma pessoa física. Na prática os estados e os municípios deverão indicar o respectivo presidente.

III – o Comitê Gestor será financiado por um percentual da arrecadação do IBS destinado ao ente da Federação (estado/DF/município). Não diz qual opercentual, cabendo à lei complementar fixá-lo. Como o Comitê Gestor tem a função normativa poderá haver delegação legislativa para fixar esse percentual para financiar as despesas desse Super Órgão. A totalidade da receita do IBS de 2026 será destinada ao custeio das despesas do Comitê Gestor e para composição do Fundo de Compensação de Benefícios Fiscais ou Financeiro-Fiscais do ICMS (§ 3º, do art. 125 do ADCT).

IV – o controle externo do Comitê Gestor caberá aos estados, Distrito Federal e municípios. Isso é muito vago. Como é possível ao conjunto de 27 estados e de 5.570 municípios, ainda que reduzida a sua representação a 27 membros, efetuar o controle efetivo do Comitê Gestor?

V – Esse é um dos dispositivos mais obscuros e de difícil execução. A fiscalização, o lançamento, a cobrança, a representação administrativa e a representação judicial relativas ao IBS serão realizados, no âmbito de suas respectivas competências, pela administrações tributárias e procuradorias dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, facultada a definição de hipótese de delegação ou de compartilhamento de competências, cabendo ao Comitê Gestor a coordenação dessas atividades administrativas para assegurar a integração entre os entes federativos. Esse inciso conflita com o inciso II que confere ao Comitê Gestor a função de arrecadar o IBS, ao passo que o inciso V comete a função de cobrar o IBS à administração tributária de cada ente federativo. Ora, “arrecadar” o imposto é o mesmo que “cobrar” o imposto. Quem, afinal, arrecada ou cobra o IBS?

VI – Na forma do art. 37, inciso XXII da Constituição Federal “as administrações tributárias da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, atividades essenciais ao funcionamento do Estado, exercidas por servidores de carreiras específicas, terão recursos prioritários para a realização de suas atividades e atuarão de forma integrada, inclusive com o compartilhamento de cadastros e de informações fiscais, na forma da lei ou convênio”. (Incluído pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003). A administração tributária no âmbito da União é composta de Auditores Fiscais; no âmbito dos estados/Distrito Federal, por Agentes Fiscais de Rendas; no âmbito dos municípios, por Inspetores Fiscais. Esses servidores públicos são integrantes de cargos efetivos, isto é, concursados. Da mesma forma, os integrantes da Procuradorias dos estados/Distrito Federal/municípios são compostos de servidores efetivos, concursados. O inciso sob comento prescreve que essas competências exclusivas das carreiras da administração tributária e das procuradorias serão exercidas pelo Comitê Gestor, representado por servidores das carreiras citadas. O Comitê Gestor assemelha-se a um órgão camaleão: ora se compõe de auditores fiscais/agentes fiscais de rendas/inspetores fiscais, ora se compõe de procuradores da Fazenda estadual/municipal. É muita vontade de complicar o que pode ser simplificado.

VII – Esse inciso determina que a lei complementar estabeleça a estrutura e a gestão do Comitê Gestor, cabendo ao seu regimento interno dispor sobre sua organização e funcionamento. O confuso inciso comete a estrutura do órgão à lei complementar, ao passo que atribui ao regimento interno a organização e funcionamento do órgão. Ora, o que existe é a estrutura organizacional do Comitê Gestor que é a forma como seus servidores são organizados, seja por departamento, função ou cargo. Enfim, a estrutura organizacional mostra as relações e hierarquias que compõem o Comitê Gestor, a exemplo do que acontece em empresas do setor privado. Certamente esse inciso gerará controvérsias quanto à competência do regimento interno do Comitê Gestor.

§ 3º

Esse parágrafo prevê a participação dos entes federativos na instância máxima de deliberação do Comitê Gestor do IBS observando a seguinte composição:

I – 27 (vinte e sete) membros, representando os estados e o Distrito Federal;

II – 27 (vinte e sete) membros, representando o conjunto dos municípios e do Distrito Federal que serão eleitos da seguinte forma:

a) 14 (quatorze) representantes, com base nos votos de cada município, com valor igual para todos; e

b) 13 (treze) representantes, com base nos votos de cada município ponderados pelas respectivas populações.

Onde a representação paritária dos estados/Distrito Federal/municípios referida no inciso II, do § 2º? Esses dispositivos, além de difícil exequibilidade, são contraditórios. Outrossim, a expressão “instância máxima de deliberação do Comitê Gestor, referida nesse § 3º não é definida. O que significa? Será a instância recursal no processo administrativo tributário a cargo do Comitê Gestor (art. 156-B, III)? Não sabemos, nem se descobre!

§ 4º

As deliberações do Comitê Gestor serão consideradas aprovadas se obtiverem, cumulativamente, os votos:

I – em relação ao conjunto dos estados e do Distrito Federal:

a) a maioria absoluta de seus representantes; e

b) de representantes dos estados e do Distrito Federal que correspondam a mais de 50% (cinquenta por cento) da população do País; e

II – em relação ao conjunto dos municípios e do Distrito Federal, da maioria absoluta de seus representantes.

O que se vê nesta EC de nº 132/2023 é uma sequência impressionante de dissintonias entre uma norma e outra. Nada é harmônico, mas dispersivas as suas normas que se conflitam ente si. Por que o requisito da letra b em relação ao conjunto dos estados e do Distrito Federal em contraste com o requisito único em relação ao conjunto de municípios e do Distrito Federal? É muita vontade de complicar tudo! A cada artigo que comentamos reforça-se a ideia de inexequibilidade da reforma tributária aprovada pela EC nº 132/2023.

§ 5º

Dispõe que o presidente do Comitê Gestor do IBS deverá ter notórios conhecimentos de administração pública.

A redação sugere que o presidente deva ser uma pessoa física, ao contrário do que se depreende da defeituosa redação do inciso II, do § 2º retroanalisado. Quanto a expressão “notórios conhecimentos”, a exemplo da expressão “notório saber jurídico” para escolha dos Ministros do STF, tem apenas o significado de se fazer notar pela autoridade competente para nomear ou indicar.

§ 6º

Em uma prova inconteste da federalização do IBS, esse § 6º prescreve que o Comitê Gestor do IBS, a administração tributária da União e a Procuradoria-
Geral da Fazenda Nacional compartilharão informações fiscais relacionadas aos tributos previstos no art. Art. 156-A (IBS) e no art. 195, V (CBS), e atuarão com vistas a harmonizar normas, interpretações, obrigações acessórias e procedimentos a ele relativos. Como esclarecido anteriormente o Comitê Gestor detém a competência normativa e interpretativa ao mesmo tempo. Porém, quem edita essas normas é a União por meio de lei complementar.

§ 7º

Esse parágrafo permite que o Comitê Gestor e a administração tributária da União poderão implementar soluções integradas para a administração e cobrança dos tributos previstos no art. 156-A (IBS) e art. 195, V (CBS). Na verdade são dois impostos idênticos, um estadual/distrital/municipal e outro federal. Ambos os tributos têm o mesmo fato gerador que define a natureza específica do tributo (art. 4º do CTN), não bastasse a identidade da base de cálculo e dos contribuintes.

§ 8º

Mais uma confusão em potencial com a previsão de integrar o contencioso administrativo do IBS e da CBS pertencentes às esferas políticas diferentes. O contencioso administrativo cabe ao Comitê Gestor como assinalado no inciso III, do art. 156-B, ao passo que o contencioso da União é regido pelo Decreto nº 70.235 de 6-3-1972, baixado pelo Executivo por delegação do Decreto-lei nº 822/1969 e com fundamento no poder de regular inscrito, atualmente, no art. 84, inciso IV da Constituição. Deverá sofrer ligeira alteração para incluir a CBS. Se o legislador tivesse instituído o IBS para cada ente federativo, como sugerimos, seriam aplicáveis as administrações tributárias de cada esfera impositiva tal qual existentes na atualidade. Mas isso seria simplificar demais!

SP, 5-2-2024.

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.783 de 6-2-2024.

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