O confuso CASHBACK previsto na EC nº 132/2023

A reforma tributária aprovada pela EC nº 132/2023, que contém 491 normas difusas, desarmônicas e desconexas entre si, dentre inúmeras outras confusões, instituiu o CASHBACK em relação ao Imposto Sobre Bens e Serviços – IBS – um imposto compartilhado entre estados, Distrito Federal e municípios, denominado IBS dual.

Mas, primeiramente, conceituemos o que se entende por CASHBACK. Esta denominação expressa um atrativo que os comerciantes usam para devolver ao cliente uma parcela do valor pago na aquisição ao produto. O percentual de devolução, muitas vezes, depende do valor da compra e da habitualidade do cliente.

Logo, o CASHBACK previsto na EC nº 132/2023, significa devolução parcial do total do imposto pago pelo consumidor final.

Sabe-se que nos chamados tributos indiretos (ICMS, ISS, IPI, Contribuições Sociais do PIS/COFINS) o valor dos tributos são embutidos nos preços, fazendo com que os consumidores arquem com os encargos financeiros dos tributos, por via de repercussão econômica. A doutrina apelidou esse fenômeno de contribuinte de fato. O contribuinte de direito limita-se a repassar o valor do tributo ao consumidor final.

Pois bem, a EC nº 132/2023 prevê o CASHBACK no inciso VIII, do §5º, do art. 156-A da CF que prevê a instituição do IBS por lei complementar:

“§5º Lei Complementar disporá sobre: o

[…]

VIII- As hipóteses de devolução do imposto a pessoas físicas, inclusive os limites e os benefícios, com o objetivo de reduzir as desigualdades de renda”.

Forçoso é concluir que o CASHBACK é relativo ao IBS previsto no art. 156-A da CF, pois na forma do art. 10 da Lei Complementar nº 95/1998, que dispõe sobre a elaboração das leis:

  1. O artigo é a unidade básica de articulação .
  2. Os artigos desdobrar-se-ão em parágrafos ou em incisos; os parágrafos em incisos, os incisos em alíneas e as alíneas em intens.

O inciso VIII, que cuida do CASHBACK, está corretamente inserido no §5º, do art.156-A, tudo de conformidade com as normas gerais de elaboração e redação das leis.

Não pode haver dúvida de que a devolução de que cuida o referido inciso legal é apenas do Imposto Sobre Bens e Serviços-IBS. Tanto é que o inciso I, do §4º, do art.156-A determina que o Comitê Gestor, no ato da distribuição do produto de arrecadação do IBS ao ente federado, promova a retenção dos valores a serem devolvidos.

Acontece que esse IBS é tributado por fora, isto é, não integra a sua própria base de cálculo, nem o valor do imposto seletivo (art.153, VIII), da contribuição sobre receita/faturamento (art.195,b), da contribuição sobre importação de bens e serviços (art.195, IV) e da contribuição sobre bens e serviços (art.195,V), tudo de conformidade com o que dispõe o inciso IX, do §5º, do art. 156-A da CF acrescido pela EC nº 132/2023.

Em outras palavras, o consumidor final paga apenas o preço da mercadoria, livre de tributos. Não há em relação ao IBS o chamado contribuinte de fato que arca com o ônus financeiro do tributo, por via de repercussão econômica.

Do exposto conclui-se que a devolução de que cuida o inciso legal sob exame não corresponde a CASHBACK tributário. Não há que falar em devolução de imposto ao consumidor final que não pagou, nem suportou o encargo financeiro do imposto. Como se isso não bastasse, os produtos da cesta básica, consumidos pela população de baixa renda, estão com alíquotas do IBS zeradas, conforme parágrafo único do art. 8º inserido da EC nº 132/2023.

Logo, esse CASHBACK assume a característica de um auxílio financeiro à população vulnerável, cujos beneficiários serão eleitos por lei complementar. Corresponde, na realidade, a um segundo Bolsa Família ou Auxílio Brasil, como era chamado durante o governo anterior, terminologia mais adequada para expressar a sua transitoriedade. O Bolsa Família não pode ser um fim em si mesmo, mas um instrumento de inclusão social até que seus beneficiários conquistem o poder laborativo.

Poder-se-á argumentar que o CASHBACK se refere a tributos em vigor (IPI, ICMS, ISS e contribuições sociais do PIS/COFINS) configurando o inciso VIII, do §5º, do art.156-A, nesse caso, uma norma autônoma em desconformidade com a Lei Complementar nº 95/1958 que disciplina a técnica de elaboração e redação das leis.

O legislador, que não é sacerdote do direito, às vezes, insere uma norma autônoma no caput de um artigo que nada tem a ver com o parágrafo ou inciso inserido.

Isso aconteceu com o §2º, do art. 9º da Lei nº 10.684/2003 que extingue a punibilidade com o pagamento de qualquer tributo, a qualquer tempo. Esse §2º está inserido no caput do art. 9º, que cuida exclusivamente da extinção de punibilidade pelo pagamento da parcela final do parcelamento (Refis II). Uma leitura apressada tende a concluir que somente os tributos sob parcelamento é que se sujeitam à extinção da punibilidade pelo pagamento.

Em se tratando de norma autônoma (o inciso VIII, do §5º, do art.156-A) o CASHBACK seria aplicável aos tributos em vigor, sendo que o IPI, as Contribuições sobre faturamento/receita, a Contribuição incidente na importação de bens e serviços e o PASEP serão extintos em 2027, quando entrar em vigor o IBS e a CBC. O ICMS e o ISS, a partir de 2027 terão suas alíquotas gradativamente reduzidas, até final extinção em 2033, quando chega ao fim a transição do novo regime tributário.

Dessa forma, essa norma autônoma teria natureza transitória.

De qualquer forma, a dedução do valor do CASHBACK na partilha do produto de arrecadação do IBS cabente aos entes federados estado, prevista no inciso I, do § 4º, do art. 156-A da CF, que sinaliza sua vinculação a esse imposto específico, não faz o menor sentido por causa do regime de tributação por fora adotado para o IBS.

SP, 15-1-2023.

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