A Constituição Federal confere à União o poder de tributação do imposto sobre propriedade territorial rural (art. 153, VI).
Definindo o aspecto material do fato gerador do ITR dispõe o art. 29 do CTN:
“Art. 29. O imposto, de competência da União, sobre a propriedade territorial rural tem como fato gerador a propriedade, o domínio útil ou a posse de imóvel por natureza, como definido na lei civil, localizado fora da zona urbana do Município.”
E o art. 31, por sua vez, define o aspecto subjetivo passivo desse imposto:
“Art. 31. Contribuinte do imposto é o proprietário do imóvel, o titular de seu domínio útil, ou o seu possuidor a qualquer título.”
A expressão propriedade territorial rural empregada no art. 153, VI da CF, para outorgar competência impositiva à União, e reproduzida no art. 29 do CTN para definir o fato gerador desse imposto não foi utilizada em seu sentido jurídico, como estruturada no direito comum, mas, em sua acepção comum, abarcando prédios, fazendas, terras, lotes etc. com total abstração de seu aspecto estritamente jurídico. Aliás, na linguagem comum, fazendeiro é sinônimo de proprietário.
Propriedade rural é aquela situada na zona rural que, por exclusão, é aquela situada fora da zona urbana do Município, cujo conceito acha-se estabelecido no § 1º do art. 32 do CTN.
Por se tratar de imposto sobre a propriedade imobiliária, alguns autores acoimam de inconstitucional a parte final do art. 29 do CTN que tributa a posse a qualquer título.
A expressão propriedade não pode ser interpretada literal e restritivamente, porque o imposto, como captação de riqueza que é, deve incidir sobre fato econômico, representado pela propriedade em si, por seu domínio útil ou por sua posse.
Por isso, contribuinte do imposto referido no art. 31 do CTN deve ser aquele que detém efetivamente a disponibilidade econômica do imóvel, com total abstração do título jurídico da propriedade que pode até padecer de vícios insanáveis, ou até mesmo não existir. Tributar apenas aquele que formalmente consta no Registro de Imóveis como proprietário pode implicar desrespeito ao princípio da capacidade contributiva, além de conduzir ao malogro do processo de fiscalização e arrecadação do imposto por diversas razões.
O agricultor que lavra a terra, seja na condição de proprietário, seja na de compromissário-comprador ou de simples posseiro, usufrui dos mesmos rendimentos e tem idêntica capacidade contributiva. Por isso, o art. 31 do CTN inclui no pólo passivo o proprietário, o titular de domínio útil e o possuidor a qualquer título. É claro que o possuidor deve ser aquele que exerce a posse de conteúdo econômico, o que exclui a posse do locatário ou do arrendatário que não corresponde a qualquer dos atributos da propriedade.
Repita-se, ser o proprietário no sentido jurídico não é suficiente para preencher o aspecto material do fato gerador de ITR. É preciso que o proprietário reúna os três atributos da propriedade: o direito de usar, gozar e de dispor da coisa, nos exatos termos do art. 1.228 do CC. Em outras palavras, é preciso que o proprietário tenha a disponibilidade econômica do imóvel rural e, por conseguinte, capacidade contributiva, sob pena de o lançamento do imposto implicar efeito confiscatório vedado pela Carta Magna.
O proprietário que tenha a sua propriedade invadida por posseiros e que, por conseguinte, perdeu a sua disponibilidade econômica, não pode ser o sujeito passivo do IRT. Nesse sentido o julgado do STJ, cuja ementa vai abaixo transcrita:
“EMENTA. PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. ITR. IMÓVEL INVADIDO POR INTEGRANTES DE MOVIMENTO DE FAMÍLIAS SEM-TERRA. AÇÃO DECLARATÓRIA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. FATO GERADOR DO ITR. PROPRIEDADE. MEDIDA LIMINAR DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE NÃO CUMPRIDA PELO ESTADO DO PARANÁ. INTERVENÇÃO FEDERAL ACOLHIDA PELO ÓRGÃO ESPECIAL DO TJPR. INEXISTÊNCIA DE HIPÓTESE DE INCIDÊNCIA TRIBUTÁRIA. PERDA ANTECIPADA DA POSSE SEM O DEVIDO PROCESSO DE DESAPROPRIAÇÃO. ESVAZIAMENTO DOS ELEMENTOS DA PROPRIEDADE. DESAPARECIMENTO DA BASE MATERIAL DO FATO GERADOR. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA BOA-FÉ OBJETIVA.
…
3. O Fato Gerador do ITR é a propriedade, o domínio útil, ou a posse, consoante disposição do art. 29 do Código Tributário Nacional.
4. Sem a presença dos elementos objetivos e subjetivos que a lei, expressa ou implicitamente, exige ao qualificar a hipótese de incidência, não se constitui a relação jurídico-tributária.
5. A questão jurídica de fundo cinge-se à legitimidade passiva do proprietário de imóvel rural, invadido por 80 famílias de sem-terra, para responder pelo ITR.
6. Com a invasão, sobre cuja legitimidade não se faz qualquer juízo de valor, o direito de propriedade ficou desprovido de praticamente todos os elementos a ele inerentes: não há mais posse, nem possibilidade de uso ou fruição do bem. Jurisprudência/STJ – Acórdãos Página 1 de 3
7. Direito de propriedade sem posse, uso, fruição e incapaz de gerar qualquer tipo de renda ao seu titular deixa de ser, na essência, direito de propriedade, pois não passa de uma casca vazia à procura de seu conteúdo e sentido, uma formalidade legal negada pela realidade dos fatos.
8. Por mais legítimas e humanitárias que sejam as razões do Poder Público para não cumprir, por 14 anos, decisão judicial que determinou a reintegração do imóvel ao legítimo proprietário, inclusive com pedido de Intervenção Federal deferido pelo TJPR, há de se convir que o mínimo que do Estado se espera é que reconheça que aquele que diante da omissão estatal e da dramaticidade dos conflitos agrários deste Brasil de grandes desigualdades sociais não tem mais direito algum não pode ser tributado por algo que só por ficção ainda é de seu domínio.
9. Ofende o Princípio da Razoabilidade, o Princípio da Boa-Fé Objetiva e o bom senso que o próprio Estado, omisso na salvaguarda de direito dos cidadãos, venha a utilizar a aparência desse mesmo direito, ou o resquício que dele restou, para cobrar tributos que pressupõem a sua incolumidade e existência nos planos jurídico (formal) e fático (material).
10. Irrelevante que a cobrança do tributo e a omissão estatal se encaixem em esferas diferentes da Administração Pública. União, Estados e Municípios, não obstante o perfil e personalidade próprios que lhes conferiu a Constituição de 1988, são parte de um todo maior, que é o Estado brasileiro. Ao final das contas, é este que responde pela garantia dos direitos individuais e sociais, bem como pela razoabilidade da conduta dos vários entes públicos em que se divide e organiza, aí se incluindo a autoridade tributária.
11. Na peculiar situação dos autos, considerando a privação antecipada da posse e o esvaziamento dos elementos da propriedade sem o devido processo de Desapropriação, é inexigível o ITR ante o desaparecimento da base material do fato gerador e a violação dos Princípios da Razoabilidade e da Boa-Fé Objetiva.
12. Recurso Especial parcialmente provido somente para reconhecer a aplicação da prescrição quinquenal. (Resp nº 963.499-PR, Rel. Min. Herman Benjamin, DJe de 14-12-2009).
SP, 6-6-2020.