Há tantos burros mandando em homens de inteligência, que, às vezes, fico pensando que a burrice é uma ciência. Rui Barbosa
Na sociedade atual, como na antiga, há o predomínio da burrice alimentada pela ignorância que vem sendo carinhosa e cuidadosamente cultivada e conservada desde o Brasil Império. Mas, o que é a burrice? É igual a ignorância? Na maioria das vezes ambas andam juntas, porém, elas diferem uma da outra.
A ignorância significa carência de conhecimento dos fatos e, consequentemente, das opções. Quem desconhece determinado fato não tem como optar. O ignorante não consegue ver a realidade do dia a dia com os olhos da mente. Falta-lhe o conhecimento básico, o mínimo de educação escolar e por isso é incapaz de processar o que ouve, tampouco é capaz de compreender o conteúdo, sobretudo, o intrínseco daquilo que vê ou toca. A sua cura está no aprendizado, à medida da vontade política de cada pessoa de se libertar.
A burrice é forma de deformação da natureza humana. Não é incompatível com a cultura e a erudição. Deparamos no dia a dia com pessoas cultas, pensadores conhecidos e formadores de opinião, mas que falam uma besteira atrás da outra. Não é por acaso que Stanilaw Ponte Preta cunhou a célebre frase: festival de besteira que assola o País.
O burro sempre acha que ele sabe de tudo, nada mais tendo a apreender. É autossuficiente em tudo. Ele nunca tem dúvida de coisa alguma, por isso ele se fecha em si mesmo; tem orelhas, grandes até, mas não tem ouvido; ele não houve opinião alheia, mas só a dele próprio que ele ouve com a incontida alegria. Ele é resoluto, é ousado e tem uma fé inabalável em tudo que ele faz ou desfaz e vive bem na certeza de que ele é imune a erros e enganos.
O burro é feliz, ao contrário do inteligente que sofre assaltado por constantes dúvidas e incertezas. Quem tem o dom da burrice é operoso, sobretudo, na arte de cultivar, aprimorar e assegurar a perpetuidade da ignorância, que é o seu tesouro mais precioso.
Ao contrário da ignorância, a burrice é eterna e ilimitada; não há cura. Esse conceito é mais ou menos universal; cada povo expressa o sentido da burrice a sua maneira. Só para exemplificar, o japonês costuma dizer “baca wa shinanakiya naorimasen”, ou em vernáculo, “a burrice só se cura com a morte”. É a pura verdade.
A burrice vem ganhando posição de destaque na sociedade atual. Os burros, ao contrário dos ignorantes, são espertos como velhas raposas. Têm o incrível poder de manipulação e convencimento da população ignorante, cujo contingente vem sendo calculadamente ampliado pelos detentores de poder, na verdade, burros. A burrice quando aliada à ignorância torna-se uma força praticamente invencível. É como a erva daninha que se espalha sobre a terra tornando-a incultivável.
Como vencer a burrice? Derrotando a ignorância, seria a resposta lógica e correta. Mas, como fazer isso? Não é tarefa fácil! A lapidar frase de Rui bem demonstra a dificuldade de deter o crescimento da burrice que entre nós já tem status de uma ciência.
Os ventos democráticos que sopraram na nova República não foram capazes de varrer a burrice arraigada na velha República. A frase de Rui é atualíssima.
O que vem acontecendo no âmbito da política nacional vem acontecendo, também em níveis regionais e locais. E não apenas no campo político, mas também nas áreas cultural, esportiva, artística e sobretudo nas esferas das entidades associativas. Notório o império da burrice nessas áreas. Frequentemente, certos indivíduos tentam “conduzir as ovelhas” por vias obscuras manipulando, mandando e decidindo tudo na base do eu sozinho. São os falsos líderes com os atributos da burrice de que falamos.
Só que em determinadas sociedades locais não há o predomínio da ignorância, como em algumas regiões do País. Ao contrário, há uma heterogeneidade de pessoas com distintos graus de instrução e conhecimento. É quando a burrice dá com os burros n’água.
Por derradeiro, a reforma tributária imposta pelos burocratas e que se converteu na EC nº 132/2023, que tantos males irá causar à nossa economia e à sociedade em geral, nasceu e floresceu sob o império da burrice, onde reinam os burocratas que deitam e rolam alegre e confortavelmente como bebês sobre as confusas normas epidêrmicas que elaboram com inusitado requintes de sadismo burocrático. Ela não tem cura. Só a morte pode curá-la, ou seja, somente a aprovação de uma PEC revogando a malsinada EC nº 132/2023 terá o condão de extinguir esse embuste impingido à nação brasileira com a ajuda do Parlamento Nacional que cometeu o maior estelionato contra a sociedade brasileira.
SP, 19-8-2024.
* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.918, de 20-8-2024.