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Pandemia rende recursos financeiros para os Estados e fragiliza a Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF

Nunca os Estados receberam tantas transferências de recursos financeiros da União para dar combate à pandemia a Covid 19.

Em vários Estados os recursos recebidos foram desviados para os bolsos de corruptos.

No Rio de Janeiro não foram construídos os hospitais de campanha na fase aguda da covid19, quando a ajuda financeira da União se intensificou.

Ao mesmo tempo houve flexibilização da Lei de Responsabilidade Fiscal — LRF — permitindo empenhos na hipótese proibitiva do art. 9º, bem como permitindo a superação do limite de despesas de pessoal, sob o discutível argumento de que as receitas diminuíram por força da fragilização da economia dos Estados a refletir negativamente no montante cabente aos recursos destinados ao funcionalismo.

Igualmente, foi suspensa por meio da Emenda Constitucional a regra de ouro que proíbe as operações de crédito (endividamento) em montante superior às despesas de capital (recursos gastos a título de investimentos que aumentam a capacidade produtiva do país a médio e longo prazo).

Pois bem, agora, veio à luz a Lei Complementar nº 195, de 8 de julho de 2022 que, a pretexto de desenvolver ações emergenciais no setor cultural em decorrência de efeitos econômicos e sociais da pandemia da covid19, autoriza utilizar os recursos do superávit financeiro apurado em balanço das fontes de receita vinculadas ao Fundo Nacional da Cultura (FNC).

Outrossim, a União destina, no exercício de 2023 aos Estados, DF e Municípios, o montante máximo de R$ 3.862,000.000,00 (três bilhões, oitocentos e sessenta e dois milhões de reais) para aplicação em ações que visem combater e mitigar os efeitos da pandemia da covid19 sobre o setor cultural.

Tudo indica que essa covi19 atacou seletivamente o pessoal ligado ao setor cultural, o que é bastante estranho.

A finalidade eleitoreira, a exemplo do auxílio Brasil de R$ 600,00, salta aos olhos. A alteração da Lei Rouanet, proibindo o financiamento de shows de artistas famosos inacessíveis aos pobres foi, agora, compensada com gorda ajuda financeira ao setor cultural.

Estoura-se as finanças da União e ao mesmo tempo, para não incidir nas proibições da LRF, suspende-se temporariamente seus dispositivos que atrapalham a ação visada pelo governo.

De fato, o art. 31 da lei sob exame acrescenta o art. 65-A à LRF com a seguinte redação:

“Art. 65-A. Não serão contabilizadas na meta de resultado primário, para efeito do disposto no art. 9º[1] desta Lei Complementar, as transferências federais aos demais entes da Federação, devidamente identificadas, para enfrentamento das consequências sociais e econômicas no setor cultural decorrentes de calamidades públicas ou pandemias, desde que sejam autorizadas em acréscimo aos valores inicialmente previstos pelo Congresso Nacional na lei orçamentária anual.”

Se esse art. 65-A deixasse de existir, nem por isso as despesas de R$ 3.862.000.000,00 previstas no art. 3º da LC sob exame deixariam de ser executadas.

Na hipótese de superação das metas do superávit primário ou nominal previstas na Lei de Diretrizes Orçamentárias — LDO — far-se-ia a alteração dessas metas com efeito retroativo, como aconteceu de forma sistemática no governo Dilma que se cansou de efetuar essas alterações e declarou: “Não iremos mais fixar metas; quando alcançá-las iremos dobrá-las”.

As leis de contenção de despesas e as de fiscalização da execução orçamentária, bem como os preceitos constitucionais que cuidam das três leis orçamentárias — PPA, LDO e LOA — nunca foram levadas a sério.

Da mesma forma, a Lei nº 10.028, de 19 de outubro de 2000, que definiu os crimes contra a ordem financeira para tutelar a LRF jamais foi aplicada até hoje, apesar de sua violação com frequência.

Essa Lei Complementar nº 195/2022, que promove a gastança pública da bagatela de R$ 3.862.000.000,00, para dar aparência de seriedade e lisura na sua execução para atingir os fins previstos inseriu nada menos que trinta artigos e infindáveis parágrafos, incisos e letras estabelecendo normas eivadas de inusitado sadismo burocrático, que espantam qualquer órgão ou agentes que se prontifiquem a controlar e fiscalizar a realização dessas despesas.

Como de hábito, o mecanismo de controle e fiscalização previsto em uma parafernália de instrumentos normativos nunca sai do papel.

SP, 10-10-2022.

Por Kiyoshi Harada


[1] Art. 9º. Se verificado, ao final de um bimestre, que a realização da receita poderá não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal estabelecidos no Anexo de Notas Fiscais, os Poderes e o Ministério Público promoverão, por ato próprio e nos montantes necessários nos trinta dias subsequentes, limitação de empenho e movimentação financeira, segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias.

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