PEC que limita os poderes do STF*

A PEC nº 8/2021, depois de vários embates com o STF, acabou sendo aprovada pelo Senado Federal, na sessão do dia 22 de novembro, por 58 votos favoráveis contra 18 contrários. Entretanto, a proposta original foi desnaturada.

Foram expurgadas as propostas sobre as regras concernentes ao pedido de vista, bem como a fixação de períodos certos de mandatos dos ministros da Corte.

O que restou aprovado e que seguiu para o exame da Câmara dos Deputados é a vedação de a decisão monocrática suspender a eficácia de leis e normas baixadas pelo poder público, como vem sendo feita, rotineiramente, funcionando cada um dos Ministros como se fosse o Tribunal Pleno. Membros de poder não é um Poder!

Isso evidentemente afronta o princípio da harmonia e independência dos poderes.

O Poder é o STF em sua composição plena, e não cada um de seus ministros.

Mas, a reação do STF foi imediata, a começar pelo seu Presidente, Min. Roberto Barroso para quem a PEC aprovada em nada contribui para a institucionalidade do País.

O decano de Corte, Min. Gilmar Mendes, por sua vez, afirmou que “não se pode brincar de fazer emenda constitucional” e criticou as chamadas emendas casuísticas.

O Presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, reagiu afirmando que não irá permitir agressões gratuitas por membros do STF.

Na verdade, a medida aprovada pelo Senado Federal visa prestigiar a colegialidade que deve nortear as decisões do STF.

Não pode um Ministro, individualmente, sustar os efeitos de norma ou de lei, sob o argumento de inconstitucionalidade.

Nenhum órgão fracionário de qualquer tribunal pode pronunciar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público, nos termos do art. 97 da CF, in verbis:

“Art. 97 Somente pelo voto da maioria absoluta de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do Poder Público.”

Muito embora o poder cautelar do juiz faça parte integrante da jurisdição (art. 5º, inciso XXXV da CF) não faz sentido, data vênia, o uso habitual de decisões monocráticas para sustar os efeitos de atos normativos ou de leis, fora do período de recesso do Judiciário.

O argumento de que é para descongestionar o Plenário da Corte não se sustenta, pois quando quer, o STF tem julgado o mérito das ações em questão de dias. Só quando convém politicamente a decisão monocrática deixa de ser referendada ou de ter o seu mérito julgado por vários lustros, como é o caso da inaplicação da quarentena de 36 meses de que cuida a Lei das Estatais, baseado em simples projeto de lei em tramitação que reduz a quarentena para 30 dias.

Uma decisão monocrática do então Ministro Ricardo Lewandowski validando o que consta do projeto legislativo em discussão no Congresso Nacional até hoje não foi apreciado pelo Plenário da Corte, permitindo que o governo Lula preencha todos os cargos técnicos das estatais por critérios puramente políticos, comprometendo o bom desempenho dessas empresas do governo.

No passado isso levou à quebra da Petrobrás no episódio que ficou conhecido como “Petrolão”. Hoje, ela está correndo sério risco de novos desvios administrativos.

Outrossim, por razões exclusivamente políticas o STF jamais concedeu medida cautelar quer pelo Relator, quer pelo Plenário para sustar os efeitos das isenções do ICMS decretadas unilateralmente por diversos Estados da Federação, desobedecendo frontalmente o art. 155, § 2º, inciso XII, letra g da CF que comete à lei complementar a faculdade de regular os incentivos fiscais do ICMS. E a Lei Complementar nº 24/75 dispõe que as isenções do ICMS só podem ser concedidas por convênios celebrados e ratificados por todos os Estados e o Distrito Federal (art. 1º).

Apesar da visível inconstitucionalidade formal das leis isentivas sancionadas unilateralmente pelos Estados, o STF sempre invocou o art. 12 da Lei de regência da matéria para ignorar o pedido de medida cautelar, a fim de julgar diretamente o mérito em razão da alegada “urgência e relevância de matéria”. E o julgamento do mérito, às vezes, tem levado uma década. Trata-se de uma estranha invocação da ‘urgência”.

Parece piada, mas é o que aconteceu com as 14 ações diretas de inconstitucionalidade de isenções do ICMS julgadas em bloco pelo Plenário do STF em 2011,depois de decorridos mais de 10 anos da vigência dos incentivos fiscais inconstitucionais.

A Corte, na sessão de 1º/6/2011, julgou inconstitucionais essas 14 leis isentivas, sem modulação de votos, criando uma tremenda confusão e dor de cabeça para os contribuintes e governantes estaduais, todos eles pegos de surpresa, porque houve brusca alteração de entendimento para não mais modular os efeitos, como vinha fazendo rotineiramente em relação às decisões tardiamente proferidas.

Foi preciso ação do Congresso Nacional para debelar o incêndio que estava para eclodir nas relações entre fisco e contribuintes, punidos por terem usufruído de incentivos fiscais que não pleitearam.

A solução encontrada pelo Parlamento Nacional, depois de marchas e contramarchas, foi a edição de Lei Complementar nº 160/2017 autorizando o Confaz, por intermédio de convênio, a proceder à remissão dos créditos tributários resultantes de incentivos fiscais concedidos unilateralmente pelos Estados, colocando fim às discussões que se formaram.

Se o STF tivesse suspendido de imediato a vigência desses incentivos fiscais concedidos à margem do texto constitucional, as chamadas guerras fiscais não teriam acontecido. O que a Corte Suprema vinha fazendo era um incentivo para outorga de isenções inconstitucionais. Levava mais de um lustro para declarar a inconstitucionalidade dos incentivos fiscais e modulava os efeitos da decisão para conceder efeito ex nunc.

Positivamente, as decisões monocráticas vêm sendo usadas política e seletivamente pelo STF. Nada têm a ver com o congestionamento da pauta da Corte Suprema.

Se a Corte se ativer às matérias de sua competência haverá esvaziamento da parcela ponderável de suas atividades, hoje, voltadas para o ativismo judicial.

Concluindo, não vemos razões jurídicas válidas para contestar a PEC aprovada pelo Senado Federal. Não há a alegada ingerência do Legislativo nas atribuições constitucionais da Corte Suprema. Pelo contrário, a PEC aprovada fortalece o Poder Judiciário à medida que previne a sua fragmentação.

Mas, é esperada a reação do STF que poderá, se provocado, declarar a inconstitucionalidade da PEC que for aprovada pela Câmara dos Deputados. Não faltará parlamentar para patrocinar o interesse do STF aparelhando uma ADI.

SP, 4-12-2023.

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.740, de 5-12-2023.

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