exclusão do valor do ICMS

Perspectivas em torno da exclusão do valor do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS

Como se sabe, o STF pautou para o dia 29-4-2021 o julgamento dos embargos declaratórios opostos pela União contra a decisão plenária da Corte proferida, por maioria de votos, e em regime de repercussão geral, para determinar a exclusão do valor do ICMS embutido na base de cálculo do PIS/COFINS.

Entretanto, esse julgamento não aconteceu frustrando as expectativas do empresariado em geral  e prolongando dias de angústias, incertezas e inseguranças jurídicas.

Os especialistas estão discutindo se a exclusão deve recair sobre o valor destacado do ICMS ou sobre o valor do ICMS efetivamente recolhido.

O equívoco é manifesto, pois o valor destacado, ou o valor recolhido do imposto são dados que resultam da aplicação da base de cálculo cheia (sem exclusão do valor do ICMS).

O que o STF decidiu foi no sentido de que o valor do ICMS deve ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS para fazer incidir as contribuições sociais apenas sobre o valor líquido da receita. O cumprimento do comando contido na decisão da Corte Suprema pressupõe prévia exclusão do valor do ICMS embutido na base de cálculo para só depois aplicar sobre ela a alíquota respectiva.

Não interessa saber se o ICMS é cumulativo ou não cumulativo; quanto foi destacado a esse título na nota fiscal; a periodicidade de seu recolhimento; saber se em determinado mês vai ocorrer débito ou crédito do imposto; se o contribuinte irá pagar ou ficar inadimplente; ou se vai cometer sonegação. Não se trata de pedir restituição do ICMS. Trata-se, tão somente, de apurar o valor do PIS/COFINS devido em cada operação fazendo incidir a alíquota respectiva (3% ou 7,6% conforme o caso) sobre a base de cálculo sem o valor do ICMS que está embutido no preço

O destaque do ICMS ou o seu recolhimento nada tem a ver com o ato de excluir da base de cálculo o ICMS que é uma operação que antecede ao destaque ou ao recolhimento do imposto.  Esse é o conteúdo da decisão proferida pelo STF, ainda que os ilustres julgadores tenham pensado de forma diferente. O que interessa é o que ficou expresso na decisão: exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS.

Procede-se da mesma forma quando o inciso I, do § 2º, do art. 3º da Lei nº 9.718/98, na redação vigente, determina a exclusão da base de cálculo do PIS/COFINS dos valores de vendas canceladas, ou dos descontos incondicionais que representam redução do preço, implicando diminuição da base de cálculo.

Não se pode definir a base de cálculo, um dos aspectos quantitativos do fato gerador, pelo resultado. Do contrário, homicídio e suicídio seriam a mesma coisa, pois ambos os casos resultam no evento morte. Peço escusas pelo exemplo que pode parecer grotesco, mas serve para poupar tempo com longas e cansativas explicações.

A regra geral é a inclusão dos valores de tributos indiretos na base de cálculo dos tributos, porque eles compõem os custos das mercadorias e dos serviços. É noção elementar na política de formação de preços de mercadorias e de serviços que não são estabelecidos de forma aleatória pelos comerciantes e prestadores de serviços. A fixação de preços obedece as metodologias de cálculo em que se levam em conta os valores das matérias primas, das despesas indiretas representadas por tributos e da margem de lucro.

As exclusões são exceções e como tais estão previstas nos textos normativos em nível constitucional ou infraconstitucional, da mesma forma que as hipóteses de não incidência tributária e as de isenções.

De fato, o inciso XI, do § 2º, do art. 155 da CF determina a exclusão do IPI da base de cálculo do ICMS quando a operação configurar fato gerador de ambos os impostos.

Outrossim, a Lei Complementar nº 70/91 que instituiu a COFINS prescreveu no inciso I, do parágrafo único, do art. 2º que se exclui o IPI da base de cálculo da COFINS. Não há referência à exclusão do ICMS.

E mais, o inciso I, do § 2º, do art. 3º da Lei nº 9.718/98 prescrevia a exclusão do ICMS/ST da base de cálculo do PIS/COFINS, o que significa que nas demais operações em que não houver a substituição tributária o ICMS deve ser incluído na base de cálculo do PIS/COFINS. É a conclusão lógica que dispensa maiores comentários.  Com base nesse preceito legal a União ingressou com a ADECON nº 18 para ver declarada a constitucionalidade da inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS naquelas operações do ICMS que não sejam as de substituição tributária.

A interposição dessa ação sobrestou por 180 dias o julgamento do RE nº 240.785/MG, de relatoria do Ministro Marco Aurélio que discutia a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS porque a ação de natureza coletiva tem precedência na pauta de julgamentos do STF.

Contudo, o julgamento dessa ADECON foi sendo reiteradamente adiado pelo STF prorrogando-se o prazo de sobrestamento daquele Recurso Extraordinário até que o preceito do referido inciso I, do § 2º, do art. 3º da Lei nº 9.718/98 veio a ser revogado pela Lei nº 12.973, de 13-5-2014, acarretando a perda de objeto da Ação Direta de Constitucionalidade. Poderia a Corte Suprema, se quisesse, convolar a ADECON em ADPF para declarar a sua constitucionalidade enquanto vigente. Mas, na época, a composição majoritária da Corte Maior já estava determinada a excluir o ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS, com ou sem autorização legislativa. Importante lembrar que no RE nº 240.785 já havia formado a maioria de 6 votos pela exclusão, antes da revogação do inciso I, do § 2º, do art. 3º da Lei n 9.718/98 que prescrevia exatamente no sentido da inclusão do ICMS decorrente de operações normais na base de cálculo do PIS/COFINS.

Essa revogação é ignorada pelos defensores da tese da exclusão que repetem, todos eles, mediante o uso de mesmas expressões de que a ADECON nº 18 jamais prosperou. Lógico! Com o legislador dando uma puxada de tapete dessa ordem, mediante o artifício de alterar no curso da lide a redação do texto que estava atrapalhando a tese da exclusão, não havia como vencer a demanda. Não houve paridade de armas entre o fisco e os contribuintes. Confesso que eu não me sentiria confortável com uma vitória obtida dessa forma.

Tão sutil foi a revogação que a Ministra Cármen Lúcia, Relatora do RE nº 574.706/RG, sequer percebeu a alteração legislativa quando ela afirma em seu erudito voto que não se ignora a disposição do inciso I, do § 2º, do art. 3º, da Lei nº 9.718/98 que prescreveu a exclusão apenas do ICMS/ST. Conclui-se, portanto, que seu voto dispensou a expressa exclusão do ICMS.

Contudo, em alguns julgados, o STF exigiu a necessidade de previsão legal de exclusão, como assentado ficou no julgamento do RE nº 1.187.264-RG, em que se determinou a inclusão do ICMS na base de cálculo da CPRB por ausência de expressa previsão legal em sentido contrário. Idêntica decisão está para ser proferida no RE nº 128.845, onde se discute a exclusão do ISS da base de cálculo da CPRB em sede de repercussão geral.

Só que essa exigência de previsão legal de exclusão não prevaleceu no julgamento do RE nº 835.818, onde se firmou a tese, por maioria de votos, pela exclusão do valor do crédito presumido do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS por se caracterizar o crédito presumido como um incentivo fiscal.

Correto, só que não há previsão legal de exclusão nessa hipótese como há no caso de incentivo fiscal na modalidade subvenção econômica (Lei nº 4.320/64) destinada a aumentar a capacidade produtiva da empresa beneficiada.

Ora, se exclui e ora se inclui mediante uso de argumentos conflitantes. N`um caso não é preciso autorização legal, n`outro caso idêntico do ponto de vista fático, exige-se autorização legal. Onde, a coerência que se impõe para a preservação da segurança jurídica?

Ultimamente o STF, apesar da indiscutível competência e inteligência dos onze Ministros integrantes da Corte, todos eles merecedores do nosso maior respeito, tornou-se uma fonte permanente de insegurança jurídica por conta de decisões conflitantes e incoerentes dispensando tratamento jurídico díspares para situações iguais. Registre-se, porém, que nunca houve unanimidade nessas decisões conflitantes entre si.

Na reunião mensal do CONJUR/FIESP presidido pelo notável e sempre competente Ministro Sydney Sanches, realizada no dia 27 de abril de 2021, o assunto foi debatido tendo como expositor o Professor Humberto Ávila.

Contudo, o ilustre conferencista ficou apenas no plano teórico e doutrinário tecendo comentários elogiosos à atuação do STF, órgão que como intérprete máximo da Constituição vem conferindo a necessária segurança jurídica. Ponderou que a decisão de excluir o ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS deveria ter sido observada por todos desde a primeira decisão em 2014, sem aguardar o julgamento do caso em regime de repercussão geral. Criticou a interposição de embargos declaratórios pela União, bem como o pedido de modulação de efeitos. Por fim, atribuiu ao Congresso Nacional a culpa pela insegurança jurídica reinante, por ter se omitido na tarefa de atualização legislativa de acordo com o que restou decidido pelo Plenário do STF. Nada adiantou quanto ao valor do ICMS a ser excluindo, nem quanto ao critério para encontrar esse valor.

Na fase de debates foi-me concedida a palavra pelo Ministro Sydney Sanches quando, então, pretendi conferir cunho pragmático aos debates para que pudéssemos sair da reunião com elementos suficientes e seguros para orientar os empresários em geral.

Iniciei criticando a atuação do STF nessa matéria por falta de definição clara dos critérios de exclusão e de inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS/COFINS, inovando a legislação vigente confundindo e desorientando os jurisdicionados. Critiquei até a criminalização do devedor do ICMS confundindo tributação por dentro com tributação por fora.

Ao depois, propus o critério de cálculo por dentro para descobrir o valor do ICMS contido na base de cálculo das contribuições sociais.

Retomando a palavra o ilustre palestrante afirmou não concordar em nada do que eu dissera, porque o STF determinou que se excluísse o que indevidamente contido está na base de cálculo do PIS/COFINS.  E os debates prosseguiram com as manifestações de vários conselheiros sempre elogiando a fala do grande conferencista, sem que debatesse a questão central que é saber como se detecta o valor do ICMS a ser excluído.

Em que pese a eloquência do nobre expositor não pudemos concordar com todas as suas brilhantes conclusões.

Primeiramente, culpa alguma tem o Congresso Nacional neste caso específico para ajustar a legislação ao figurino jurisprudencial da Corte. Não há norma legal considerada inconstitucional pelo STF, mas apenas a interpretação do art. 3º, da Lei nº 9.718/98, de sorte a não incluir na base de cálculo do PIS/COFINS o ICMS contido no preço da mercadoria. Até hoje o STF não definiu o critério para encontrar esse valor, nem sinalizou o uso de qualquer critério para a apuração do ICMS contido nessa base de cálculo.

Por isso, parece-me, que os embargos declaratórios foram bem apresentados. Quanto à eventual modulação de efeitos concordo com o ilustre expositor do tema, com as ressalvas ao final consignadas.

É fácil determinar a exclusão do ICMS. O difícil é calcular o valor do ICMS a ser excluído, por se constituir em matéria extrajurídica, fora do conhecimento dos operadores do direito em geral, salvo raríssimas exceções daqueles que lidam diariamente com a legislação do imposto de renda.

Daí porque a maioria dos empresários foi orientada para proceder a exclusão com base no ICMS destacado em cada nota fiscal, o que é um equívoco como antes demonstrado.

No ICMS o imposto é calculado por dentro, fazendo com que alíquota real seja superior à alíquota nominal porque ele incide sobre si próprio. É o que prescreve com solar clareza a letra i, do inciso XII, do § 2º, do art. 155 da CF que diz caber à lei complementar:

“i – fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço”.

Logo, o imposto compõe o preço da mercadoria, e, portanto, o ICMS destacado na nota fiscal não é acrescido ao valor total da operação, mas tem por finalidade mero controle, para fins contábeis-fiscais,  possibilitando ao adquirente, caso ele seja contribuinte do imposto, a tomada do crédito correspondente na operação.

Apesar de sua praticidade e singeleza de excluir o valor destacada na nota fiscal, essa sistemática não é a que está contida na decisão da Corte Suprema.

O critério correto para dar cumprimento ao julgado é o de fazer o cálculo do ICMS por dentro para descobrir o valor do ICMS embutido no preço tomado como base de cálculo do PIS/COFINS. Não é uma tarefa fácil para os operadores do direito que são leigos nessa matéria.

Por exemplo, uma mercadoria faturada por R$ 100,00 compõe a base de cálculo do PIS/COFINS que fica sendo de R$ 100,00. Mas, o STF diz que desses R$ 100,00 deve ser excluído o valor do ICMS.

Posto que a alíquota do ICMS é de 18% incidindo sobre si próprio, segue-se que o preço da mercadoria, na verdade, é de apenas R$ 82,00, isto é, R$ 100,00 – R$ 18,00 e, portanto, a base de cálculo do PIS/COFINS deverá ser de R$ 82,00. Logo, para saber o valor do ICMS que está contido no preço da mercadoria deve-se aplicar a alíquota de 18% sobre R$ 82,00 resultando em R$14,76 que é o valor contido na base de cálculo do PIS/COFINS, apresentando uma diferença de R$3,24 em relação ao ICMS destacado.

Essa operação deve ser repetida em relação a cada nota fiscal, para no final do período apurado encontrar a diferença a ser restituída mediante o confronto do “novo valor” das contribuições sociais, resultante da exclusão do ICMS, com o valor total pago dentro do mesmo período. Como eu disse esse complicado cálculo que exige conhecimentos matemáticos e contábeis não está ao alcance do conhecimento dos juristas, professores de direito, juízes e ministros.

Assim, como um contabilista não pode se arvorar em interprete da Lei e da Constituição, não pode o juiz, o ministro, o jurista ou o advogado cuidar de questões contábeis, sem assessoramento de profissional da área de contabilidade, para destacar o valor do ICMS que está embutido na base de cálculo do PIS/COFINS.

Essas noções extrajurídicas eu as apreendi quando exercia o cargo do Diretor do Departamento de Desapropriações da Prefeitura de São Paulo, então incumbido de efetuar os cálculos atualizados de precatórios expressos em moedas antigas: cruzeiro, cruzado e cruzado novo. Meus contatos diários com procuradores, contadores e engenheiros trouxeram-me conhecimentos acerca dos métodos de cálculos para a política de fixação de preços de mercadorias e serviços, e de métodos de avaliação de imóveis (método comparativo e método involutivo). Dessa experiência nasceu o meu livro Desapropriação doutrina e prática que se encontra na 11ª edição.

Atualmente, um técnico em informática com a ajuda de um contador poderá montar uma equação no programa EXCEL do computador, e o valor do ICMS embutido em cada base de cálculo do PIS/COFINS poderá ser detectado em alguns segundos.

Enfim, as nossas expectativas em torno da exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS/COFINS não são das melhores, porque a matéria envolve conhecimentos que extravasam dos limites da ciência jurídica. Impressão que eu tenho é que os insignes Ministros do STF não conhecem a metodologia de cálculo do ICMS embutido na base de cálculo do PIS/COFINS e partam para outras formas de exclusão. Há a possibilidade, também, de os embargos não serem conhecidos, porém, não é provável que isso venha a acontecer, tendo em vista o visível clima de insegurança jurídica reinante.

Certo ou errado, pouco importa, o STF deve fixar um critério objetivo e definitivo para tornar exequível a decisão que proferiu em sede de repercussão geral, e colocar os contribuintes a salvo da sanha dos agentes do fisco federal.

Por derradeiro, será um desastre total se a Corte Suprema acolher o pedido da Fazenda para modular os efeitos.

A concessão de efeito prospectivo além de afrontar a natureza ex tunc da declaração de inconstitucionalidade fere o princípio da legalidade tributária e vulnera em bloco os princípios da razoabilidade, da segurança jurídica, da proteção de confiança e da boa-fé objetiva. Neste caso concreto sequer existe pronunciamento de inconstitucionalidade de qualquer preceito legal para legitimar o efeito prospectivo.

O efeito prospectivo pretendido pela Fazenda Federal representará uma verdadeira puxada de tapete do contribuinte de boa-fé que exerceu o direito proclamado pela Corte Suprema, causando impactos de difícil reversão, porque os benefícios decorrentes da decisão do STF, proferida em 2017, já estão refletidos nos balanços anuais das empresas com as distribuições de lucros e dividendos a seus acionistas.

Finalmente, qualquer que seja a definição do STF quanto ao valor a ser excluído, haverá impacto no empresariado em geral, porque o critério de exclusão não vem sendo feito de forma uniforme. Neste caso, mesmo inexistindo declaração de inconstitucionalidade, por uma questão de justiça, entendo que deva ser dado efeito prospectivo à decisão, não para beneficiar a Fazenda, mas para respeitar o critério de exclusão do ICMS utilizado pelo contribuinte na hipótese de ser definido critério diverso pelo STF que ficou inerte por mais de seis anos.

E aqui fica registrada uma pergunta: como decidirá o STF quando a questão da exclusão dos valores dos PIS/COFINS da própria base de cálculo dessas contribuições sociais chegar à Corte? A tese dessa exclusão já está pacificada nas instâncias ordinárias e no âmbito do STJ.  Afinal, se o ICMS deve ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS com muito maior razão os próprios valores dessas contribuições sociais devem ser excluídos da respectiva base de cálculo. Dentro da lógica que norteou a decisão da Corte Suprema as contribuições sociais são tributos e não mercadorias passíveis de faturamento.

Como se verifica, a inovação legislativa via jurisprudencial cria problemas um atrás do outro gerando exclusões em cascata. Amanhã outras exclusões poderão ser pleiteadas como, por exemplo, a margem de lucro do comerciante que está contida no preço que serve de base de cálculo.

Aproveito para ponderar que ninguém é obrigado a concordar com o conteúdo deste artigo, pois em direito ninguém é dono da verdade, independentemente de qualquer titulação acadêmica. Já se foi o tempo de magister dixit.  O importante é que as divergências se situem no plano doutrinário com respeito às opiniões alheias.

 Se este texto for parar nas honradas mãos do Prof. Roque Antonio Carrazza, responsável pela tese da exclusão, ele certamente discordará, mas o fará com habitual humildade e sem arrogância como cavalheiro que é e sempre o foi. Conheci esse admirável Professor, sempre bem-humorado, nas minhas andanças pelo Brasil a fora nos Encontros Nacionais de Procuradores Municipais promovidos anualmente nas diversas capitais de Estados, em que ele acompanhava a sua dedicada esposa, Drª Elizabeth Nazar Carrazza que, como eu, integrava a Procuradoria Geral do Município de São Paulo e que veio a ser Reitora da Universidade Católica de São Paulo que muito orgulho trouxe para a classe dos procuradores municipais.

Eu me lembro que o Professor Roque Antonio Carrazza intervinha nos debates com elegância ímpar, expondo suas ideias com firmeza e clareza com a sua inteligência refletida no brilho de seus olhos fixos no auditório. O exemplo era seguido, também pelos Professores Celso Antonio Bandeira de Mello, Geraldo Ataliba, Eros Grau, Roberto Rosa, Tito Costa e de vez em quando, Hely Lopes Meirelles, o inesquecível municipalista brasileiro. Bons tempos de saudosa memória. Aprendi muito nos 20 anos que passei na Procuradoria Geral do Município convivendo com juristas de tamanha envergadura.

A minha admiração com o Prof. Roque Antonio Carrazza continua desde então, assim como o nosso respeito recíproco. Ao ler este texto certamente com ele não concordará, mas nem por isso tentará desqualificar o seu conteúdo que reflete a nossa vivência de 56 anos ininterruptos de exercício profissional dividido entre a advocacia pública e advocacia privada; docência universitária; palestras nos âmbitos nacionais e internacionais; entrevistas na TV e nas rádios; elaboração de obras jurídicas que já chegam a 38 livros publicados; elaboração e divulgação de artigos e monografias que beiram a quase mil; elaboração de mais de uma centena de pareceres, às vezes, em parceria com Prof. Eduardo Marcial Ferreira Jardim e com o Ministro Sydney Sanches, todos bem aceitos pela comunidade jurídica devido ao nosso estilo sintético e objetivo.

O estilo objetivo e sintético eu o desenvolvi na Consultoria Jurídica do Município, onde durante cinco anos lidamos com quantidades enormes de processos em época que não havia computador e tudo era redigido manualmente para encaminhamento ao setor de datilografia. Quando assumimos a Chefia da Consultoria fazíamos durante duas primeiras horas do expediente a triagem de processos e sua distribuição de acordo com a especialidade de cada procurador, com menção dos números de processos que tratavam de idêntica matéria. Os processos que antes demoravam oito ou nove meses passaram a demorar apenas sete dias para sair da Consultoria com o parecer exarado e referendado pelo Procurador Geral do Município. Hoje, não sabemos como andam as coisas por lá. Pena que o Judiciário não faça a triagem de processos para proferir decisões monocráticas em casos pacificados no Tribunal, ao invés de aguardar três anos para o julgamento de apelações, fato que estimula a interposição de recursos com finalidade protelatória.

SP, 3-5-2021.

Por Kiyoshi Harada

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