A proposta de unificação das contribuições sociais do PIS-COFINS (PL 3887), de iniciativa do Executivo, foi debatida por especialistas do IBEDAFT em duas oportunidades: uma, antes da apresentação formal do projeto legislativo, e na segunda oportunidade, quando foi debatido o Projeto Legislativo em epígrafe, na live do dia 17-8-2020, com a participação de Heleno Torres, Fernando Scaff, Roque Antonio Carrazza, Eduardo Jardim e Kiyoshi Harada, tendo atuado como mediador o Marcelo Harada.
Todos foram unânimes em acentuar a complexidade do projeto legislativo, bem como a brutal elevação de carga tributária em relação ao setor de serviços, mas não se chegou a discutir alternativas para melhoria da proposta do governo.
Com o propósito de contribuir para os debates e melhorar a proposta de unificação das legislações do PIS-COFINS apresentamos a seguir breves considerações que reputamos pertinentes.
1. A proposta de unificação das contribuições sociais do PIS-PASEP/COFINS veio em boa hora, para simplificar a legislação vigente, como bem esclarece a exposição de motivos.
De fato, a diversidade de diplomas legais regendo essas duas contribuições sociais que têm idêntico fato gerador, assim como, a dualidade de regime tributário (cumulativo e não cumulativo) fez com que as suas alíquotas variassem de 0%, 1,5%, 3,75%, 4,21%, 5,08%, 10,2%, 17,5% e 23,44%, conforme setores da atividade econômica.
Por maioria de votos, e em sede de repercussão geral, o STF, em recente decisão reputou constitucionais essas diferenciações, apesar de em “curso o processo de inconstitucionalização” (RE nº 607.642-RG, Rel. Min. Dias Tofolli. Sessão Virtual de 19.6.2020 a 26.6.2020). A proposta em discussão tem a virtude de acabar com essas distinções.
2. Contudo, em que pese o louvável esforço de seu nobre autor, o PL nº 3887/20 contém aspectos que implicará elevação da carga tributária em geral pela expansão da sua base de incidência, bem como um aumento desproporcional do tributo para o setor de serviços com a adoção de alíquota uniforme de 12% para os três setores da economia, sob o regime de tributação não cumulativa.
Outrossim, não há demonstração de que a fusão das duas contribuições pelo regime cumulativo e pelo regime não cumulativo alcance uma alíquota de 12%, sendo certo que a somatória das alíquotas de um e de outro regime situa-se em torno de 10,19% tributado por fora. Esse fato poderá gerar contestações, contribuindo para aumento da litigiosidade perante o Judiciário já congestionado.
3. A proposta legislativa em exame poderá trazer, também, uma grande insegurança jurídica pelas razões adiante apontadas:
- A nova contribuição, denominada de CBS, não tem previsão no art. 195 da CF a demandar, em princípio, a iniciativa por lei complementar (§ 4º, do art. 195 da CF);
- O fato gerador não é definido com clareza e objetividade remetendo-se ao conceito de receita bruta constante do art. 12 do Decreto-Lei nº 1.598, de 26-12-1977, que rege o imposto de renda, uma legislação dinâmica por natureza (art. 2º do PL);
- O inciso IV, do art. 12 do citado Decreto-lei nº 1.598/77 contém um conceito em aberto do que seja receita bruta;
- Tanto é que, apesar de a exposição de motivos, em seu item 6 frisar que a CBS “incidirá apenas sobre a receita decorrente do faturamento empresarial, ou seja, sobre as operações realizadas com bens e serviços em sentido amplo”, o § 1º, do art. 2º do projeto legislativo sob comento determina a sua incidência sobre “multas e encargos”.
- Exagerado o número de isenções, bem como de hipóteses de não incidência casuísticas quebra a neutralidade que deve manter um tributo de natureza arrecadatória não só tornando complexa a legislação tributária, como também acarretando a injusta absorção pelos contribuintes não beneficiados do montante das exonerações tributárias, que hoje atinge a elevada soma de R$300 bilhões.
4. Do exposto, entendemos que a melhor forma de simplificar a legislação unificada, perseguida pelo projeto legislativo sob comento, é a de adotar o regime cumulativo com alíquota de 3,65% ou aquela que for necessária para manter o atual volume de arrecadação.
Esse regime tributário harmoniza-se com o princípio da transparência tributária expresso no § 5º, do art. 150 da CF, o que não acontece com o regime não cumulativo. Para tanto, basta um diploma legal contendo 7 ou 8 artigos, a exemplo da Lei nº 9.718/98 em vigor, que contém apenas 8 artigos pertinentes ao PIS-COFINS.
O tributo bom é aquele simples e barato, independentemente, do seu regime de tributação. Ao tempo do antigo IVC, alíquota era de 6% sob regime cumulativo, o que propiciava a incidência de 18%, desde a fonte produtora até o consumidor final (fonte, atacadista, varejista e consumidor). O atual ICMS não cumulativo parte da alíquota inicial de 18% tributado por dentro, o que eleva a sua alíquota real. Uma alíquota nominal de 25% incidente sobre a energia elétrica, por exemplo, corresponderá a uma alíquota real de 33%. Isso conspira contra o princípio constitucional da transparência tributária de que falamos.
As isenções devem ser limitadas às operações realizadas no âmbito da Zona Franca de Manaus – ZFM – (arts. 40, 92 e 92-A do ADCT) e aquelas decorrentes de tratados e convenções internacionais de que faça parte o Brasil (art. 5º, § 2º da CF), bem como em relação aos produtos componentes da cesta básica discriminados no Anexo I, que beneficia a população em geral, porém, com expressa manutenção do crédito. Tudo o mais deve ser tributado, a fim de que se faça a justiça social, um dos princípios informadores da ordem econômica (art. 170 da CF). Está implícito na Constituição o dever de todos pagar tributos, para que o Estado possa prestar à população em geral os serviços de natureza essencial, bem como desenvolver as obras de infraestrutura destinadas a aumentar a capacidade produtiva do País. A política de incentivos fiscais deve ser substituída pela transparente política de subvenções sociais e econômicas (art. 3º, incisos I e II da Lei nº 4.320/64), mediante alocação de verbas respectivas no Orçamento Anual de cada exercício. O direcionamento de recursos financeiros arrecadados cabe à Casa do Povo.
Outrossim, impõe-se uma definição clara e objetiva do fato gerador da contribuição social unificada para expressar o conceito de receita ou faturamento a que alude a letra b, do inciso I, do art. 195 da CF no sentido de corresponder ao produto do faturamento pela venda de mercadorias e prestação de serviços, de conformidade com a conceituação tradicional. Movimentação de bens, sem que haja operação mercantil não configura receita ou faturamento. Mercadoria é bem destinado à sua comercialização. Não há distinção de natureza substancial entre bens e mercadorias, mas apenas de destinação.
Por fim, se mantido o regime não cumulativo entendemos que deva ser revista a alíquota de 12%, principalmente em relação ao setor de serviços, em obediência ao princípio da isonomia, que exige tratamento diferenciado para situações desiguais. Aliás, o projeto legislativo sob exame sinaliza a necessidade de atenuar a alíquota em relação ao setor de serviços, ao fixar o percentual de 5,8% para as instituições financeiras e afins.
5. A discussão de Reforma tributária radical, antes da reforma administrativa, para dimensionar o tamanho do Estado, não é oportuna, principalmente, em época de pandemia. Primeiro há que dimensionar o custo da manutenção do Estado enxuto para, ao depois, estimar o volume das riquezas dos particulares a serem transferidas compulsoriamente para o cumprimento das finalidades públicas.
Mas, uma reforma no nível infraconstitucional, como a que estamos examinando e nos termos das modestas sugestões acima será bastante oportuna para alavancar a economia no pós pandemia. Igualmente, seria desejável a fusão do IRPJ e a CSLL, cujo projeto legislativo conteria no máximo dois artigos: o primeiro revogando a Lei nº 7.689/1988 com as modificações sofridas, e o segundo artigo fixando o início de vigência da lei.
Kiyoshi Harada é Presidente do IBEDAT
SP, 13-9-2020