Dentro da política de inclusão social as políticas públicas para os diferentes setores da sociedade como educação infantil, construção de creches, cultura, transportes, saúde, lazer etc. ganharam espaços na mídia, com reflexo imediato sobre as administrações públicas.
As políticas públicas outras coisas não são senão as ações do governo para assegurar à população em geral os direitos nas mais diferentes áreas da sociedade, como forma de promover a qualidade de vida e o bem-estar geral.
São necessariamente ações do poder público para atendimento de interesse público relevante, tendo por finalidade a concretização de direitos assegurados na Constituição.
Exatamente por causa da articulação da política pública com os direitos e garantias constitucionais tornaram-se cada vez mais frequentes a atuação do Poder Judiciário nessa área.
No passado não muito remoto tivemos casos de ingerência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo na programação e execução de política pública pelo Município de São Paulo no setor de atendimento às crianças. O Tribunal havia determinado que a Prefeitura paulistana construísse 1.200 unidades de creches dentro do prazo representado pelo cronograma elaborado pelo Judiciário.
Embora a proteção das crianças seja matéria incluída dentre os direitos constitucionais salta aos olhos a exorbitância da decisão judicial apontada, por implicar ato de governo. Governar outra coisa não é senão aplicar os recursos financeiros previstos na Lei Orçamentária Anual – LOA – para a consecução das finalidades públicas.
A administração do Município não comporta um sócio para gerir o orçamento. Isso é incumbência privativa de quem está legitimado pelo voto popular. Nenhum membro do Poder Judiciário foi eleito para a função de governar.
A harmonia dos poderes não pode implicar dissociação com o princípio de independência dos poderes que é a pedra de toque do Estado Federal Brasileiro.
Atento a essas considerações o Supremo Tribunal Federal, em recente decisão, fixou os parâmetros para nortear as decisões do Judiciário no âmbito das políticas públicas.
A decisão foi motivada pelo fato de o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ter determinado a realização de concurso público para médicos e funcionários técnicos do Hospital Municipal Salgado Filho, bem como a correção de irregularidades apontadas pelo Conselho Regional de Medicina.
O Município atingido pela ordem judicial ingressou com o recurso extraordinário, onde se reconheceu a repercussão geral (Tema 698).
É até intuitivo que as providências determinadas pelo TJRJ implicam alocação de recursos orçamentários e avaliação e implantação da política pública na área da saúde como um todo, para abranger todas as unidades de saúde do Município.
Por isso, na esteira do voto proferido pelo Ministro Roberto Barroso, foi provido o recurso da Municipalidade do Rio de Janeiro, por maioria de votos. Em seu voto o Ministro Roberto Barroso asseverou “que a intervenção casuística do Judiciário coloca em risco a própria continuidade das políticas públicas de saúde, já que desorganiza a atividade administrativa e compromete a alocação racional dos escassos recursos públicos”.
Para a tese vencedora, a atuação do Judiciário deve ser pautada por critérios da razoabilidade eficiência, respeitado o espaço de discricionariedade do administrador público, sem interferir no mérito administrativo.
O Plenário da Corte Suprema firmou a seguinte tese de repercussão Geral:
1. A intervenção do Poder Judiciário em políticas públicas voltadas à realização de direitos fundamentais, em caso de ausência ou deficiência grave do serviço, não viola o princípio da separação dos poderes.
2. A decisão judicial, como regra, em lugar de determinar medidas pontuais, deve apontar as finalidades as serem alcançadas e determinar à Administração Pública que apresenta um plano e/ou os meios adequados para alcançar o resultado;
3. No caso de serviços de saúde, o déficit de profissionais pode ser suprido por concurso público ou, por exemplo, pelo remanejamento de recursos humanos e pela contratação de organizações sociais (OS) e organização da sociedade civil de interesse público (OSCIP) (RE nº 684612 – sessão virtual encerrado em 30/6/2023).
SP, 17-7-2023.
* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.645 de 18-7-2023.