Por que modificações nos critérios jurídicos do lançamento não podem retroagir?

Dentre os direitos e garantias fundamentais figura o da segurança jurídica que é espécie do gênero segurança (art. 5º do caput da CF).

Em um Estado Democrático de Direito a garantia constitucional da segurança jurídica não se conforma como a mera formalidade do império da legalidade. A segurança jurídica assume a feição de um verdadeiro pressuposto do direito caracterizado pela existência de um sistema jurídico regular do ponto de vista estrutural e funcional.

No plano abstrato implica atividade legislativa apta a produzir normas jurídicas coerentes e harmônicos com os direitos fundamentais, e no plano concreto pressupõe existência de um órgão administrativo ou judicial para aplicação correta as normas. A decisão do Judiciário é definitiva, cabendo a esse órgão jurisdicional aplicar as normas conformadas com os princípios constitucionais e repelir aquelas não conformadas com esses princípios. Sem a interação desses dois planos não cabe falar em segurança jurídica em seu sentido estrito.

Uma das características da segurança jurídica é a possibilidade de previsão do que o poder político do Estado pode fazer e não pode fazer.

O poder político só pode atuar nos limites das leis conformadas com os direitos e garantias fundamentais. Ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei (art. 5º, II do CF). É o princípio da legalidade. Não há crime ou pena sem lei, da mesma forma que não há tributo ou penalidade pecuniária sem prévia definição legal.

Por isso, a retroatividade é proibida no campo penal, salvo se for benéfica a nova lei (art. 5º, XL da CF), e é vedada, também, no campo do direito tributário (art. 150, III, a da CF). Aplica-se, contundo, retroativamente a lei tributária que venha beneficiar o contribuinte (art. 106 do CTN). Mas, de regra, lei tributária deve ser aplicada de acordo com o princípio tempus regit actum.    

A alteração “nos critérios jurídicos adotados pela autoridade administrativa no exercício do lançamento, somente pode ser efetivada, em relação ao mesmo sujeito passivo, quanto ao fato gerador ocorrido posteriormente à sua introdução” diz o art. 146 do CTN.

Por quê? Porque essa alteração nos critérios jurídicos adotados ao longo do tempo tem o mesmo efeito de uma lei nova que só poderá ser aplicada aos fatos ocorridos posteriormente à sua vigência.

O princípio de segurança jurídica assegura, pois a irretroatividade de novo critério jurídico no exercício do lançamento que venha a ser adotado pela autoridade administrativa competente.

Esquecido de que essa modificação no critério jurídico do lançamento tem a sua matriz no princípio da segurança jurídica, o fisco municipal vem promovendo o desenquadramento do regime especial de pagamento do ISS pelas sociedades uniprofissionais em decorrência de novo entendimento acerca dos requisitos para a sua fruição, retroagindo os efeitos desse desenquadramento à época em que o fisco tinha entendimento observado pelo contribuinte.

Aliás, a distinção feita pelo fisco municipal entre a sociedade uniprofissional e a sociedade pluriprofissional não tem amparo no § 3º, do art. 9º do Decreto-lei nº 406/68 que continua regendo a matéria, nem a jurisprudência consolidada pelo STF à época que o julgamento dessa questão era de sua competência (antes da criação do STF pela Carta Política de 1988). Contudo, aos poucos a jurisprudência do STJ está evoluindo no mesmo sentido da tese firmada, no passado, pela Corte Suprema.

SP, 19-3-2018.

 

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