Por que normas aparentemente claras suscitam tantas discussões?

Tanto na doutrina, e principalmente na jurisprudência está crescendo cada vez mais as discussões de normas aparentemente claras e objetivas. O provérbio in claris cessat intepretatio parece coisa do passado remoto.

Antigamente, quando iniciei a advocacia privada e depois, a pública,  não era assim. Será que esse dinamismo imprimido às interpretações divergentes é fruto do excesso de conhecimento acumulado pelos operadores do direito?

Dizia um velho Professor da Academia do Largo de São Francisco: “Excesso de cultura e conhecimento ofusca a mente do jurista que passa misturar noções jurídicas com noções meta-filo-jurídicas; você está se perdendo no meio do seu vasto conhecimento que lhe tira a visão jurídica.”

Ensinou-me, ainda, este grande mestre, que ao jurista cabe apenas e tão somente desenvolver atitude metal jurídica.

Penso que assistia inteira razão aquele grande mestre que tantas contribuições ao mundo do direito notadamente no campo do Direito Tributário, onde conseguiu reverter a desastrosa reforma tributária implantada pela Emenda nº 18/65 por meio da nova reforma que veio no bojo da Constituição de 1967. Refiro-me ao Prof. Geraldo Ataliba de saudosa memória.

De fato, tanto na doutrina como na jurisprudência encontramos interpretações de texto à luz de conceitos ou critérios que não são jurídicos e que por isso mesmo não são duradouros, seguindo-se constantes reformulações de pensamentos.

Noções como as de conveniência, oportunidade, justiça, ética, moralidade, felicidade, bondade ou maldade, economia etc., não devem nortear o critério interpretativo de normas jurídicas.

Do contrário “n” situações  injurídicas podem ocorrer: a) condenação à pena de prisão alguém que escriturou o valor do imposto indireto e deixou de recolhê-lo; b) inclusão de despesa na base de cálculo do IR; c) exclusão da base de um cálculo o valor de um tributo indireto; d) revisão pelo Judiciário ou pela Corte de  Contas do mérito do ato administrativo praticado pelo Executivo; e) inaplicação do percentual mínimo previsto em lei a título de ônus da sucumbência, por entender que o seu valor seria muito elevado etc.

Outrossim, não se pode equiparar duas categorias jurídicas distintas pelo exame do idêntico resultado produzido, sob pena de um dia equiparar o suicídio ao homicídio.

No mundo atual em que vivemos, onde tudo acontece em tempo real com milhares de informações e de informes que chegam ao nosso conhecimento por intermédio de modernos meios de comunicações de massa, é realmente muito difícil de separar com nitidez o que é matéria de direito daquilo que não o é. Difícil também distinguir entre o direito vigente no estrangeiro, donde vieram as informações, do direito positivo brasileiro. Por falar nisso, lembro-me de casos de servidores públicos municipais que tiveram desrespeitados os seus direitos adquiridos. Levou-se anos para pacificar a tese no STF no sentido da preservação do princípio constitucional do direito adquirido.

Porém, muitos dos servidores perderam a demanda do STF antes da consagração da tese correta, por conta da invocação da tese de que não há que direito adquirido em matéria de regime estatutário que é imposto unilateralmente pelo Estado, dentro da linha de ensinamento de Ripert. Esqueceu-se que na França o princípio do direito adquirido está no nível infraconstitucional e não no nível constitucional como acontece no Brasil. Entre nós na passagem de um regime jurídico para outro, por ato unilateral do Estado, há que se respeitar o direito adquirido.

Enfim, com tantos novos conhecimentos que surgem a cada momento dando origem às novas disciplinas, quer de forma original, quer em forma de desdobramento da disciplina preexistente, entendemos oportuno a criação de uma disciplina nas Faculdades de Direito versando sobre a hermenêutica jurídica que poderá contribuir para diminuir a confusão que a realidade atual tende a propiciar, misturando a ciência jurídica com as demais.

E aqui é oportuno esclarecer que não estamos condenando a interdisciplinaridade. O direito como um ramo cientifico que é, por óbvio, deve relacionar-se com as demais ciências, inclusive, com conhecimentos empíricos, porque o direito é uma ciência aplicada para reger a conduta dos homens entre si e com a sociedade e também com o Estado.

O que estamos pretendendo dizer é que uma vez elaborada a lei pelos representantes legitimamente eleitos pelo povo, representando a sua vontade média, essa lei há de ser interpretada segundo as regras da hermenêutica jurídica, com abstração de conhecimentos extrajurídicos, como a única forma de preservar a tranquilidade na sociedade por meio de uma jurisprudência estável. Ao intérprete final cabe perquirir a vontade objetiva da lei que é estável por intermédio da hermenêutica jurídica.

 

SP,

 

 

 

 

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