Muito se tem discutido acerca da unificação dessas contribuições sociais identificadas pelo mesmo fato gerador, o faturamento mensal da pessoa jurídica, assim entendido o total da receita bruta auferida independentemente de sua denominação ou classificação contábil.
Na verdade, a coexistência dessas duas contribuições com as alíquotas de 0,65% e 3%, ou 1,65% e 7,60%, conforme se trate de regime cumulativo ou de regime não cumulativo, respectivamente, atenta contra o princípio da razoabilidade, burocratizando a atividade econômica e encarecendo a produção de bens e serviços. Essa bitributação econômica ou bis in idem não é inconstitucional como a bitributação jurídica, mas ela contribui, em parte, para o alijamento de nossos produtos e serviços no globalizado mercado internacional, pois a burocracia dela decorrente tem pesado bastante nas 3.600 horas anuais de trabalho destinadas ao cumprimento das obrigações tributárias no nosso País. Essa burocracia incrível, aliada ao elevado nível de imposição tributária a cada ano está rebaixando o nosso País no ranking mundial da competitividade. Entre os países do Brics perdemos para a África do Sul e no âmbito latino-americano perdemos para o México.
Entretanto, os opositores da tese da unificação têm levantado inúmeras objeções. Examinaremos neste artigo duas delas que me parecem pertinentes: (a) cada contribuição tem uma destinação específica; (b) o perigo de a contribuição única descambar para o regime não cumulativo, onde a alíquota é de 7,60%.
Quanto ao primeiro aspecto não me parece procedente a crítica. É verdade que o PIS destina-se a financiar o programa do seguro-desemprego e o abono referido no § 3º, do art. 239 da CF.
Acontece que esse programa de desemprego e o abono em questão estão abrangidos pelo conceito de seguridade social que de conformidade com o art. 194 da CF “compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social”.
Daí porque, tanto o PIS, como a COFINS são contribuições sociais destinadas a financiar a seguridade social (art. 195, I, b da CF).
O fato de as contribuições de seguridade social ser fiscalizadas e cobradas pela Secretaria da Receita Federal, e não pelo INSS, não viciam essas contribuições, consoante pacifica jurisprudência do STF que de há muito afastou o entendimento em contrário manifestado pelo E. TRF5.
De fato, a contabilidade pública é o instrumento adequado para separar o produto de arrecadação de cada contribuição para sua destinação específica, não sendo necessária separação de órgãos arrecadadores. Afinal, o erário é um só. Pelo princípio da unidade de tesouraria (art. 56 da Lei nº 4.320/64) todas as receitas públicas devem convergir para o Tesouro, proibida a criação de caixas especiais.
A segunda objeção reside no receio de que a unificação das duas contribuições possa resultar em um único regime não cumulativo, com a alíquota de 9,25% contra os atuais 3,65% do PIS/COFINS cumulativo (0,65% e 3%, respectivamente).
Não se descarta esse risco tendo em vista a conhecida deslealdade do fisco que tem conseguido direcionar a aprovação de projetos legislativos no sentido inverso do que está na Constituição.
Na verdade, a menor ou maior carga tributária não reside no regime cumulativo ou no regime não cumulativo. Tanto um como o outro pode propiciar, em o querendo, uma tributação atenuada com vistas ao desenvolvimento econômico. Basta lembrar que no início da década de 90 a carga tributária situava-se em torno de 21% do PIB, contra os 36% de hoje.
Atualmente, temos a tributação não cumulativa do PIS/COFINS que veio à luz sob o manto da desoneração tributária, mas que na realidade propiciou recorde de receita logo nos primeiros meses de sua vigência.
Se o legislador ordinário adequasse a legislação preexistente ao disposto no § 12, do art. 195 da CF que manda definir os setores da atividade econômica para os quais as contribuições da espécie deverão ser não cumulativas, a carga tributária deveria situar-se bem abaixo em comparação ao que resulta do emprego do regime cumulativo.
Infere-se com lapidar clareza que quis o legislador constituinte aliviar a carga tributária dos setores de atividade econômica que têm uma cadeira produtiva maior, desde a fonte até o consumidor final, a fim de livrar aqueles setores da tributação em cascata. Mas, o que o fez o legislador ordinário?
Simplesmente fez tábula rasa ao comando constitucional e implantou ou manteve o regime não cumulativo, afastando-se do parâmetro setorial à medida que excluiu, por exemplo, as pessoas jurídicas integrantes do setor eleito que tivessem optado pelo regime de tributação pelo lucro presumido ou arbitrado em relação ao imposto de renda. A legislação, na verdade, estatuiu “n” exceções que ferem frontalmente o critério setorial adotado pela Carta Política.
E mais, contrariando o próprio conceito de não cumulatividade estabeleceu um limite arbitrário à compensação de créditos decorrentes de despesas necessárias à geração de receitas brutas sobre as quais incidem as alíquotas de 1,65% e 7,60% do PIS e COFINS, respectivamente, transformando o regime não cumulativo em regime semi cumulativo.
O certo é que a eventual unificação não poderá implicar ignorância do critério setorial esposado pelo citado § 12, do art. 195 da CF, mesmo porque as Leis nºs 10.637/02 e 10.833/03 foram recepcionadas segundo a jurisprudência do STF. O que se discute, ainda, perante a Corte Suprema é o limite imposto pela legislação ordinária ao direito de crédito decorrente dos insumos.
Entendo que a unificação, em tese, só trará benefícios em termos de economia no cumprimento das obrigações tributárias acessórias. Somente haveria a soma das alíquotas de 0,65% + 3% ou de 1,65% + 7,60 conforme se trate de contribuição cumulativa ou de contribuição não cumulativa, respectivamente. A nova contribuição, com o nome de PIS ou com o nome de COFINS ou outro nome qualquer teria que manter a dualidade do regime de tributação, pois sabidamente nem todos os setores da atividade econômica têm idêntico ciclo produtivo. E só aqueles setores de cadeia produtiva mais longa é que poderão ser enquadrado no regime não cumulativo que, repita-se, foi preconizado para promover a desoneração tributária ao teor do § 12, do art. 195 da CF.
Qualquer que seja o regime, se não houver vontade política para fazer valer o comando constitucional, garantia maior do contribuinte, não trará a ninguém a desejada segurança jurídica.
A alíquota maior ou menor dentro do quadro de tributação não cumulativa é irrelevante para o contribuinte do ponto de vista econômico. Alíquota maior implicará apuração da contribuição social em valor maior, mas ao mesmo tempo implicará apuração do crédito a ser compensado em valor maior. Enfim, tudo depende da boa-fé do legislador infraconstitucional de cumprir o preceito constitucional no sentido de desonerar os setores da atividade econômica submetidos a uma incidência em cascata em função do longo ciclo da cadeia produtiva, desde a fonte produtiva até o consumidor final.
Concluindo, somente aqueles setores de cadeia produtiva mais longa é que poderão ser enquadrados no regime não cumulativo que, repita-se, foi preconizado para promover a desoneração tributária ao teor do § 12, do art. 195 da CF. Se está produzindo efeitos contrários aos visados pelo legislador constituinte cabe aos tribunais levar em conta o princípio da supremacia das normas constitucionais determinando interpretação conformada com os preceitos da Constituição Federal.
SP, 17-11-14.
* Jurista, com 28 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.