Aparentemente esse tema não oferece maiores dificuldades. É preciso, contudo, ter em mente o caráter mercantil do imposto para colocar à salvo da tributação o transporte de carga própria, como decidiu reiteradamente o STF à época em que o imposto sobre o serviço de transporte era da competência da União. Não há razão para alterar aquele entendimento consagrado pela Corte Suprema só pelo fato de a competência impositiva ter-se deslocado para o âmbito dos Estados.
É imperioso lembrar, também, que são tributáveis pelo ICMS tão somente os serviços de transporte interestadual e intermunicipal, ainda que esses serviços tenham se iniciado no exterior.
Relevante, observar, entretanto, que os serviços de transportes interestaduais e intermunicipais não mereceram uma regulamentação específica pela Lei Complementar nº 87/96 de sorte a possibilitar a aplicação das alíquotas interestaduais e a aplicação do princípio da não cumulatividade que pressupõe destaque do ICMS a ser compensado nas operações subsequentes.
No que se refere ao transporte intermunicipal e interestadual de passageiros por via aérea o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da cobrança do ICMS exatamente por não permitir a aplicação do princípio da não cumulatividade e nem a aplicação de alíquotas interestaduais, visto que, o bilhete não comporta destaque do ICMS e o seu valor é cobrado na origem pela aplicação da alíquota interna. É o que restou decidido na ADI n 1600, Rel. Min. Sydney Sanches, Relator para acórdão Min. Nelson Jobim, DJ de 26-6-2003. Na oportunidade o Ministro Nelson Jobim adiantou que a mesma tese é aplicável em relação ao transporte rodoviário intermunicipal e interestadual.
Contudo, em relação ao transporte rodoviário de passageiros intermunicipais e interestaduais a mesma Alta Corte do País julgou improcedente a ADI n 2669 impetrada pela Confederação Nacional do Transporte, sob o fundamento de que se tratava de situação diferente. É fora de dúvida que essas decisões conflitantes se devem à mudança na composição do Supremo Tribunal Federal. Não temos dúvida em sustentar a falta de densidade jurídica da Lei Complementar n 87/96 para possibilitar a tributação pelo ICMS, tanto do transporte aéreo intermunicipal e interestadual, como do transporte rodoviário intermunicipal e interestadual.
Realmente, em relação ao serviço de transporte de passageiros não há lugar para aplicação da alíquota interestadual “nas operações e prestações que destinem bens e serviços a consumidor final, contribuinte ou não do imposto, localizado em outro Estado”.
De fato, passageiros não podem ser equiparados a bens e serviços destinados a consumidor final.
Como assinalamos no nosso livro “os Estados vêm aplicando a alíquota interna nos transportes terrestres interestaduais e intermunicipais fazendo vista grossa às alíquotas de 7% a 12% fixadas pelo Senado Federal nos termos do art. 155, § 2º, IV da CF, e impossibilitando o tomador pessoa jurídica de cr3editar-se do ICMS cobrado nas operações anteriores, vulnerando o princípio da não cumulatividade previsto no inciso I, do § 2º, do art. 155 da CF”[1].
Os serviços de transporte intramunicipal, assim entendidos aqueles que têm início e fim no mesmo Município são de competência impositiva municipal. Demais serviços, também, são tributáveis apenas pelos Municípios.
Logo, o valor dos serviços tributados pelos Municípios não pode integrar a base de cálculo do ICMS. Nesse sentido preleciona Hugo de Brito Machado: “Daí ser inadmissível a inclusão, mesmo através de lei complementar, do valor de determinados serviços na base de cálculo do ICMS” [2].
Assinale-se, contudo, desde logo, que a letra b, inciso IX, do § 2º, do art. 155 da CF ressalva a tributação do valor total da operação quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos municípios. São as hipóteses em que os serviços são executados como atividade-meio na operação de venda de mercadorias. Isso é muito comum nas industrializações feitas sob encomenda. Nessas hipóteses, o ICMS incide sobre o valor total da operação, nele compreendido o valor da mão de obra empregada. Os serviços tributáveis pelos Municípios são apenas aqueles especificados na lista de serviços e prestados como atividade-fim.
* Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
[1] Cf. nosso Direito financeiro e tributário. 25ª ed. São Paulo: Atlas, 2016, P. 500-5001.
[2] Curso de direito tributário. 32ª ed. São Paulo: Malheiros, 2011, p. 377.