Sejam as constituições analíticas ou sintéticas, nada há de mais importante para o Estado moderno, surgido a partir do século XVIII, que o constitucionalismo, movimento jurídico e politico cuja finalidade consiste em institucionalizar e limitar o poder estatal, resguardando aos indivíduos, sobretudo, o exercício de suas liberdades, públicas e particulares. Precisamente por isso, o Estado de direito advindo do constitucionalismo encerra seus pilares na submissão de todos à legalidade, na separação dos poderes estatais e no enunciado e garantia de direitos individuais.
O modelo de Estado Social, surgido no primeiro quartel do século XX, atribuiu ao constitucionalismo idêntico predicativo, introduzindo às cartas constitucionais direitos sociais, de caráter prestacional.
Mais de um século depois e, mais especificamente após a Constituição de 1988, a efetividade dos direitos sociais segue a ser, em nosso sentir, o principal desafio do Poder Judiciário. A garantia de direitos como saúde, educação, moradia, trabalho, transporte e previdência social passa por reconhecer eficácia a todos os dispositivos constitucionais, mesmo os de conteúdo programático. A tarefa é deveras dificultosa, especialmente em contextos que variam da inação à inanição dos Executivos e Legislativos pátrios, cuidando para não invadir as esferas precípuas de atribuição destes Poderes e para não ceder ao ímpeto de fazer justiça com o perecimento do mundo.
Neste cenário, o fenômeno da judicialização assoma mais real que nunca, na medida em que o Judiciário é acionado a preencher vácuos de poder estatal, sobremaneira de poder politico. Tudo pode, na medida em que assegurado o livre acesso ao Poder Judiciário; mas nem tudo deve ser judicializado. Muitos conflitos passam ao largo de uma governança de coalisão e há desconcertos que parecem ter sido talhados com a certeza de que sua concertação somente haverá de se realizar nos Tribunais.
Menos percebido que os dois já enunciados, há um relevante desafio que demanda destaque e reflexão: o afastamento quase absoluto dos Tribunais Superiores com as demandas individuais dos jurisdicionados.
Mais de três décadas de vigência da Constituição de 1988 vieram a consagrar o entendimento de que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e o Supremo Tribunal Federal (STF) – para não mencionarmos as Cortes Superiores especializadas – não constituem instâncias de mera revisão recursal. Nada obstante, STJ e STF, para além de sua própria jurisprudência defensiva, concebida como panaceia para inadmitir recursos excepcionais (muitos dos quais, diga-se, são manejados sem a observância dos pressupostos recursais), têm se mostrado coniventes com o abuso de suas próprias competências constitucionais, perpetrado por Tribunais de todo o país, que inadmitem recursos, em decisões de conteúdo padronizado e generalizante, ao prepotente argumento de que o recorrente não teria logrado infirmar as conclusões do acórdão recorrido (como se fosse dado ao próprio órgão julgador avaliar se o recurso manejado contra sua decisão reúne ou não condições de prosperar, no mérito).
Muito se diz, por outro lado, que não tocaria aos Tribunais Superiores rever se a decisão recorrida foi ou não justa, o que contraria toda a lógica do sistema de realização deste valor essncial a um Estado Democrático. Preenchidos os requisitos previstos em lei, é dever recompor a justiça do julgado, sem invocar o censurável sofisma que visa proibir a revaloração de elementos fáticos e probatórios, na medida em que o seu correto enquadramento jurídico encerra o núcleo da prestação jurisdicional, devendo ser realizado conforme a demarcação fática empreendida pelas instâncias ordinárias.
Analisando o conjunto dos desafios mencionados, tem-se que aumentam em complexidade na medida em que a judicialização da política, elevada exponencialmente face o acirramento ideológico dos mandatários e partidos, ocupa sensivelmente a pauta dos Tribunais Superiores, sem que exista qualquer preocupação de expor ao jurisdicionado como se verifica o preenchimento de tal pauta, gerando a sensação de que a definição dos temas a serem julgados encerra a discricionariedade de cada relator e Ministro-presidente. Temas que confeririam pacificação social a milhares de brasileiros, como o relacionado às diferenças de expurgos inflacionários em cadernetas de poupança, decorrentes dos longínquos planos econômicos Bresser, Verão, Collor I e II, permanecem, injustificada e literalmente, insensibilizados nos escaninhos ora virtuais do STF.