Essa questão ocupou um bom espaço na doutrina e na jurisprudência de nossos tribunais até que ela foi pacificada pelo STF, que editou a Súmula 656 no sentido de que “é inconstitucional a lei que estabelece alíquotas progressivas para o imposto de transmissão inter vivos de bens imóveis – ITBI, com base no valor venal do imóvel”.
Essa Súmula tem fundamento no precedente jurisprudencial da Corte Suprema que reformou a escorreita decisão do então Primeiro Tribunal de Alçada do Estado de São Paulo, para fixar a tese de que o ITBI sendo um imposto de natureza real não pode variar na razão presumível da capacidade contributiva do sujeito passivo[1].
Em primeiro lugar, não há classificação legal do que seja imposto de natureza pessoal e imposto de natureza real, nem nitidez doutrinária nessa classificação doutrinária, como antigamente. Somente o exame detido do fato gerador em seus múltiplos aspectos permite dizer que determinado imposto assume característica de um imposto de natureza pessoal ou real. Em segundo lugar, a capacidade contributiva está ligada, não à natureza do imposto, mas, exclusivamente à obrigação de pagar o imposto que é sempre de natureza pessoal.
Temos a convicção de que a progressividade foi condenada mais pelo aspecto da exacerbação das alíquotas, que de 2º que era cobrado ao longo de décadas, repentinamente, passou a ser de 2%, 4% e 6%. A fundamentação básica utilizada, no sentido de que sendo o imposto de natureza real não importa o aspecto subjetivo do contribuinte, não teve muito a ver com a decisão da Corte Suprema. Tanto é assim, que o imposto similar – o ITCMD – mereceu tratamento diferente pelo STF que declarou sob a égide da repercussão geral a constitucionalidade da alíquota progressiva em função do valor da herança nela incluído os bens imóveis[2].
A obrigação tributária é sempre pessoal e presume-se que quem adquire imóvel de valor venal mais elevado espelha objetivamente capacidade contributiva maior do que aquele que adquire imóvel de valor venal menor, o que faz incidir o disposto no § 1o do art. 145 da CF, segundo o qual os impostos serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte. Tenho a impressão de que se a progressividade variasse entre 0,5% até 2%, o resultado teria sido outro. Como é muito difícil comprovar o caráter confiscatório do imposto partiu-se, a meu ver, para a s9olução simplista condenando a progressividade do ITBI pelo aspecto da classificação de impostos em pessoal e real que nenhuma legislação está observando de algumas décadas para cá. O ITR e o IPTUI, outrora, protótipos de imposto de natureza real, hoje, acham-se impregnados de considerações de natureza subjetiva, para concessão de diversos tipos de incentivos fiscais. Em contrapartida, o imposto de renda das pessoas físicas, antigamente, exemplo típico de imposto de natureza pessoal, a cada ano que passa vem perdendo o seu aspecto subjetivo, a começar pela redução drástica das faixas de tributação que no passado remoto continha 13 faixas, atualmente, reduzidas a três, além da supressão gradativa de deduções voltadas para os aspectos pessoais do contribuinte.
*Jurista, com 31 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.
[1] RE nº 234.105=SP, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ 31-3-00.
[2] RE nº 562045-RG/RS, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 13-213.