Propostas de reforma tributária em discussão no Parlamento Nacional

Reforma tributária é a expressão da moda assim como a palavra “globalização” no final de década de 80 era a bola de vez. Qualquer palestrante que deixasse de pronunciar essa palavrinha mágica era tido como retrógrado, desinformado. No começo, no meio ou no final da palestra tinha que se referir à globalização mesmo não tendo a menor idéia do que se trata.

Assim é a “reforma tributária” que todos dela falam, mas muita pouca gente sabe do que se trata. Desses poucos que têm uma vaga idéia das reformas propostas mais se encantam com o discurso da simplificação, uma falsa bandeira dos proponentes da reforma que, na verdade, está destruindo o sistema lógico e racional existente substituindo-o por um amontoado de normas confusas e complexas e que serão executadas a título de experimento, ao longo de 15 ou 10 anos, convivendo com o atual sistema tributário para garantir as receitas de que necessita o Estado.

A PEC 119/19 de autoria do Deputado Luis Carlos Hauly que tramita no Senado reúne dez tributos incidentes sobre o consumo, 8 federais, o ICMS estadual e o ISS municipal em torno de um imposto incidente sobre operações sobre bens e serviços – IBS -, metendo uma alíquota linear de 25% e proibindo qualquer tipo de incentivo fiscal. Dizem que foi importado da Europa onde vigora o IVA. Só que nenhum país da comunidade européia, quase todos eles unitários e de diminuta dimensão territorial funciona como no modelo proposto no Brasil. É arrecadado por SUPERFISCO integrado pelos fiscos federal, estadual e municipal que fará a partilha do produto da arrecadação, vale dizer, fica tudo em mãos da União. Cria para a União um imposto seletivo incidente sobre produtos mais rendosos (combustíveis, bebidas, fumos, comunicações, automóveis novos etc.) agravando o centralismo fiscal da União.

A PEC 45/19 de autoria do Deputado Baleia Rossi, elaborado com base no trabalho realizado pelo economista Bernard Apy, já aprovada na Comissão Especial Câmara é menos ousado. Funde dois tributos federais além do ICMS e do ISS para formar o imposto incidente sobre bens e serviços – IBS. Sequer consta a expressão “operações” consignada na PEC 110/19 que serve para sinalizar que se trata de imposto de natureza mercantil. Bens e serviços é um conceito em aberto. Tudo cabe dentre desse conceito. É instituído por lei complementar (sinônimo de imposto federal) e é administrado por um Comitê Gestor composto de representantes da União, dos Estados, do DF e dos Municípios que terá competência normativa e poderes de representação extrajudicial e judicial. Qualquer jejuno em direito administrativo sabe são duas atribuições conflitantes. Para representar em juízo o Comitê não pode ter auditores fiscais na sua composição, e para exercer a fiscalização e arrecadação esse Comitê não poderá ter procurador (advogados públicos).

As duas PECs não poderiam passar pelo crivo da Comissão de Justiça e Constituição, por afronta ao princípio federativo que assegura autonomia aos Estados e Municípios (art. 18 da CF), princípio este protegido por cláusula pétrea (art. 60, 4º, inciso I da CF).

Lá pelas tantas um inteligente Deputado alertou que as duas propostas não podem andar separadamente: ou aprova uma ou aprova outra.

Aí houve criação de uma Comissão Mista para unificar as propostas sendo nomeado um Deputado como Relator. Só que no dia em que esse Deputado iria fazer a leitura do Relatório o Presidente da Câmara extinguiu a Comissão. Não foi propriamente uma puxada de tapete. É que o prazo regimental havia se esgotado.

Mas, esse Relatório está sendo utilizado na Câmara dos Deputados para fazer a reforma avançar. Fala-se em aprovação ainda neste semestre. É coisa de doidos!

Dei uma sapiada nesse Relatório 92 páginas que tem mais narrativas acerca das intermináveis audiências públicas em que nenhum tributarista de renome foi ouvido.

Até agora não assumiu a feição de uma reforma tributária. O que há é um amontoado de normas confusas em torno do que se denominou de IBS que não seria um imposto federal, nem estadual, muito menos municipal, mas um imposto de todos os entes federativos. Seus autores não têm a noção elementar do que seja competência tributária. Não pode um ente instituir o imposto e os três entes fixarem as suas alíquotas. A alíquota aplicável em cada operação seria a somatória das alíquotas fixadas pelas três entidades. Só que não há nenhum parâmetro para fixação dessas alíquotas. Cada ente poderá fixar a alíquota que der na cabeça. Diz o texto que na hipótese de omissão das três entidades políticas aplicar-se a alíquota de referência, a ser fixada nos termos do art. 119 do ADT que cuidas da não responsabilização dos entes federativos por omissão no período de 2020 a 2021 devido a pandemias da Covi9 19. Endoidaram de vez!

Esse grupo de trabalho que se formou em torno desse Relatório vai ouvindo pessoas e instituições públicas e privadas e incorporando alhures o que parecer palatável. Assim para atender ponderações dos defensores de pobres que rende visibilidade na mídia, inventou-se o cashbac que nada tem a ver com direito tributário. Quem são os “pobres” beneficiados ninguém sabe, nem se descobre. Muito provavelmente ficará a cargo da lei complementar apontar os pobres a serem beneficiados. Tudo que o legislador não consegue definir fica para lei complementar, como se outros fossem os legisladores que irão elaborar a lei complementar. Acolheu-se, também, o pleito da Associação Nacional de Municípios permitindo que o aumento da base de cálculo do IPTU fosse feito por decreto para conferir agilidade e eficiência, ignorando o princípio secular e universal da legalidade tributária. Amanhã poderá a Associação de Batateiros pleitear isenção sobre a comercialização da batata do tipo Bintije (importada da Holanda). A batata do tipo delta, importada da Alemanha teria uma alíquota maior para compensar a isenção da outra batata. E assim por diante. Nem vale a pena continuar a análise desse Relatório desastroso.

Finalmente, o Senador Oriovisto Guimarães apresentou a PEC 46/2023 que não interfere no pacto federativo, mas introduz complicações tanto no ICMS como no ISS criando o tal de Comitê Gestor. No mundo nada se cria, tudo se copia. Não faz menor sentido criar um Comitê gestor que está previsto na PEC 45/19 se a proposta do nobre Senador mantém a privatividade do ICMS e do ISS nas esferas dos Estados e dos Municípios, respectivamente. É como formar uma Comissão consigo próprio.

Para elaborar uma proposta de reforma tributária é preciso conhecer a realidade do País de dimensão continental, que gera naturais desníveis sócio-econômicos entre as várias regiões (Norte, Nordeste, Centro-Oeste, Sudeste e Sul). Daí a inserção do art. 151, I da CF que visa, por intermédio de incentivos fiscais, promover o equilíbrio socioeconômico entre as várias regiões do País com vistas à integração nacional, que é um dos objetivos permanentes do Estado Federal Brasileiro.

Outrossim, não é possível elaborar proposta de reforma tributária sem conhecer noções fundamentais de direito constitucional. O sistema tributário é um microssistema jurídico inserido dentro do Sistema Jurídico Global que é a Constituição.

O único sistema tributário compatível com a peculiar e i,mpar Federação Brasileira, onde convivem três entidades políticas juridicamente parificadas é o que se acha em vigor.

Conhecendo o sistema vigente e bem fácil remover os pontos de litigiosidade e de complexidade. A numerosidade de impostos não é e nunca foi fator de complexidade. Impostos diversos existem para que a carga tributária seja distribuída entre os diferentes segmentos da sociedade. Não faz sentido que um advogado, um juiz, um médico, por exemplo, tenha que pagar o IPI. O único imposto universal que temos é o imposto de renda que todos pagam.

A tão falada complexidade situa-se no nível infraconstitucional. Basta um tributo do tipo PIS/COFINS não cumulativo para tirar o sono do contribuinte. A cada dia, uma novidade por conta da indefinição do que seja insumo, objeto de dezenas de instruções normativas, pareceres etc.

No plano constitucional basta fazer pequenas alterações pontuais como a que propomos na Comissão Especial de Reforma Tributária na década de 90, para remover todos os pontos de litigiosidade que estão emperrando o Poder Judiciário. Na época foi dito que a minha proposta era simples demais e muito lógica, pelo que não seria aceito no Parlamento Nacional. Na verdade falta vontade política para tornar simples o sistema tributário vigente. Todos querem complicar cada um a sua maneira.

Jogar fora 35 anos de experiência com o atual sistema não é o caminho. Parodiando o brocardo popular que diz que é a panela velha que faz comida boa é certo dizer que o imposto bom é o imposto velho.

Certamente, agora, não é o momento para fazer reforma tributária estrutural. Uma reforma profunda como a que pretendem os reformistas deve vir no bojo de uma Assembleia Nacional Constituinte exclusiva, quando então se fará a reforma do Estado conferindo-lhe a forma federativa ou monárquica e definindo o sistema de governo, se parlamentarista ou presidencialista.

A excessiva carga tributária que recai sobre o consumo pode ser atenuada por instrumentos normativos infraconstitucionais. Não é preciso implodir o sistema tributário vigente! Aliás, o PIS/COFINS que de contribuição social só tem o nome poderia muito bem serem extintos. Tratou-se de uma invenção da astuta União para se livrar da partilha do produto de arrecadação de seus impostos privativos.

SP, 21-6-2023.

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