Sabe-se que a obrigação tributária surge com a ocorrência do fato gerador (§ 1º do art. 113 do CTN), isto é, com a subsunção do fato concreto à hipótese legal prevista. Em outras palavras, não há incidência de norma legal sem o suporte fático que, muitas vezes, os tribunais superiores se negam a conhecer, invocando Súmulas que impedem o conhecimento acerca de controvérsias de natureza fática, que não se confundem com a invocação de fatos certos e incontroversos que lastrearam as decisões recorridas de tribunais locais ou regionais.
Surgida a obrigação tributária, é preciso que a autoridade administrativa competente proceda o lançamento tributário referido no art. 142 do CTN, a fim de determinar a matéria tributável, identificar o sujeito passivo e apurar o montante do tributo devido. Ultimado o procedimento administrativo do lançamento segue-se a notificação do contribuinte, quando se tem por definitivamente constituído o crédito tributário (art. 145 do CTN). O crédito tributário tem a mesma, natureza da obrigação tributária (at. 139 do CTN), mas, que com ela não se confunde porque munida de liquidez e certeza inexistentes na obrigação tributária. Pode existir obrigação tributária sem o crédito tributário, mas, não pode existir o crédito tributário sem que antes tenha surgido a obrigação tributária. Realizado o ato de lançamento dentro do quinquênio legal cessa-se a cogitação de decadência (art. 173 do CTN), porque inicia-se, daí em diante, a fluência do prazo prescricional de cinco anos para a cobrança do crédito tributário (art. 174 do CTN). Por isso, pode-se dizer que o lançamento é o marco divisor entre decadência e prescrição, ambas sob a reserva de lei complementar (art. 146, III, b da CF), pelo que não cabe a aplicação subsidiária das normas do direito comum, pois esses dois institutos foram regulados por completo pelo CTN. Antes do lançamento, o prazo é de decadência, depois dele, o prazo é de prescrição. Em direito tributário, tanto a decadência, como a prescrição é causa de extinção do crédito tributário por expressa disposição do inciso V, do art. 156 do CTN.
Não realizado o lançamento no prazo legal de cinco anos tem-se por definitivamente extinto o direito à constituição do crédito tributário, que na terminologia do Código Tributário Nacional corresponde à extinção do crédito tributário. Na verdade, não há extinção do crédito tributário que resulta do ato de lançamento. Há isto sim, extinção do direito de constituir o crédito tributário pelo lançamento.
Recordemos, pois, as três modalidades de lançamento que constituem o crédito tributário previstas no CTN e estabelecidas pela legislação ordinária de cada ente tributante. E aqui é oportuno lembrar que não cabe ao aplicador alterar as modalidades de lançamento estabelecidas pela legislação ordinária competente, qualquer que sejam as suas razões, pois o lançamento é procedimento administrativo vinculado.
A primeira modalidade é o lançamento direto ou lançamento de ofício que fica a carga exclusivo da autoridade administrativa competente a quem cabe determinar a matéria tributável, identificar o sujeito passivo, apurar o montante do tributo devido e notificar o contribuinte ou o responsável tributário para efetuar o pagamento ou apresentar impugnação administrativa. O prazo decadencial de cinco anos conta-se na forma prevista no art. 173, inciso I e II e parágrafo único. A notificação do lançamento constitui definitivamente o crédito tributário que só pode ser alterado em caso de vícios formais do lançamento ou nas hipóteses de impugnação do sujeito passivo ou de recurso de ofício. Atendida a notificação, mediante pagamento do montante reclamado, extingue-se definitivamente o crédito tributário. Apresentada impugnação ou recurso administrativo fica ipso facto suspensa a exigibilidade do crédito tributário (art. 151, III do CTN), que não se confunde com a suspensão ou interrupção da prescrição. A interrupção só tem lugar com a propositura de protesto judicial, conforme prescreve o parágrafo único do art. 174 do CTN. Tirante a hipótese de crédito tributário com sua exigibilidade suspensa não há lugar para a aplicação desse instrumento processual, pois, se o crédito não estiver suspenso cabe ao fisco realizar a sua cobrança forçada, ao invés de ingressar com o protesto judicial.
Essa modalidade de lançamento oficial é oneroso ao sujeito ativo do tributo em termos de despesas administrativas, assim como fica atribuída ao fisco a responsabilidade pela errônea interpretação da legislação tributária. Por isso, o lançamento de ofício vem sendo abandonado pelo fisco em relação a impostos. Mas, ele continua sendo utilizado para o lançamento do Imposto Predial e Territorial Urbana – IPTU – pela legislação tributária de todos os municípios brasileiros.
A segunda modalidade de lançamento é aquela prevista no art. 147 do CTN que se dá por declaração, isto é, o sujeito passivo declara ao fisco todos os elementos componentes do fato gerador para que a autoridade administrativa, com base nesses dados fornecidos promova o ato do lançamento efetuando a ulterior notificação do contribuinte. Originariamente o imposto de renda era apurado por meio de lançamento por declaração. Nessa modalidade lançamento, recebida a declaração do contribuinte cabe à autoridade administrativa proceder ao lançamento nos termos da declaração apresentada pelo contribuinte se entender que as informações por ele prestadas são exatas e corretas. Se entender que elas são omissas nada impede de a autoridade administrativa utilizar-se do lançamento direito para haver a diferença faltante. Essa modalidade de lançamento é utilizada para a apuração do Imposto Territorial Rural – ITR – em que os dados fornecidos pelo contribuinte acerca das áreas do imóvel rural, total e a efetivamente utilizada para o cultivo, as áreas abrangidas pelas reservas florestais, áreas de preservação ambiental, as benfeitorias existentes e a produtividade anual, dentre outros elementos, são essenciais para a aplicação das alíquotas progressivas previstas na legislação tributária.
Por fim, temos o lançamento por homologação que parcela da doutrina denomina de autolançamento. O certo é que o ato do lançamento e privativa do agente administrativo competente (art. 142 do CTN). O fato de o contribuinte interpretar a legislação tributária e verificar a ocorrência do fato gerador apurando a montante do tributo devido segundo a legislação que rege cada espécie tributária não significa que ele está promovendo o lançamento. Cabe sempre à autoridade administrativa competente examinar as atividades praticadas pelo contribuinte e homologá-las expressamente ou de forma omissiva pelo decurso do prazo decadencial de cinco anos contados, a partir da data da ocorrência do fato gerador (§ 4º, do art. 150 do CTN). Homologada a atividade exercida pelo contribuinte ocorre simultaneamente a constituição do crédito tributário e a sua extinção em razão do pagamento antecipado realizado sem prévio exame do fisco.
Durante certo tempo vigorou na jurisprudência a tese dos cinco anos mais cinco anos, ou seja, decorridos os cinco anos sem pagamento do tributo sujeito ao lançamento por homologação, abre-se o prazo de cinco anos para proceder ao lançamento de ofício. Se somados os prazos das duas modalidades de lançamento o total resultaria em 11 anos, considerando-se que na contagem do prazo decadencial de cinco anos na modalidade de lançamento direto exclui-se o exercício em que o lançamento poderia ser efetivado (art. 173 do CTN).
Essa modalidade de lançamento é utilizada normalmente em relação a impostos cujos fatos geradores são contínuos, isto é, ocorrem mensalmente, como nos casos do IPI, do ICMS e do ISS, fato que tornaria extremamente oneroso para o fisco efetuar o lançamento direito. Se a legislação dispuser que a apuração do imposto deve ocorrer ao final de cada mês significa que o fato gerador ocorre no final de cada mês, passando a fluir dessa data em diante o prazo decadencial de cinco anos. Não se confunde a data da ocorrência do fato gerador com a data prevista para pagamento antecipado do tributo, sem prévio exame do fisco. Para proceder ao lançamento direto de eventual diferença do tributo pago pelo contribuinte o fisco tem o prazo de cinco anos a contar da data da ocorrência do fato gerador, ou seja, do prazo de cinco anos de que dispõe para homologar total ou parcialmente as atividades exercidas pelo contribuinte na apuração do montante do tributo a ser recolhido.
Essas noções, que se extraem do direito positivado, estão longe de obter unanimidade na doutrina e na jurisprudência por conta das interpretações isoladas que não se harmonizam com o ordenamento jurídico global. Só para citar, é frequente a afirmativa de que o crédito tributário só se constitui definitivamente com a final manifestação da administração no processo administrativo tributário onde é discutida a sua cobrança, confundindo procedimento administrativo do lançamento que termina com a notificação do lançamento, com o processo administrativo tributário que se instaura com a impugnação do contribuinte, buscando desconstituir total ou parcialmente o crédito tributário sob cobrança. Para desfazer eventual dúvida, pergunta-se, quem paga o tributo exigido pela notificação do lançamento extingue o crédito tributário provisório, ou extingue definitivamente o crédito tributário? Outrossim, se o crédito tributário sob cobrança é definitivo, pergunta-se, a sua impugnação administrativa pode convolá-lo em crédito provisório, ou aquela impugnação limita-se a suspender a sua exigibilidade? Finalmente, se o ato do lançamento é privativo da autoridade administrativa competente (auditor fiscal, agente fiscal de rendas, inspetor fiscal) como podem os membros do colegiado administrativo (CARF e TIT), onde há presença de representantes dos contribuintes, participar do ato de constituição definitiva do crédito tributário?
SP, 6-1-16.
Jurista com 30 obras publicadas, dentre as quais Direito financeiro e tributário, 24ª edição. Professor de Direito Financeiro, Tributário e Administrativo nos cursos de pós graduação em diferentes instituições de ensino superior. Acadêmico da Academia Paulista de Letras Jurídicas, da Academia Brasileira de Direito Tributário e da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador da Harada Advogados Associados. Ex Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.