Recuperação judicial e certidão negativa de tributos

A Lei nº 11.101/2005, conhecida como a nova lei de falências, instituiu a figura da recuperação judicial como forma de preservação da unidade produtora em dificuldade financeira momentânea. Só que ela exige, como condição para a concessão da recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sido objeto de impugnação por qualquer credor ou tenha sido aprovado pela assembleia geral dos credores, a apresentação de certidões negativas de débitos tributários. . Como é sabido, em tempos de dificuldade financeira, a primeira providência do empresariado é a de postergar o pagamento do crédito tributário que nem sempre é devido. Postergar pagamento de salários e de fornecedores seria o mesmo que assinar a sentença de morte.

A exigência das certidões negativas está expressa no art. 57, nos seguintes termos:

“Art. 57. Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembleia geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção dos credores, o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos do arts. 151, 205, 206, da Lei n. 5.172, de 25.10.1966 – Código Tributário Nacional”.

A expedição de certidão negativa ou positiva com efeito de negativa é matéria que se insere no âmbito do direito administrativo, portanto, dependente de lei de cada entidade política tributante.

Exatamente porque o art. 57 sob exame extrapola seus efeitos do âmbito da União ao se referir aos débitos de tributos em geral, o legislador nacional procedeu a inclusão do art. 191-A no Código Tributário Nacional, nos seguintes termos:

“Art. 191-A. concessão de recuperação judicial depende daapresentação da prova de quitação de todos os tributos,observado odisposto nos arts.151, 205 e 20 destaLei”.

O art. 57 da Lei nº 11.101/05 deve ser interpretado, não de forma literal, mas de forma sistemática de sorte a harmonizar-se com a ordem jurídica global. Do contrário, o plano de recuperação aprovado pela assembleia geral de credores irá terra a baixo, implicando a inutilidade e desperdício da movimentação da máquina judiciária.

É público e notório que o contribuinte brasileiro é obrigado a conviver com um sistema tributário complexo, confuso e dispendioso que lhe rouba anualmente 3.600 horas de trabalho só para dar cumprimento às obrigações tributárias, acessórias e principais. Por essa razão, o Brasil vem subindo no ranking de países mais burocratizados e sendo ao mesmo tempo rebaixado a cada ano que passa no ranking de competitibilidade de seus produtos e serviços mercado internacional globalizado.

Dentro do critério de interpretação sistemática deve ser levado em conta o contido no art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro que assim prescreve:

“Art. 5º Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige, os costumes e os princípios gerais de direito”.

Assim sendo, deve ser examinado o objetivo visado pela Lei de Recuperação Judicial, bem como da importância que a Constituição Federal dispensa aos agentes econômicos, assim como a realidade conjuntural em que uma das dificuldades econômico-financeiras das empresas em geral tem origem exatamente na elevada carga tributária e complexidade do sistema tributário em vigor de difícil operacionalização.

O objetivo da Lei n. 11.101/2005 está expresso em seu art. 47 in verbis:

“Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção de fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

A preservação da ordem econômica, não permitindo a supressão de uma unidade produtora que esteja atravessando momentaneamente uma situação de crise econômico-financeira, constitui o objetivo perseguido pela lei de recuperação judicial, porque a empresa sempre cumpre um importantíssimo papel na sociedade, quer gerando empregos, quer produzindo riquezas que propiciam as receitas públicas indispensáveis ao atendimento das finalidades do Estado. Por isso, pode-se afirmar que o preceito do art. 47 sob comento tem matriz constitucional no art. 170 da CF que versa sobre a ordem econômica e consagra o princípio fundamental da livre iniciativa, o qual pressupõe a prevalência da propriedade privada na qual se assenta a liberdade de empresa, a liberdade de contratação e a liberdade de lucro como marcos mínimos que dão embasamento ao regime econômico privado adotado pela Carta Magna.

Em razão da relevante função social desempenhada pelas empresas em geral, suas atividades econômicas são estimuladas pelo poder público por meio das agências oficiais de fomento, de conformidade com a política de aplicação dos recursos definidos na Lei de Diretrizes Orçamentárias (§ 2º, do art. 165 da CF). São os conhecidos financiamentos públicos a cargo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, do Banco do Brasil, da Caixa Econômica Federal, do Banco da Amazônia e do Banco de Desenvolvimento do Nordeste. Essas instituições financeiras não existem para desenvolver atividades especulativas, como as do setor privado, mas para dar apoio financeiro às empresas do setor industrial/comercial, do setor agrícola, do setor habitacional e daquelas localizadas na região da Amazônia e na região Nordeste, respectivamente.

E para as empresas em dificuldades econômico-financeiras momentâneas o Estado elaborou uma lei que permite devolver a sua saúde financeira e continuar cumprindo o seu papel na sociedade. É Lei de Recuperação Judicial que prevê um procedimento simplificado para as pequenas e microempresas dispensando-se a convocação de assembleia geral de credores, e o procedimento comum para as demais empresas.

Importante salientar, também, que ao contrário do que ocorre no procedimento judicial comum, na recuperação judicial o juiz limita-se a ficar na sua função fiscalizatória homologando o plano de recuperação apresentado pelos credores (arts. 45, 55 e 58). Por isso, Sergio Campinho, distinguindo o instituto da recuperação jurídica da sentença da recuperação jurídica, atribui ao instituto em questão uma feição contratual ao afirmar:

“[…] o instituto da recuperação judicial deve ser visto com a natureza de um contrato judicial, com feição novativa, realizável através de um plano de recuperação, obedecidas, por parte do devedor, determinadas condições de ordem objetiva e subjetiva para sua implementação” [1].

No mesmo sentido, Amador Paes de Almeida:

“Conquanto contenha elementos próprios, não perde, entretanto, a sua feição contratual, evolvendo com os credores compromissos de pagamentos a serem satisfeitos na forma estabelecida no respectivo plano. A natureza jurídica da recuperação judicial não se confunde com a sentença da recuperação judicial. Essa última é, inquestionavelmente, constitutiva, por isso, criando uma situação nova, implicando novação dos créditos (art. 59), altera sensivelmente as relações do devedor com seus credores. A natureza da sentença que concede a recuperação judicial é constitutiva, constitui algo novo, no entanto está é a natureza da sentença do pedido de recuperação judicial, e não da recuperação judicial propriamente dita, é bem mais abrangentes” [2].

De fato, uma vez apresentado pelo devedor o plano de recuperação, nos termos dos arts. 53 e 54, qualquer credor poderá manifestar sua objeção ao juiz (art. 55), hipótese em que o juiz convocará a assembleia geral para deliberar sobre o plano (art. 56). Rejeitado o plano cabe ao juiz decretar a falência (§ 4º do art. 57). Aprovado o plano pela assembleia geral [3] ou decorrido o prazo legal sem objeção de credores o juiz, após a apresentação das certidões negativas de tributos, concederá a recuperação judicial (arts. 57 e 58).

Pode-se concluir do exposto que na recuperação judicial o juiz nada impõe, limitando-se a homologar o plano de recuperação resultante do princípio de autonomia que preside a concordância ou discordância de cada credor. Por isso, Fábio Ulhoa Coelho enxerga na recuperação judicial um processo peculiar:

“A recuperação judicial é um processo peculiar, em que o objeto buscado – a reorganização da empresa explorada pela sociedade empresária devedora, em benefício desta, de seus credores e a empregados e da economia (local, regional, ou nacional) – pressupõe a prática de atos judiciais não somente pelo juiz, Ministério Público e partes, como também de órgãos específicos previstos em lei”.

São três os órgãos específicos da recuperação judicial: assembleia geral de credores, administrador judicial e comitê [4].

A interpretação literal do art. 57 implica desconsiderar todo o processado e ignorar a vontade dos credores expressa de forma autônoma, contrariando o princípio da razoabilidade que é um limite imposto à ação do próprio legislador.

Outrossim, a interpretação gramatical do art. 57 conflita abertamente com o disposto no art. 52 que se refere ao despacho de deferimento do processo de recuperação judicial nos seguintes termos:

“Art. 52. Estando em termos a documentação no art. 51 desta Lei, o juiz deferirá o processamento da recuperação judicial e, no mesmo ato:

I – nomeará o administrador judicial, observado o disposto no art. 21 desta Lei;

II – determinará a dispensa da apresentação de certidões negativas para que o devedor exerça suas atividades, exceto para contratação com o Poder Público ou para recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, observando o disposto no art. 69 desta Lei;

III – ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6º desta Lei, permanecendo os respectivos autos no juízo onde se processam, ressalvadas as ações previstas nos §§ 1º, 2º e 7° do art. 6º desta Lei e as relativas a créditos excetuados na forma dos §§3º e 4º do art. 49 desta Lei;

IV – determinará ao devedor a apresentação de contas demonstrativas mensais enquanto perdurar a recuperação judicial, sob pena de destituição de seus administradores;

V – ordenará a intimação do Ministério Público e a comunicação por carta às Fazendas Públicas Federal e de todos os Estados e Municípios em que o devedor tiver estabelecimento.

§ 1º O juiz ordenará a expedição de edital, para publicação no órgão oficial, que conterá:

I – o resumo do pedido de devedor e da decisão que defere o processamento da recuperação judicial;

II – a relação nominal de credores, em que se discrimine o valor atualizado e a classificação de cada crédito;

III – a advertência acerca dos prazos para habilitação dos créditos, na forma do art. 7º, § 1º, desta Lei, e para que os credores apresentem objeção ao plano de recuperação judicial apresentado pelo devedor nos termos do art. 55 desta Lei.

§ 2º Deferido o processamento da recuperação judicial, os credores poderão, a qualquer tempo, requerer a convocação de assembleia geral para a constituição do Comitê de Credores ou substituição de seus membros, observado o disposto no § 2º do art. 36 desta Lei.

§ 3º No caso do inc. III do caput deste artigo, caberá ao devedor comunicar a suspensão ao juízos competentes.

§ 4º O devedor não poderá desistir do pedido de recuperação judicial após o deferimento de seu processamento, salvo se obtiver aprovação da desistência na assembleia geral de credores”.

Verifica-se, portanto, que ao deferir o processamento da recuperação judicial, o juiz dispensa expressamente a certidão negativa de tributos de sorte a possibilitar o exercício de qualquer atividade econômica, ressalvada a participação em certame licitatório e a percepção de benefícios, incentivos fiscais e creditícios.

E mais, com o despacho de deferimento, o juiz ordenará a suspensão de todas as ações ou execuções contra o devedor, na forma do art. 6º, ressalvadas as ações aí mencionadas, dentre as quais se incluem a execuções fiscais que continuarão, porém, ressalvada “concessão de parcelamento nos termos do Código Tributário Nacional e da legislação ordinária específica”.

Visível é a contradição do art. 57 que exige a certidão negativa como condição para conceder a recuperação judicial depois de regulamente processada, com o art. 52, II que dispensa expressamente a apresentação dessa mesma certidão no pressuposto de que empresas que buscam a recuperação judicial estão atravessando uma crise econômico-financeiro acumulando passivos dentre os quais avulta os de natureza tributária por uma questão de sobrevivência da empresa. Se atrasar as obrigações com fornecedores ou com empregados, ou deixar de pagar os alugueres, contas de luz, água etc. a continuidade da atividade empresarial ficará comprometida de forma irremediável. Os tributos são sempre passíveis de discussão administrativa ou judicial, muitas vezes, resultando em cancelamento dos débitos por ilegalidade ou inconstitucionalidade tendo em vista o caos legislativo vigente em matéria tributária.

Não se pode perder de vista, também, que é sempre possível contar periodicamente com leis específicas de parcelamentos de débitos tributários. Exatamente por isso dispõe o art. 68 da lei de regência:

“As Fazendas Públicas e o Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, poderão deferir, nos termos da legislação específica, parcelamento de seus créditos, em sede de recuperação judicial, de acordo com os parâmetros estabelecidos na Lei 5.172, de 25.10.1966 – Código Tributário Nacional”.

Para adequar esse preceito do art. 68 às disposições pertinentes do CTN, o art. 1º da Lei Complementar n. 118/05 acrescentou os §§ 3º e 4º ao art. 155-A do Código Tributário Nacional, nos seguintes termos:

“§ 3º Lei específica disporá sobre as condições de parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial.

§ 4º A inexistência da lei específica a que se refere o § 3º deste artigo importa na aplicação das leis gerais de parcelamento do ente da Federação ao devedor em recuperação judicial, não podendo, neste caso, ser o prazo de parcelamento inferior ao concedido pela lei específica”.

Só que até hoje não há lei específica sobre parcelamento de créditos tributários do devedor em recuperação judicial, possibilitando a fruição do benefício nas três esferas impositivas.

Existe, na verdade, a superveniência do art. 43 da Lei nº 13.043, de 13 de novembro de 2014 que acrescentou o art. 10-A à Lei de n. 10.522, de 19 de julho de 2002, prevendo a faculdade de o devedor em regime de recuperação judicial pleitear parcelamento de seus débitos junto a Fazenda Nacional, em até 84 parcelas mensais.

Porém, de conformidade com o seu § 1º o pedido de parcelamento deve abranger a totalidade dos débitos da sociedade empresária em recuperação judicial, inclusive aqueles sob discussão judicial. Para isso, deverá o devedor comprovar a prévia desistência da discussão administrativa ou judicial, submetida ou não à causa legal de suspensão de exigibilidade, implicando a desistência a renúncia de quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundam a ação judicial e o recurso administrativo (§ 2º).

Esse art. 43 da Lei nº 13.043/14 não atende aos propósitos do art. 68 da Lei de recuperação judicial pelas razões seguintes:

(a) Aquele art. 43 só previu a possibilidade de parcelamento na esfera federal e o art. 57 da Lei n. 11.101/05 exige certidões negativas das três esferas políticas. Os 27 Estados e os mais de 5.550 Municípios não instituíram, ainda, o regime especial de parcelamento de que cuida o § 3º, do art. 155-A do CTN para que devedores em recuperação judicial pudessem substituir as certidões negativas exigidas pela lei de regência da matéria;

(b) O pedido de parcelamento, segundo o dispositivo legal sob comento, deve abranger a totalidade dos débitos tributários, alcançado aqueles com exigibilidade suspensa por força de impugnações administrativa ou judicial;

(c) O pedido de parcelamento implica desistência das vias administrativa ou judicial onde se discute o crédito tributário;

(d) A desistência implica, ipso facto, renúncia a quaisquer alegações de direito sobre as quais se fundam a ação judicial ou o recurso administrativo, incorrendo em manifesta inconstitucionalidade por ofensa aos princípios do devido processo legal e do contraditório e ampla defesa (art. 5º, incisos LIV e LV da CF).

Por outro lado, as leis gerais de parcelamento referidas no § 4º, do art. 155-A do CTN, também não existem[5]. O que vem sendo editado periodicamente são as leis de parcelamento com prazos de vigência exíguos. Além disso, há contratempos que impedem a obtenção de certidões negativas ou positivas com efeito de negativas por parte dos devedores em regime de recuperação judicial: quando estiver em vigor a lei de parcelamento na esfera federal, os prazos de parcelamentos nas esferas estadual e municipal podem estar findos e vice-versa. E mais ainda, exigir que os prazos de parcelamentos de créditos tributários estaduais e municipais não sejam inferiores ao prazo concedido pela lei federal específica, além de invadir as áreas de competência dos Estados e dos Municípios, acaba criando mais um obstáculo ao deferimento do parcelamento do devedor em regime de recuperação.

Por tais razões, ao comentarmos o art. 68 da Lei n. 11.101/05 consignamos:

“O instituto do parcelamento explica a aparente contradição entre o art. 57, que exige as certidões negativas de tributos para concessão da recuperação judicial, e o art. 52, II, que determina a dispensa dessas certidões no despacho que defere o processamento da recuperação judicial. Por isso, quando o art. 68 prescreve que as Fazendas Públicas e o INSS poderão deferir o parcelamento de seus créditos, deve-se entender não como mera faculdade do poder público, mas, como dever, desde que preenchidos os requisitos legais para a obtenção da moratória. Ao exigir as certidões, a lei parte do pressuposto de que só deve ser tentada a recuperação judicial das empresas com efetiva capacidade econômica para saldar, a longo prazo, tanto as dívidas abrangidas como as excluídas do processo de recuperação judicial” [6].

Uma vez aprovado o plano de recuperação pela assembleia geral de credores ou decorrido o prazo legal sem objeção de qualquer credor ao plano apresentado, a lei de regência exige o cumprimento de um dos três requisitos alternativos: (a) apresentação das certidões negativas de tributos; (b) exibição das certidões positivas de tributos com efeito de negativa; (c) obtenção de parcelamento de créditos tributários de conformidade com as normas do CTN.

Se há três requisitos alternativos, na faltante a lei específica de parcelamento de todos os créditos tributários do devedor em recuperação judicial, consoante a previsão do § 3º, do art. 155-A do Código Tributário Nacional, não pode o juiz fazer recair a exigência legal sobre a primeira das alternativas.

Conclui-se, portanto, que enquanto não existir leis específicas nas três esferas políticas possibilitando os parcelamentos de débitos tributários das empresas sob recuperação judicial na forma prevista no art. 68 da lei de regência impõe-se a concessão da recuperação judicial sempre que o respectivo plano tiver sido aprovado pela assembleia geral dos credores ou inexistir impugnação tempestiva de qualquer credor.

Não é outro o entendimento da jurisprudência de nossos tribunais conforme ementas abaixo:

“ EMENTA: Recuperação judicial – Certidões negativas de débitos tributários (Art. 57 da Lei 11.101/05) – Inadmissibilidade – Exigência abusiva e inócua – Meio coercitivo de cobrança – Necessidade de se aguardar, para o cumprimento do disposto no art. 57, a legislação específica a que faz referência o art. 68 da Nova Lei, a respeito de parcelamento de crédito da Fazenda Pública e do INSS – Dispensa da juntada de tais certidões – Agravo de instrumento provido” (Câmara Especial de Falências do TJSP, AI n. 456.393.4/8, Rel. Des. Romeu Ricupero, DJe de 22-11-2006).

“EMENTA: Recuperação Judicial. Aprovação do plano de recuperação judicial. Decisão que concede a recuperação judicial, com dispensa da apresentação das certidões negativas de débitos tributários exigidas pelo artigo 57 da Lei 11.101/2005 e artigo 191-A, do CTN. Recurso interposto pelo INSS. Reconhecimento da legitimidade e interesse em recorrer, como “terceiro prejudicado”, mesmo não estando os créditos tributários sujeitos à habilitação em repercussão judicial. Exigência do artigo 57 da LRF que configura antinomia jurídica com outras normas que integram a Lei nº 11.101/2005, em especial o artigo 47. Abusividade da exigência, enquanto não for cumprido o artigo 68 da nova Lei que prevê a edição de lei específica sobre o parcelamento do crédito tributário para devedores em recuperação judicial. Dispensa da juntada das certidões negativas ou das positivas com efeito de negativas mantida. Agravo desprovido” (Câmara Especial de Falências do TJSP, AI n. 005.16.982420-0, Rel. Des. Pereira Caldas, DJe de 31-1-2008).

“EMENTA: EMPRESARIAL, TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL – AGRAVO DE INSTRUMENTO – RECUPERAÇÃO JUDICIAL – DEFERIMENTO – AUSÊNCIA DE CERTIDÃO FISCAL NEGATIVA – POSSIBILIDADDE – INEXISTÊNCIA DE LEI COMPLEMENTAR SOBRE PARCELAMENTO DO DÉBITO TRIBUTÁRIO – RISCO DE LESÃO AO PRINCÍPIO NORTEADOR DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL – IMPROVIMENTO DA IREESIGNAÇÃO – INTELIGÊNCIA DOS ARTS. 47, 57 E 68 TODOS DA LEI Nº 11.101/2005 E ART. 155-A, §§ 2º E 3º DO CTN. A recuperação judicial deve ser concedida, a despeito da ausência de certidões fiscais negativas, até que seja elaborada Lei Complementar que regule o parcelamento do débito tributário procedente de tal natureza, sob risco de sepultar a aplicação do novel instituto e, por consequência, negar vigência ao princípio que lhe é norteador” (5ª Câmara Cível do TJMG, AI n. 1.0079.06.288873-4/001, Rel. Des. Dorival Guimarães Pereira, j. 29-5-2008, publicação da Súmula em 6-6-2008).

“EMENTA: DIREITO EMPRESARIAL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. EXIGÊNCIA DE QUE A EMPRESA RECUPERANDA COMPROVE SUA REGULARIDADE TRIBUTÁRIA. ART. 57 DA LEI N. 11.101/2005 (LRF) E ART. 191-A DO CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL (CTN). INOPERÂNCIA DOS MENCIONADOS DISPOSITIVOS. INEXISTÊNCIA DE LEI ESPECÍFICA A DISCIPLINAR O PARCELAMENTO DA DÍVIDA FISCAL E PREVIDENCIÁRIA DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO JUDICIAL.

1. O art. 47 serve como um norte a guiar a operacionalidade da recuperação judicial, sempre com vistas ao desígnio do instituto, que é “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

2. O art. 57 da Lei n. 11.101/2005 e o art. 191-A do CTN devem ser interpretados à luz das novas diretrizes traçadas pelo legislador para as dívidas tributárias, com vistas, notadamente, à previsão legal de parcelamento do crédito tributário em benefício da empresa em recuperação, que é causa de suspensão da exigibilidade do tributo, nos termos do art. 151, inciso VI, do CTN.

3. O parcelamento tributário é direito da empresa em recuperação judicial que conduz a situação de regularidade fiscal, de modo que eventual descumprimento do que dispõe o art. 57 da LRF só pode ser atribuído, ao menos imediatamente e por ora, à ausência de legislação específica que discipline o parcelamento em sede de recuperação judicial, não constituindo ônus do contribuinte, enquanto se fizer inerte o legislador, a apresentação de certidões de regularidade fiscal para que lhe seja concedida a recuperação.

4. Recurso especial não provido” (REsp n. 1.187.404-MT. Rel. Min. Luis Fernando Salomão. Corte Especial, DJe de 21-08-2013).

A doutrina majoritária, também firmou a mesma posição coincidente com a da jurisprudência, com raras exceções, tendo em vista a realidade em que o elevado passivo tributário tem sido a causa principal da ruína econômico-financeira das empresas em geral. A ninguém é dado ignorar que a carga tributária da ordem de 36% do PIB, agravada com proliferação de normas epidêmicas elaboradas com inusitado sadismo burocrático tem sido a causa do grande empecilho no desempenho regular da atividade empresarial.

Exatamente por isso sustentamos a posição contrária à exigência de certidões negativas afirmando:

“Essa exigência legal há de ser flexibilizada pelo juiz ante o examede cada caso concreto, para que o objetivo maior da nova Lei deFalências não seja frustrado. Do contrário, a recuperação judicialnão sairá do papel” [7].

Finalizando, o art. 57 da Lei n. 11.101/05 que exige as certidões negativas de tributos como condição para o juiz conceder a recuperação judicial não deve ser interpretado literal e isoladamente, mas de forma sistemática e teleológica, sob pena de vulneração do princípio da razoabilidade. A Lei de Recuperação Judicial veio à luz exatamente para que empresas em crises econômico-financeiras, decorrente de situação conjuntural desfavorável, possam vencer essa crise temporária e prosseguir em sua atividade econômica de forma a continuar cumprindo a sua função social, gerando riquezas tributáveis e propiciando emprego aos trabalhadores.

SP, 27-7-15.

* Jurista, com 30 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Site: www.haradaadvogados.com.br



[1] Falência e recuperação de empresa: o novo regime de insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 12-13.

[2] Curso de falência e recuperação de empresa: de acordo com a Lei n. 11101/2005, 25. ed. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 308.

[3] Não é preciso unanimidade dos credores, mas apenas o quorum previsto no art. 45 com a possibilidade de sua flexibilização pelo juiz a forma do § 1º, do art. 58.

[4] Manual de direito comercial: direito de empresa. 27 ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 420.

[5] A Lei n. 10.522, de 19-7-2002 disciplina apenas o parcelamento em 60 meses de débitos junto a Receita Federal do Brasil.

[6] Cf nosso Aspectos tributários da nova lei de falências, 2ª tiragem. Curitiba: Juruá, 2006, p. 34.

[7] Ob. cit. p. 86.

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