Redução de jornada e de salário do servidor público

dr kiyoshi 25-11-19

Kiyoshi Harada

Jurista e professor

Presidente do IBEDAFT

 

Dentre as medidas preconizadas pelo governo para conter as despesas públicas figura a reforma administrativa com foco na redução das despesas de pessoal, o segundo maior encargo financeiro do Estado, só perdendo para as despesas concernentes ao pagamento de benefícios previdenciários. O outro inimigo das finanças públicas é o serviço da dívida que, também, é combatido com a criação de um gatilho a ser disparado sempre que as operações de créditos excedam o montante das despesas de capital (art. 167, III) que a doutrina  denominou de regra de ouro das finanças públicas.

Mas, falemos da PEC EMERGENCIAL  que permite a redução da jornada de trabalho do servidor com a redução salarial de 25% nos próximos dois anos. Isso resolve o problema?

O governo fez o diagnostico da causa ou das causas do desequilíbrio orçamentário provocado pelo crescimento das despesas de pessoal?

Parece-me que não, pois, a ordem jurídica vigente não permite a expansão dessas despesas além dos limites fixados na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Outrossim, a Constituição e a LRF contêm mecanismos para eliminar as despesas excessivas com pessoal.

Senão vejamos.

O art. 19 da LRF fixa as despesas de pessoal na base de percentuais da receita corrente líquida: sendo 50% para União e 60% para os Estados e Municípios. E os limites por Poder estão fixados no art. 20:

 

I – Na esfera federal:

  1. a) 2,5% para o Legislativo, incluído o TCU;
  2. b) 6% para o Judiciário;
  3. c) 40,9% para o Executivo;
  4. d) 0,6 % para o Ministério Público

 

II – Na esfera estadual:

  1. a) 3% para o Legislativo, incluído o TCE;
  2. b) 6% para o Judiciário;
  3. c) 49% para o Executivo;
  4. d) 2% para o Ministério Público

 

III – Na esfera municipal:

  1. a) 6% para o Legislativo, incluído o TCM onde houver;
  2. b) 54% para o Executivo

 

Esses limites por Poder foram considerados constitucionais pelo STF por maioria de votos (ADI nº 2.238-8, Rel. Min.Ilmar Galvão, DJe de 12-9-2008).

Em seguida, o art. 23 e parágrafos apontam as providências a serem tomadas na hipótese de superação dos limites de despesas com pessoal, nos seguintes termos:

 

“Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percen­tual excedente terá de ser eliminado nos dois quadri­mes­tres seguin­tes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as provi­dências previstas nos §§ 3º e 4º do art. 169  da Constituição.

  • 1º No caso do inciso I do § 3º do art. 169 da Constituição, o obje­tivo poderá ser alcançado tanto pela extinção de cargos e funções quanto pela redução dos valores a eles atribuídos.
  • 2º É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.
  • 3º Não alcançada a redução no prazo estabelecido, e enquan­to perdurar o excesso, o ente não poderá:

I – receber transferências voluntárias;

II – obter garantia, direta ou indireta, de outro ente;

III – contratar operações de crédito, ressalvadas as desti­nadas ao

refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das

despesas com pessoal.

  • 4º As restrições do § 3º aplicam-se imediatamente se a ­despesa total

com o pessoal exceder o limite no primeiro quadri­mestre do último ano

do mandato dos titulares de Poder ou órgão referidos no art. 20”.

 

A PEC sob comento repetiu a norma que está no § 2º, do art. 23 da LRF que foi considerado inconstitucional pelo STF por ofender o princípio da irredutibilidade de vencimentos (Adin nº 2.238-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 9-5-2002). Em se tratando de direito fundamental protegido em nível de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV da CF) a proposta de emenda, nesse particular, padece do vício de inconstitucionalidade.

Outrossim, conforme escrevemos, as sanções dos incisos II e III, do art. 23 são inconstitucionais, pois a Constituição Federal já prescreveu no § 2º de seu art. 169 a sanção pelo descumprimento de prazos fixados na lei complementar, limitada à suspensão dos repasses de verbas federais ou estaduais dos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.

O legislador constituinte, nesse particular, não deu margem de liberdade ao legislador ordinário para estatuir sanções invadindo, inclusive, atribuições privativas do Senado Federal (art. 52, VII e VIII da CF).

 

SP, 22-11-19.

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Cf. nosso Lei de Responsabilidade Fiscal, São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2002, p.111.

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