Kiyoshi Harada
Jurista e professor
Presidente do IBEDAFT
Dentre as medidas preconizadas pelo governo para conter as despesas públicas figura a reforma administrativa com foco na redução das despesas de pessoal, o segundo maior encargo financeiro do Estado, só perdendo para as despesas concernentes ao pagamento de benefícios previdenciários. O outro inimigo das finanças públicas é o serviço da dívida que, também, é combatido com a criação de um gatilho a ser disparado sempre que as operações de créditos excedam o montante das despesas de capital (art. 167, III) que a doutrina denominou de regra de ouro das finanças públicas.
Mas, falemos da PEC EMERGENCIAL que permite a redução da jornada de trabalho do servidor com a redução salarial de 25% nos próximos dois anos. Isso resolve o problema?
O governo fez o diagnostico da causa ou das causas do desequilíbrio orçamentário provocado pelo crescimento das despesas de pessoal?
Parece-me que não, pois, a ordem jurídica vigente não permite a expansão dessas despesas além dos limites fixados na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Outrossim, a Constituição e a LRF contêm mecanismos para eliminar as despesas excessivas com pessoal.
Senão vejamos.
O art. 19 da LRF fixa as despesas de pessoal na base de percentuais da receita corrente líquida: sendo 50% para União e 60% para os Estados e Municípios. E os limites por Poder estão fixados no art. 20:
I – Na esfera federal:
- a) 2,5% para o Legislativo, incluído o TCU;
- b) 6% para o Judiciário;
- c) 40,9% para o Executivo;
- d) 0,6 % para o Ministério Público
II – Na esfera estadual:
- a) 3% para o Legislativo, incluído o TCE;
- b) 6% para o Judiciário;
- c) 49% para o Executivo;
- d) 2% para o Ministério Público
III – Na esfera municipal:
- a) 6% para o Legislativo, incluído o TCM onde houver;
- b) 54% para o Executivo
Esses limites por Poder foram considerados constitucionais pelo STF por maioria de votos (ADI nº 2.238-8, Rel. Min.Ilmar Galvão, DJe de 12-9-2008).
Em seguida, o art. 23 e parágrafos apontam as providências a serem tomadas na hipótese de superação dos limites de despesas com pessoal, nos seguintes termos:
“Art. 23. Se a despesa total com pessoal, do Poder ou órgão referido no art. 20, ultrapassar os limites definidos no mesmo artigo, sem prejuízo das medidas previstas no art. 22, o percentual excedente terá de ser eliminado nos dois quadrimestres seguintes, sendo pelo menos um terço no primeiro, adotando-se, entre outras, as providências previstas nos §§ 3º e 4º do art. 169 da Constituição.
- 1º No caso do inciso I do § 3º do art. 169 da Constituição, o objetivo poderá ser alcançado tanto pela extinção de cargos e funções quanto pela redução dos valores a eles atribuídos.
- 2º É facultada a redução temporária da jornada de trabalho com adequação dos vencimentos à nova carga horária.
- 3º Não alcançada a redução no prazo estabelecido, e enquanto perdurar o excesso, o ente não poderá:
I – receber transferências voluntárias;
II – obter garantia, direta ou indireta, de outro ente;
III – contratar operações de crédito, ressalvadas as destinadas ao
refinanciamento da dívida mobiliária e as que visem à redução das
despesas com pessoal.
- 4º As restrições do § 3º aplicam-se imediatamente se a despesa total
com o pessoal exceder o limite no primeiro quadrimestre do último ano
do mandato dos titulares de Poder ou órgão referidos no art. 20”.
A PEC sob comento repetiu a norma que está no § 2º, do art. 23 da LRF que foi considerado inconstitucional pelo STF por ofender o princípio da irredutibilidade de vencimentos (Adin nº 2.238-DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, j. 9-5-2002). Em se tratando de direito fundamental protegido em nível de cláusula pétrea (art. 60, § 4º, IV da CF) a proposta de emenda, nesse particular, padece do vício de inconstitucionalidade.
Outrossim, conforme escrevemos, as sanções dos incisos II e III, do art. 23 são inconstitucionais, pois a Constituição Federal já prescreveu no § 2º de seu art. 169 a sanção pelo descumprimento de prazos fixados na lei complementar, limitada à suspensão dos repasses de verbas federais ou estaduais dos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios.
O legislador constituinte, nesse particular, não deu margem de liberdade ao legislador ordinário para estatuir sanções invadindo, inclusive, atribuições privativas do Senado Federal (art. 52, VII e VIII da CF).
SP, 22-11-19.
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Cf. nosso Lei de Responsabilidade Fiscal, São Paulo: Ed. Juarez de Oliveira, 2002, p.111.