Para dar continuidade aos programas de inclusão social, a partir do ano de 2024, uma das prioridades do governo Lula que se inicia em 1º de janeiro de 2023 é a de implantar a reforma tributária no nível da legislação ordinária, para aumentar a arrecadação de tributos. Não será possível aprovar a reforma tributária neste ano, para entrar em vigor no início de 2023. O financiamento do Bolsa Família no exercício de 2023 terá como seu fonte o crédito público, aumentando o endividamento do país que chega perigosamente a quase 80% do PIB.
Nesse sentido, a prioridade do novo governo será a reforma centrada na tributação dos dividendos e na supressão da dedução dos juros sobre o capital próprio.
Como se sabe, o PL nº 3.129/2019, de autoria do Deputado Luís Miranda, que versa sobre essa matéria foi aprovado na Câmara dos Deputados com atropelo de normas regimentais, levando ao plenário a votação do texto original mexido e remexido na calada da noite, sem prévia ciência dos demais deputados.
Tudo foi aprovado sob o rolo compressor acionado pelo Presidente da Câmara dos Deputados, deputado Arthur Lira.
Porém, esse projeto legislativo sofreu um esfriamento no Senado Federal, presidido pelo ponderado senador Rodrigo Pacheco e, até hoje, ele não teve seguimento.
A pretendida tributação dos dividendos representa um verdadeiro retrocesso legislativo, anulando as conquistas da Lei nº 9.249/95 que aboliu a tributação dos dividendos e permitiu a dedução dos juros sobre o capital próprio.
Note-se que antes do advento dessa desoneração, a carga tributária no Brasil representava em torno 26% do PIB, empatando com a dos países do Mercosul. Hoje, ela é de 33% do PIB, sendo certo que a receita tributária, em sua maior parte, tem origem na receita bruta, isto é, tributação antes de apurado o lucro das empresas.
O governo central encontrou uma forma de efetuar arrecadação considerável por meio do PIS/COFINS, sem ter que partilhar o produto de sua arrecadação com Estados e Municípios.
O IRPJ teve a sua tributação majorada por meio do adicional do IR introduzido pela Lei nº 9.249/95 e pela criação da CSLL pela Lei nº 7.689/88 para financiar, parcialmente, a Previdência Social.
Agora, o malsinado PL nº 3.129/2019 pretende tributar a distribuição de dividendos distribuídos a sócios/acionistas à alíquota de 20%, oferecendo em compensação a redução do IRPJ em 5%.
Ora, o que levou a Lei nº 9.249/95 a abolir a tributação dos dividendos foi exatamente a persistência da tributação do PIS/COFINS, recaindo sobre a receita bruta, que representa uma tributação indireta dos lucros.
Logo, a medida da compensação para o retorno da tributação dos dividendos só poderia ser a total extinção das contribuições do PIS/COFINS.
Do contrário, a atual carga tributária de 33% do PIB saltará para um patamar sem paralelo nos demais países do mundo, com exceção da Suécia, onde o Estado tudo provê para o cidadão.
Outro fator que levou à extinção da tributação dos lucros e dividendos repousava na dificuldade operacional de o fisco detectar os milhares de casos de Distribuição Disfarçada de Lucros – DDL – que poderá vir à luz, caso aprovado esse PL nº 3.129/2019, cautelosamente brecado pelo Senado Federal.
Contudo, se depender de negociação com o futuro governo para a reeleição do atual presidente do Senado, aquele projeto poderá ser rapidamente aprovado.
Outra reforma infraconstitucional, para elevar a carga tributária, é a representada pelo PL nº 3.887 que, a pretexto de simplificar a legislação do PIS/COFINS, apresenta uma proposta complexa e prolixa contendo 131 artigos, mais do que a soma das duas legislações, a do PIS e a da COFINS.
Em meio a emaranhado de normas confusas, que sequer consegue definir o fato gerador das contribuições unificadas, a Contribuição Social sobre Bens e Serviços – IBS – toma de empréstimo o art. 12 do Decreto-lei nº 1.598/77, que define a receita bruta para fins do imposto de Renda.
Só que essa norma definidora da hipótese de incidência do IBS contém uma norma em aberto, pois, após definir as três hipóteses de incidência consignou uma quarta hipótese referente a “demais hipóteses não abrangidas nas anteriores”. Isso em termos de direito tributário, caracterizado pelo princípio da tipicidade, é um desastre total.
Para simplificar a tributação bastariam tão somente 5 (cinco) artigos definindo o fato gerador da nova contribuição, a base de cálculo, a alíquota, e os contribuintes, além de prescrever o regime tributário a ser adotado (cumulativo ou não cumulativo e de incidência por dentro ou de incidência por fora).
Alternativamente, poderia simplesmente revogar toda a legislação da COFINS mantendo apenas a do PIS, com alteração de sua denominação e majoração da sua alíquota, para possibilitar receita equivalente ao produto de arrecadação das duas contribuições gêmeas.
Só que isso seria muito simples e transparente, não possibilitando a brutal elevação da carga tributária oculta por via de normas confusas e nebulosas.
Meteu-se uma alíquota linear de 12% para todos os bens e serviços para serem tributados pelo regime não cumulativo.
Atingiu em cheio o setor de prestação de serviços que nada têm a deduzir ou a compensar. O único insumo para os escritórios de advocacia, por exemplo, seria a despesa com a folha que a proposta legislativa não permite deduzir.
Logo, essa alíquota de 12% não cumulativa equivale, na realidade, a alíquota cumulativa para mo setor de serviços.
Isso viola ostensivamente o princípio da isonomia por implicar tratamento igual para situações desiguais.
Esse princípio é duplamente violado à medida que a proposta legislativa prevê a alíquota de 5,8% para o setor de serviços bancários e afins.
Por tais razões já manifestamos, em diversas ocasiões, nosso repúdio ao PL nº 3.887. Na condição de presidente do IBEDAFT oficiamos aos presidentes das duas Casas do Congresso Nacional apontando as inconstitucionalidades da proposta legislativa sob exame.
As reformas tributárias no Brasil, quer em nível constitucional, quer em nível infraconstitucional, somente centram no aumento da pressão tributária.
Ninguém se preocupa no aspecto fiscal, mais precisamente, na diminuição de despesas.
É preciso repensar no gasto qualitativo, principalmente, nas despesas de investimento que geram riquezas em médio e longo prazos.
Mas, lamentavelmente, as verbas a esse título consignadas nas LOAs são íntimas, apesar da cláusula de ouro das finanças públicas inserida no inciso III, do art. 167 da CF.
O despesismo tomou conta de nossos governantes nas três esferas políticas e, também, nas três esferas de Poder que têm autonomia orçamentária, o que é inédito no mundo moderno.
A ordem é gastar, gastar e gastar, empurrando com a barriga as dívidas para o futuro.
Estados e Municípios vêm procrastinando o pagamento dos precatórios, desde o advento da Constituição de 1988 (art. 33 ADCT). Depois vieram as Emendas Constitucionais de nºs 30/2000, 62/2009, 94/2016, 99/2017 e 109/2021 que postergou o pagamento de precatórios para 31-12-2029.
A União, também, aderiu ao programa de calote de precatórios por meio da PEC “kamikaze” convolada na EC nº 114/2021 que prevê, até o final do exercício de 2026, a supressão parcial na alocação de recursos nas propostas orçamentárias das despesas oriundas de condenação judicial, em valor equivalente à despesa paga a esse título no ano de 2016, corrigido na forma do § 1º, do art. 107 do ADCT.
Pergunta-se, como ficará no ano de 2027 com aqueles precatórios represados?
A resposta é óbvia! Impõe-se um novo calote.
Outra alternativa seria a de enxugar despesas inúteis e até perniciosas. Mas, isso para a classe política, nem pensar!
Quando se busca uma solução fora da ordem jurídica, violentando preceitos fundamentais da Constituição, criam-se problemas em cascata com os efeitos maléficos imprevisíveis repercutindo no tempo de forma indefinida.
SP, 17-11-2022.
* Artigo publicado no Portal Migalhas, edição nº 5.480 de 18-11-2022.