Desde a década de noventa a bandeira da reforma tributária vem sendo agitada periodicamente como um pretexto para elevar o peso da carga tributária. É assim que o nível de imposição tributária de 27% passou para os atuais 36% do PIB, o que torna o Brasil o país que mais tributa no planeta se levada em conta a falta de retorno em termos de prestação de serviços públicos.
Com o desarquivamento da PEC nº 31/07, coincidindo com a sua divulgação pelo ilustre Relator, o insigne Deputado Luiz Carlos Hauly, veio à luz a elevação das alíquotas do IOF e a recondução das alíquotas do PIS/COFINS-Importação incidentes sobre derivados de petróleo, como alternativas para recriação da CPMF ou implantação do IGF. Se declarada a inconstitucionalidade do Decreto nº 9.101/17 pode-se ter a certeza de que aumentos de outros tributos (contribuições sociais e imposto de renda[1]) virão em face da espantosa precariedade dos serviços públicos essenciais por falta de recursos financeiros que, entretanto, nunca faltaram para sustentar uma máquina administrativa inchada, ociosa e ineficiente.
Só que a sociedade pagante não mais suporta o peso da carga tributária que desde a década de noventa não para de crescer. É preciso interromper de vez o círculo vicioso: aumento de tributos que causa a recessão econômica que provoca queda de arrecadação que, por sua vez, conduz ao novo aumento tributário que causa, igualmente, uma nova recessão. Por que não experimentar baixar drasticamente a carga tributária para causar a expansão de economia que propicie uma arrecadação razoável?
Os tributos visíveis, isto é, aqueles que têm enquadramento em uma das cinco espécies tributárias, somados aqueles inominados ou clandestinos consomem o equivalente a 50% da receita bruta. E destes 50% mais da metade representam tributação sobre o consumo embutida nos preços das mercadorias e dos serviços. Aliás, os ditos tributos visíveis não são tão visíveis assim, por conta do nebuloso regime de tributação por dentro, em contraposição à tributação por fora que prima pela transparência à medida que separa o preço da mercadoria ou do serviço do valor do tributo pertencente ao fisco. Esse regime transparente não é adotado pelo sistema tributário brasileiro porque inviabiliza a sonegação fiscal e nem suscita discussões de teses jurídicas homéricas e empolgantes para serem lentamente dirimidas, caso a caso, pelo Poder Judiciário em atendimento aos pleitos formulados por advogados criativos que partem em socorro às empresas sufocadas pelo peso da tributação. No nosso modo de entender fazer o tributo incidir sobre si próprio [2] é bem pior do que incluir o valor de um tributo na base de cálculo de outro. Mas, a nossa proposta de acrescer o § 8º ao art. 150 da CF vedando a inclusão do valor do tributo na sua base de cálculo e na de outros tributos nunca foi levada a sério. Há uma insuperável cultura da nebulosidade tributária que vem de tempos imemoriais.
Por conta deste sistema nebuloso, somente para citar, na tarifa de energia elétrica tributada pelo ICMS (25% contra os 18% das demais mercadorias), PIS, COFINS e COSIP, sem que o consumidor saiba, estão embutidos os encargos financeiros referentes a TUSD – Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica; TUST – Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica; CCC – Conta de Consumo Combustível; RGR – Reserva Global de Revisão; CFURH- Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos; ESS – Encargo de Serviços do Sistema; ONS – Taxa de Operador Nacional do Sistema; EER – Encargo de Energia Elétrica; e P & D – Investimentos em Pesquisas e Desenvolvimento e Eficiência Energética; e CDE – Conta de Desenvolvimento Energético dos Estados. Todos os valores desses encargos são repassados à tarifa de energia que é a base de cálculo do ICMS.
Quanto a TUSD e a TUST, na verdade, TRASTES, o STJ já determinou a exclusão desses valores da base de cálculo do ICMS (AgRg no REsp nº 1408485/SC), ao passo que, a CDE é objeto de ação declaratória de inexigibilidade impetrada pela Fiesp e pela Ciesp perante 16ª JF de Brasília, onde foi deferida a tutela antecipatória para determinar a exclusão do valor desse encargo da base de cálculo do ICMS (Proc. 0039957-66.2016.4.01.3400/JFDF, 16ª VJF).
Semelhantes penduricalhos estão embutidos nos preços das tarifas telefônicas, igualmente tributadas com alíquota de 25% do ICMS e pelo PIS/PASEP e pela COFINS. São eles: FUSTA – Fundo de Universalização do Serviço de Telecomunicações; FUTTEL – Fundo de Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações; FISTEL – Fundo de Fiscalização das Telecomunicações; outros fundos poderão ser criados a qualquer momento sob diferentes siglas sem conhecimento da população.
Fala-se, agora, em elevar a contribuição previdenciária dos servidores públicos da União. Estamos de acordo, desde que se mantenha a alíquota de 11% incidente sobre o valor do vencimento básico e confira caráter extrafiscal em relação às verbas de natureza pessoal, instituindo faixas de tributação progressiva em função do valor e do número de benefícios auferidos: auxílio transporte; auxílio moradia; auxílio alimentação; auxílio paletó; auxílio creche; auxílio excesso de serviços acumulados etc. A alíquota progressiva começaria com modesto 50% progredindo em função dos valores e quantidades de benefícios auferidos até atingir 100%. [3]
Dir-se-ão que isso afugentaria os bons servidores públicos implicando queda de qualidade e eficiência no serviço público. Creio que não, considerando que cada conquista remuneratória é seguida de maior ociosidade e ineficiência. Os bons servidores públicos dedicam-se com afinco ao serviço público independente dos penduricalhos. Aliás, o atual teto salarial de 39,2 mil é mais do que suficiente para não desestimular os servidores eficientes e trabalhadores. Normalmente os que reclamam do “baixo” salário, sempre comparado com os salários do setor privado, são aqueles que não conseguem uma colocação na iniciativa privada que exige zelo, competência, dedicação, qualidade e produtividade que faltam no setor público. Por isso, se agarram com unhas e dentes aos cargos públicos sustentados pelos contribuintes.
A manutenção de escolas de governo para aperfeiçoamento de servidores públicos de que trata o § 2º, do art. 39 da CF não se confunde com a implantação de uma política de supersalários incompatível com o quadro econômico recessivo vivenciado pela sociedade em geral.
SP, 17-8-17.
* Jurista, com 32 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica.
[1] Elevação da alíquota da contribuição previdenciária e a tributação de lucros e dividendos que atingirá em cheio as sociedades de profissionais liberais.
[2] Todos os tributos indiretos são tributados por dentro, isto, é o valor do tributo integra a definição do fato gerador do tributo respectivo.
[3] Na verdade, de conformidade com o inciso XI, do art. 37 da CF tais vantagens pessoais estão abrangidos pelo teto remuneratório que corresponde ao subsídio mensal do Ministro do Supremo Tribunal Federal. Não poderia continuar se apegando à antiga jurisprudência do STF que excluía essas vantagens pessoais do teto remuneratório mediante interpretação conjugada do inciso XI, do art. 37 com o § 1º, do art. 39 da CF que não mais existe, desde o advento da EC nº 19/98 que aboliu o regime de isonomia salarial dos servidores dos três Poderes, “ressalvadas as vantagens de caráter individual e as relativas à natureza ou ao local de trabalho”.