reforma tributária

Alternativas de reforma tributária

Sumario: 1 Introdução.2 Emendas pontuais ao texto da Constituição para aperfeiçoar o sistema tributário nacional.  3 Exame das principais propostas apresentadas. 3.1 PEC nº 110/2019. 3.2 PEC nº 45/2019. 3.3 Substitutivo apresentado por Luciano Bivar. 4 Proposta alternativa de reforma tributária. 5  Conclusão

1 Introdução

            Não é possível elaborar uma proposta de reforma tributária estrutural sem conhecer a realidade brasileira, o sistema tributário nacional vigente e a jurisprudência dos tribunais superiores, para manter as virtudes do sistema vigente e eliminar os pontos de conflitos e divergências.

            Nenhuma das propostas em discussão, como veremos mais adiantes, fez esse exame, centrando as propostas de reforma em torno da unificação de tributos incidentes sobre o consumo, mas, provocando desarranjos no federalismo fiscal misturando nessa fusão tributos privativos da União, dos Estados e dos Municípios.

Tais propostas, importadas dos países europeus, todos eles unitários na forma de Estado e de pequena dimensão territorial não se adaptam ao Brasil de dimensão continental que ocupa a 5ª posição mundial em termos de extensão territorial, caracterizado por imensos desníveis socioeconômicos entre as diversas regiões de país, a exigir, de um lado, o regime de tributação privativa – arts. 153, 155 e 156 da CF – e de outro lado, o regime de participação no produto de arrecadação de tributos alheios – arts. 157, 158 e 159 da CF. Além disso, as enormes diferenças socioeconômicas entre as diversas regiões do País, que abriga a 6ª maior população mundial com 211.193 milhões de habitantes, só perdendo para a China, Índia, Estados Unidos, Indonésia e Paquistão, obrigam a manutenção de incentivos fiscais para a redução dessas desigualdades (art. 151, I da CF).

Esse fato dificulta a homogeneização da população brasileira, o que não acontece nos países da Europa, onde a população é nivelada pela média. A unidade nacional, bem como a integração nacional são objetivos permanentes do Estado Federal Brasileiro que devem ser perseguidos pelo governo, qualquer que seja o governante no exercício do poder.

Por isso, todas as tentativas de reforma tributária apresentadas ao longo das três décadas fracassaram, resultando todas elas em minirreformas para simplesmente aumentar a carga tributária.

A bandeira da simplificação do Sistema, invariavelmente, empunhada pelos reformistas e que constam das exposições de motivos de qualquer proposta de reforma, muito ao contrário, só tornaram mais complexa o sistema tributário projetado.

Isso aconteceu, também, no nível da legislação infraconstitucional. O PL nº 3.887/2020, que unifica a legislação do PIS/COFINS, que têm o idêntico fato gerador, ao invés de limitar-se a 6 ou 7 artigos no máximo, contém 131 artigos sem conseguir sequer definir objetivamente o fato gerador da nova contribuição social unificada. O PL nº 2.337/2021, por sua vez, que altera a legislação do Imposto de Renda para abolir a dedução dos Juros sobre o Capital Próprio (JCP) e instituir a tributação sobre a distribuição de lucros e dividendos, seguida de pequena alteração de alíquota do IRPJ, bem como, da correção da faixa de isenção do IRPF, contém nada menos que 67 artigos, criando-se um verdadeiro inferno fiscal que nem Dante Alighieri conseguiu imaginar.

Em nome da simplicidade e da racionalização criou-se um caos e a confusão, decuplicando a carga burocrática, para interromper a incômoda calmaria na área da tributação do imposto de renda reinante desde a reforma de 1995 (Lei nº 9.250, de 26-12-1995).

Na realidade, a sempre alegada complexidade de nosso sistema tributário reside na legislação infraconstitucional. É preciso conter o poder normativo dos órgãos administrativos fiscais, notadamente, o da Secretaria da Receita Federal do Brasil e o do Comitê Gestor do Simples Nacional que despejam diariamente, e em escala industrial, instruções normativas, pareceres normativos, portarias, comunicados, atos declaratórios interpretativos etc. referidos no art. 100 do CTN.

Nenhum sistema tributário pode conviver com a edição desordenada desses instrumentos normativos de menor hierarquia. Somente um jejuno em Direito Tributário não sabe disso!

A complexidade não reside na quantidade de tributos, como supõem os autores da atabalhoada reforma tributária, que não sabem que o Sistema Tributário Nacional encerra um microssistema jurídico-constitucional inserido dentro do sistema Constitucional global.

Basta um único tributo do tipo PIS/COFINS não acumulativa para deixar em polvorosa os contribuintes, que não sabem, e nem tem como descobrir o que pode ser deduzido a título de insumos, um conceito indeterminado, normalmente, confundido com aquele conceito para fins de IPI. Na legislação de IPI, insumo é tudo que se incorpora no novo produto, ou tudo aquilo que é consumido no processo de industrialização. Para efeito de PIS/COFINS, que incidem sobre operações de vendas de mercadorias, e não sobre a industrialização, o conceito deve ser muito mais amplo. Assim, as embalagens de produtos vendidos devem ser consideradas insumos. Na questão das embalagens industrializadas por encomenda, o STF decidiu, por unanimidade de votos, que essas embalagens configuram insumos indispensáveis à comercialização de mercadorias (ADI-DF nº 4389, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe de 25-5-2011).

No plano constitucional, para tornar simples o sistema tributário vigente e diminuir drasticamente as acirradas discussões administrativas e judiciais, que crescem como bolas de neve, bastam apenas pequeninos ajustes nos textos constitucionais vigentes, como as preconizadas no item seguinte.

2 Emendas pontuais ao texto da Constituição para aperfeiçoar o sistema tributário nacional

Ao longo de 56 anos de exercício profissional ininterrupto, sendo 20 anos na advocacia pública, pudemos diagnosticar as causas dos litígios tributários que não param de crescer dia a dia, inviabilizando a prestação jurisdicional. Proferir decisões definitivas, depois de passadas décadas, não é fazer justiça. Na maioria dos casos, o autor da ação não tem como usufruir, em vida, o resultado material da demanda vitoriosa, por conta da interminável fila dos precatórios judiciais, fazendo com a que a Justiça claudique em sua fase mais importante, que é a de conferir efetividade à decisão proferida e transitada em julgado.

Por incrível que pareça a grande maioria dos magistrados não tem a percepção desse fato tão elementar, tanto é que demonstra aborrecimento quando um advogado reclama da morosidade em proferir despacho autorizando o levantamento da importância depositada pelo réu há meses, sob o incompreensível argumento de que tem coisas mais importantes a fazer. E assim vão se acumulando decisões despidas de efetividade que somente servem para constar do relatório da produtividade do magistrado.

Para redução do nível de demandas judiciais propomos as seguintes emendas pontuais que podem ser feitas de forma muito simples:

  1. Proibição de editar medidas provisórias em matéria tributária para conferir estabilidade à legislação tributária. Solução: acrescer letra e ao § 1º, do art. 62 da CF;
  • Obrigatoriedade de definição de fato gerador da contribuição social em nível de lei complementar, para prevenir a convolação da taxa declarada inconstitucional em contribuição social, ou para impedir de vestir a roupagem de contribuição social a um imposto inominado, burlando a rígida discriminação constitucional de impostos. Solução: acrescentar letra e ao inciso III, do art. 146 da CF;
  • Proibir a substituição tributária para frente que, além de violar a teoria geral do fato gerador da obrigação tributária, se constitui em fonte permanente de litígios. Colocar a carroça diante dos bois não irá ajudar a chegar antes, mas irá gerar tumultos. Solução: Substituir a redação do § 7º, do art. 150 da CF para vedar a tributação antecipada com base em fato gerador presumido;
  • Vedar a tributação por dentro, isto é, a inclusão do valor do tributo na sua base de cálculo, bem como na base de cálculo de outros tributos, que conspira contra o princípio da transparência tributária (§ 5º, do art. 150 da CF) e tem gerado demandas em cascata, com decisões conflitantes, e sem previsão de sua cessação. Solução: acrescentar o § 8º ao art. 150 da CF proibindo essa inclusão.
  • Vedar a tributação não cumulativa, fonte permanente de litígios tributários. Tributo bom é tributo barato e simples. Solução: acrescentar o § 9º ao art. 150 da CF proibindo a adoção dessa modalidade de tributação obscura e complexa.
  • Proibir a faculdade de elevar a alíquota do IOF sem expressa motivação que justifique a necessidade de exercitar o poder regulatório, para impedir que um imposto regulatório seja utilizado com finalidade arrecadatória. Solução:  simples aditamento ao disposto no § 1º do art. 153 da CF.
  • Limitar o valor da taxa ao provável custo da atuação estatal, a fim de afastar imposto inominado disfarçado em taxa. Solução: Alterar a redação do § 2º do art. 145 da CF para inserir a limitação proposta.

Nada mais é preciso fazer. Dirão que isso é muito simples e muito lógico. É verdade, mas a lógica e a simplicidade não podem ser tidas como defeitos do sistema tributário vigente, mas, sim, como virtudes.

3 Exame das principais propostas apresentadas

Examinares, agora, as propostas de reforma tributária em discussão que nada têm a ver com a peculiaridade da Federação Brasileira, onde convivem três esferas políticas juridicamente parificadas, tornando inviáveis modelos importados de países da Europa.

3.1 PEC nº 110/2019

Essa proposta de reforma representa a retomada pelo Senado Federal da antiga proposta de reforma tributária apresentada pelo então Deputado Federal Luiz Carlos Hauly.

Ela promove enxertos inovadores à antiga proposta, PEC nº 293-A/2004, apresentada há quinze anos. Prevê a fusão de dez tributos, dentre os federais (PIS, PASEP, COFINS, CSLL, CIDE, SALÁRIO EDUCAÇÃO, IPI e IOF), estadual (ICMS) e municipal (ISS) misturando tributos arrecadatórios com tributos regulatórios e substituindo-os pelo Imposto sobre Valor Agregado – IVA – a ser arrecadado pelos Estados, sob a denominação de Imposto sobre Operações de Bens e Serviços – IBS – porém, de competência impositiva federal, agravando o centralismo fiscal da União.

Essa arrecadação pelos Estados e posterior destinação dos recursos arrecadados para cada ente político da Federação dar-se-ia por meio de um SUPERFISCO que ninguém sabe o que é exatamente. Pode ser um órgão semelhante ao CONFAZ que, apesar de exercer o poder normativo, sequer tem personalidade jurídica própria porque criado por meio de um Convênio, o Convênio nº 8/75, de 15-4-1975.

Não é preciso colocar em prática para verificar que nada poderá dar certo: competência legislativa tributária da União; competência arrecadatória dos 26 Estados e do Distrito Federal; órgão centralizador dos Estados e do Distrito Federal em torno do SUPERFISCO. Não poderia ter uma proposta melhor para complicar tudo e destruir o sistema federativo protegido em nível da cláusula pétrea (art. 60, § 4º, I da CF).

Essa PEC prevê, ainda, a criação de imposto seletivo pela União, incidindo sobre energia elétrica, telecomunicações, petróleo, combustíveis e lubrificantes, cigarros, bebidas e veículos novos, sob o regime de tributação monofásica e de incidência por fora. Ou seja, tudo que é mais rentável e fácil de arrecadar ficou na mão da União, exacerbando o centralismo fiscal hoje existente. Em recente debate sobre o assunto na Fecomercio o ex Deputado Luiz Carlos Hauly esclareceu que suprimiu o imposto seletivo. Menos mal!

Ela preconiza um regime de transição de 15 anos, convivendo até lá os tributos atuais e o novo imposto, dosando-se as alíquotas de um e de outro ao longo desse tempo, até final extinção dos atuais tributos, o que é um fato inusitado.

O seu principal defeito é que, além de quebrar o pacto federativo, ela troca dez tributos de conceitos determinados por um único imposto de conceito indeterminado. O conceito de operações de bens e serviços só tem por limite o céu. A semente da confusão e da discórdia foi cuidadosamente planejada e plantada!

Depois de aprovada na Comissão Especial da Câmara dos Deputados essa proposta foi superada pela apresentação da PEC nº 45/19 de autoria do Deputado Baleia Rossi adiante examinada. Porém, a sua discussão foi retomada pelo Senado Federal sob o nº 110/19, como de início referida.

3.2  PEC nº 45/2019

A PEC nº 45/2019 promove uma reforma parcial do Sistema Tributário, fundindo em torno do IBS os cinco tributos incidentes sobre o consumo (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS). Em que pese o esforço de seus defensores, ela padece de vícios incuráveis da inconstitucionalidade tornando-a inviável.

Primeiramente, a exemplo da PEC nº 110/2019, há um obstáculo intransponível à sua aprovação pela quebra da forma federativa de Estado (inciso I, do § 4º, do art. 60 da CF) ao suprimir dos Estados e Municípios os impostos privativos de maior arrecadação.

Qualquer enfraquecimento dos Estados, no entender do STF, equivale à medida tendente a abolir a forma federativa de Estado (ADI MC nº 926-5). Em percuciente estudo realizado por seis especialistas em Direito Tributário, além da patente complexidade da proposta, ficou demonstrado o seu caráter centralizador e a sua consequente inconstitucionalidade por transferir para a União 88% da arrecadação estadual e 43% da arrecadação municipal.[1]

Em segundo lugar, instituir o Comitê Gestor para tentar conferir caráter nacional a um típico imposto federal, conferindo-lhe poder normativo e outorgando-lhe representação extrajudicial e judicial, torna inexequível a sua operacionalização. Começa pela dificuldade na escolha dos representantes da União, dos 26 Estados e do Distrito Federal, além dos representantes dos 5.560 Municípios para compor esse Comitê Gestor.

E mais, os representantes desse Comitê Gestor não poderão atuar simultaneamente nas atividades extrajudiciais e nas atividades judiciais que reclamam o poder de postulação em juízo a cargo exclusivo de procuradores ou advogados públicos. E estes não poderão fiscalizar tributos, nem lavrar autos de infração, atribuição privativa dos integrantes da carreira de auditores fiscais.

Outrossim, como elaborar peças processuais a seis mãos? É claro que na prática, a representação judicial ficará a cargo da Procuradoria da Fazenda Nacional, porque o tributo é de competência da União.

O disfarce da quebra do princípio federativo por meio de um Comitê Gestor é condenável, sendo ele absolutamente inexequível como se demonstrou.

O terceiro mal é que essa PEC, ao fixar uma alíquota uniforme de 25% sobre todos os bens e serviços, provoca injusta concentração da carga tributária no setor da agricultura e na área da prestação de serviços. Aquela passa a pagar o IPI e a área de serviços passa a arcar com o IPI e ICM, causando um aumento em torno de 300%. Para o prestador de serviço em caráter pessoal (advogado, contador, médico etc.) o aumento chega a quase 700% por conta da inclusão do PIS/COFINS, além do IPI/ICMS.

O autor da proposta diz que o modelo foi importado da Europa. Só que lá a alíquota básica, que varia de 20% a 25%, é flexibilizada prevendo-se alíquotas de 16%, 12%, 6%, e até a isenção, tudo dependendo do setor da atividade produtiva. Trata-se, portanto, de uma cópia malfeita do modelo europeu.

O quarto problema é que a PEC nº 45, ao vedar incentivo fiscal de qualquer espécie, contraria a política de integração nacional, mediante redução gradual das desigualdades socioeconômicas entre as diferentes regiões do País (art. 150, I da CF). A integração nacional, como assinalamos em nossa obra, constitui um dos objetivos nacionais permanentes a ser perseguida por sucessivos governantes.[2]

O quinto grande problema é que essa PEC suprime doze preceitos constitucionais e cria mais de 140 normas novas, potencializando demandas no STF. Introduz cerca de 40 conceitos novos em matéria tributária, sinalizando décadas de discussões na Corte Suprema até pacificar todos eles. É de se lembrar que a pacificação do conceito de circulação de mercadorias levou longos 23 anos de jurisprudência. E mais, somente na sessão plenária do dia 14-8-2020, o STF, resolvendo o tema nº 1.099 da repercussão geral, consagrou o entendimento de que no deslocamento de mercadorias de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte situado em outro estado não incide o ICMS (ARE 1255885-MS/RG, Rel. Min. Dias Toffoli). Pergunto, quantas décadas serão necessárias para a Corte Suprema fixar entendimentos definitivos em torno de 40 novos conceitos previstos na PEC sob exame?

Na realidade, a PEC nº 45 está muito longe da pretendida simplificação, pois torna tudo muito mais complexo. Outrossim, ela irá provocar a quebradeira generalizada de Estados e Municípios. A previsão de 50 anos para a União repor as perdas arrecadatórias dos Estados é um claro sinal indicativo de que a proposta de reforma irá arruinar as finanças dos entes regionais. E o seu autor sabe disso, tanto é que estipulou um prazo de 50 anos para consertar o estrago. Não é uma solução lógica arruinar os Estados para, ao depois, tentar recuperá-los ao longo de 50 anos, como se o mundo fosse estático. Certamente, a sucessão de fatores supervenientes acabará dobrando esse prazo para meio século.

E o Comitê Gestor, a exemplo do que ocorre com o Comitê Gestor do SIMPLES, tem a vocação de provocar um cipoal de normas que mais confundem os contribuintes do que resolvem.

Enfim, essa PEC nº 45/2019 tem a garantia de não dar certo. É um grande avanço do retrocesso.

3.3 Substitutivo apresentada por Luciano Bivar

O Deputado Luciano Bivar e outros apresentaram um substitutivo no bojo da PEC nº 45/2019 retroexaminada, eliminando todos os tributos federais de natureza arrecadatória, com exceção do imposto de renda, criando em seu lugar o Imposto sobre Movimentação Financeira – IUF. Impostos regulatórios como os incidentes sobre o comércio exterior (II e IE), também, foram mantidos.

O IUF incide sobre as transações efetuadas no sistema bancário, incidindo uma alíquota fixa de 1.611% sobre cada débito e crédito. A proposta prevê a aplicação de alíquota maior para saques ou depósitos em espécie para desestimular as transações em dinheiro vivo. Aparentemente a operacionalização desse IUF é simples, não ensejando providências burocráticas por parte dos contribuintes.

O grande mal desse IUF previsto é que ele tem uma alíquota muito elevada para compensar a supressão de demais tributos federais, o que poderá desencadear a reação dos contribuintes que irão buscar meios alternativos para evitar as movimentações bancárias que nem sempre revelam indícios presuntivos de riqueza e até chegar à adoção de moeda virtual, quando toda a tributação restará comprometida.

A vantagem de várias espécies tributárias, assim como da diversidade de impostos, é que a carga tributária global é distribuída entre diferentes contribuintes. O prestador de serviço, por exemplo, não paga IPI, nem ICMS. E sendo ele pessoa física nem PIS-COFINS pagará. No IUF, praticamente, todas as pessoas, físicas e jurídicas, serão contribuintes. Com a sua implantação passaremos a ter, na prática, dois impostos universais: IR e o IUF.

4 Proposta alternativa de reforma tributária [3]

As PEC nº 110/2019 e a PEC nº 45/2019, como vimos, padecem do vício incurável da inconstitucionalidade por afronta ao pacto federativo, insuscetível da alteração por via de Emendas (art. 60, parágrafo 4º, inciso I da CF). E mais, longe de simplificar o sistema tributário vigente complica tudo, jogando fora mais de três décadas de experiências e de jurisprudência que se formou em torno dos impostos em vigor.

Contudo, ficarmos apenas no plano da crítica, sem oferecer alternativas, não conduz a resultados práticos desejados.

Foi pensando nisso que eu e o ex Secretário da Receita Federal, Marcos Cintra, resolvemos apresentar uma proposta alternativa de reforma tributária parcial que, realmente, vai ao encontro da desejada simplificação, reduzindo drasticamente o contencioso administrativo e judicial na esfera da União.

Essa proposta parte do substitutivo apresentada pelo Deputado Luciano Bivar, com os ajustes que se fizeram necessários a nosso entender.

Essa proposta de reforma tributária contorna o conflito federativo da proposta original de Baleia Rossi e cria um Imposto Único Federal incidindo uma alíquota de 1,2% em cada débito e crédito, para substituir tributos cuja arrecadação equivale a 11% do PIB a ser arrecadado pelo sistema bancário, a exemplo do que vinha fazendo em relação à antiga CPMF. Mantida a essência da proposta de Luciano Bivar procedemos a um pequeno ajuste.

Fundem-se em torno do IUF todos os tributos federais de cunho arrecadatório, quais sejam: o IPI e IOF [4] e todas as contribuições sociais, inclusive, a previdenciária, com exceção daquela paga por empregados, autônomos e avulsos. Ficam de fora o Imposto de Renda, revestido do caráter de universalidade e graduado segundo a capacidade contributiva de cada um, e o Imposto Territorial Rural que tem como sujeito ativo o Município que o fiscaliza e arrecada. O ITR, tradicionalmente, tem atuado como instrumento de reforma agrária.

Essa proposta tem algumas características a serem destacadas:

1- resgata a exitosa experiência do IPMF/CPMF que vigeu durante quase doze anos no Brasil com absoluta eficiência arrecadatória, baixo custo operacional e zero de contencioso. Sua cumulatividade, por outro lado, tem efeitos fortemente atenuados por sua baixa alíquota nominal, como comprovado por simulações que demonstram que o efeito da cumulatividade é mais baixo em um tributo em cascata com baixa alíquota do que um tributo sobre valor agregado com altas alíquotas, como ocorre com IVAs. A prova disso é o PIS/COFINS não cumulativo que bateu recorde de arrecadação no primeiro mês de sua vigência.

2- alcança a economia subterrânea, sendo esta sua mais notável característica, não encontrada em nenhum dos tributos convencionais. Alcança a informalidade, os sonegadores e a elisão, ampliando o universo tributário brasileiro em cerca de 25% do PIB que hoje se encontram na economia invisível, permitindo a redução de carga tributária dos que são tributados hoje, à medida que incorpora os que se encontram fora.

3- hoje a tributação federal (cerca de R$1,6 trilhão) se concentra em apenas dois grandes blocos: a) o bloco fiscal propriamente dito (cerca de R$ 600 bilhões), arrecadando recursos para o financiamento do custeio e dos investimentos públicos, e b) o bloco de financiamento da seguridade (cerca de R$ 800 bilhões) com contribuições próprias.  O IUF proposto mantém apenas o IR e o ITR como únicos impostos federais, e a contribuição previdenciária a cargo de empregados, autônomos e avulsos.

4- Respeita-se as esferas de tributação dos Estados e dos Municípios.

 Enfim, de todas as propostas existentes esta é a única que efetivamente simplifica o Sistema Tributário Nacional, contribuindo para a diminuição da absurda carga burocrática que encarece o “Custo Brasil’, segundo pesquisa feita pelo Ministério da Economia em parceria com Movimento Brasil Competitivo.

5  Conclusão

Essa proposta de Imposto Único Federal preserva a autonomia financeira dos Estados e dos Municípios e, por conseguinte, suas autonomias políticas; acaba com o contencioso administrativo ou judicial na esfera da União, concorrendo para diminuir o incrível estoque da dívida ativa da União que gira em torno de R$3.5 trilhões, com perspectivas de crescimento de 15% ao ano; e por derradeiro acaba com o terror dos empresários no que diz respeito à tributação da folha de remuneração pondo um fim ao regime excepcional e temporário da CPRB.

Enfim, é a única proposta que efetivamente vem ao encontro da bandeira da simplificação do sistema tributário nacional. Dado ao precedente da CPMF, que vigeu por quase doze anos, não é preciso um prazo de transição, podendo entrar em vigor no exercício seguinte ao de sua aprovação.

SP, 15-9-2021.

Por Kiyoshi Harada


[1]Reforma tributária: onerar mais não é o caminho.  Everardo Maciel, Hamilton Dias de Souza, Humberto Ávila, Ives Gandra da Silva Martins, Kiyoshi Harada e Roque Antonio Carrazza.  Jornal O Estado de São Paulo, de 26-7-2019, p. A2.

[2]Cf. nosso Direito financeiro e tributário, 30. ed. São Paulo: Atlas, 2021,  p. 6.

[3] Esse item foi desenvolvido em conjunto com o economista Marcos Cintra, ex Secretário da Receita Federal.

[4] O IOF de há muito perdeu o seu caráter de imposto regulatório. Se mantido, deve-se exigir motivação expressa para a majoração de sua alíquota, como preconizado no item 2.

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