Remédio manipulado: incidência do ICMS ou do ISS?*

O art. 155, § 2º, inciso IX, letra b da CF dispõe:

“IX – incidirá também (ICMS):

b) sobre o valor total da operação, quando mercadorias forem fornecidas com serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;”

Por sua vez, dispõe o art. 156, III da CF que compete aos municípios:

“III – serviços de qualquer natureza, não compreendidos no art. 155, II, definidos em lei complementar.”

Somente os serviços de comunicação e os de transporte intermunicipal e interestadual estão compreendidos na competência impositiva estadual (art. 155, II da CF).

Os serviços farmacêuticos estão contemplados no item 4.07 da lista de serviços anexa à Lei Complementar nº 116/2003.

Outrossim, a Lei Complementar nº 123, de 14-12-2006, que instituiu o estatuto das micro e pequenas empresas, inclui os serviços de qualquer natureza, a serem tributados pelo ISS, na Tabela III anexa.

A exemplo do que aconteceu com os CDs de prateleira e aqueles personalizados, de início, prevaleceu a corrente sustentando a incidência do ICMS porque a lista de serviços se refere genericamente a serviços farmacêuticos, sem distinguir os remédios elaborados a partir da manipulação, de acordo com a prescrição médica específica.

Essa questão foi decidida pelo STF sob a sistemática de repercussão geral resolvendo Tema 379.

Por maioria de votos ficou assentada a seguinte tese:

“Incide ISS sobre as operações de venda de medicamentos preparados por farmácias de manipulação sob encomenda. Incide o ICMS sobre a venda de medicamentos por elas ofertados aos consumidores em prateleira”(RE nº 605552-RG DJe de 06-10-2020). A ata de julgamento foi publicado no DJe de 19-08-2020).

Considerando que houve alteração da jurisprudência no julgamento do Recurso Extraordinário sob a sistemática de Repercussão Geral, portanto, com efeito vinculante, ambas as partes ingressaram com embargos declaratórios para a modulação de efeitos.

Os embargos declaratórios foram acolhidos e os efeitos foram modulados estabelecendo que a decisão produz efeitos ex nunc, a partir do dia da publicação da ata de julgamento do mérito, de modo a convalidar os recolhimentos do ICMS e ISS efetuados em desacordo com a tese da repercussão geral, fincando ressalvados:

1 – as hipóteses de comprovada bitributação; II – as hipóteses em que o contribuinte não recolheu o ICMS ou ISS devidos, até a véspera da publicação da ata de julgamento do mérito; III – os créditos tributários atinentes à controvérsia e que foram objeto de processo administrativo, concluído ou não, até a véspera da publicação da ata de julgamento; IV – as ações judiciais atinentes à controvérsia e pendentes de conclusão, até a véspera da publicação da ata de julgamento do mérito, devendo, em todos esses casos, ser observado o entendimento desta Corte e o prazo decadencial e o prescricional, tudo nos termos do voto do Relator.

A ata de julgamento do mérito que proclamou a incidência do ISS sobre os remédios manipulados foi publicada no DJe do dia 18-8-2020.

Como consequência pratica da modulação de efeitos temos:

a) não caberá repetição de indébito quer do ICMS, quer do ISS;

b) o contribuinte que pagou tanto o ICMS, quanto o ISS fará jus à repetição do ICMS;

c) contribuinte que não recolheu o ICMS, nem o ISS até o dia 17-8-2020 deverá efetuar o recolhimento do ISS, respeitado os prazos de decadência e de prescrição;

d) os créditos tributários sob discussão administrativa não concluída até o dia 17-8-2020 resolvem-se a favor da tese de recolhimento do ISS em relação ao remédio manipulado e a favor da tese de recolhimento do ICMS em relação a remédios de prateleira;

e) os créditos tributários sob discussão judicial pendentes de decisão até o dia 17-8-2020 resolvem-se a favor do ISS ou do ICMS, conforme se trate de remédio manipulado ou remédio disponibilizado no balcão da farmácia.

SP, 13-11-2023.

* Texto publicado no Migalhas, edição nº 5.731 de 22-11-2023.

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