Renúncia de herança

Renúncia de herança gera ICMD?

Na prática, há muita dúvida acerca da incidência ou não do ITCMD na renúncia de herança.

A incidência ou não do imposto depende de tratar-se de renúncia abdicativa ou de renúncia translativa, como veremos mais adiante.

Examinemos a matéria à luz do texto legal, da doutrina e da jurisprudência.

Dispõe o art. 5º da Lei nº 19.795, de 28-12-2000, que instituiu o ITCMD no Estado de São Paulo:

“Artigo 5º – O imposto não incide:
I – na renúncia pura e simples de herança ou legado;”

Trata-se de não incidência juridicamente qualificada, ou seja, o fato descrito no inciso legal sob exame é retirado do campo de incidência do ITCMD. Surte o mesmo efeito da isenção, mas, com ela não se confunde em termos de doutrina majoritária.

O inciso I cuida de renúncia pura e simples da herança ou do legado que outra coisa não é senão o fato de o herdeiro abrir mão da herança ou do legado caracterizando-se a chamada renúncia abdicativa de que cuida o art. 1.804 do CC:

                “Art. 1.804. Aceita a herança, torna-se definitiva a sua transmissão ao herdeiro, desde a abertura              da sucessão.

                Parágrafo único. A transmissão tem-se por não verificada quando o herdeiro renuncia à              herança.”.

Pela figura jurídica da saisini a herança transmite-se aos legítimos herdeiros ou legatários com a morte do autor da herança. Todavia, sua transmissão definitiva só se dá com a aceitação da herança, conforme preceitua o caput do dispositivo legal transcrito, porque poderá haver renúncia do herdeiro, hipótese em que não existirá a transmissão consoante a regra do parágrafo único.

Tanto a aceitação, como a renúncia da herança ocorre no momento da abertura da sucessão.  Se houver quatro herdeiros por ocasião da abertura da sucessão e um deles renunciar a sua parte ficará acrescido ao monte mor que será partilhado entre três herdeiros.

 Herdeiro que renuncia é considerado como se nunca tivesse existido. Na forma do art. 1.812 do CC, a aceitação da herança e a sua renúncia são irrevogáveis.

Se o herdeiro vier a falecer antes de manifestar pela aceitação ou renúncia, cabe a seus herdeiros decidir consoante o disposto no art. 1.809 do CC:

“Art. 1.809. Falecendo o herdeiro antes de declarar se aceita a herança, o poder de aceitar passa-lhe aos herdeiros, a menos que se trate de vocação adstrita a uma condição suspensiva, ainda não verificada.

Parágrafo único. Os chamados à sucessão do herdeiro falecido antes da aceitação, desde que concordem em receber a segunda herança, poderão aceitar ou renunciar a primeira.”

É preciso, também, distinguir a renúncia abdicativa da renúncia translativa.

Na primeira modalidade de renúncia não há incidência do imposto, mas, na segunda há ocorrência do fato gerador do ITCMD.

A chamada renúncia translativa, na realidade, não configura uma renúncia propriamente dita, porque o herdeiro ou legatário não abre mão de receber a herança ou legado, mas simplesmente transfere graciosamente a outra pessoa, implicando desta forma uma transmissão, razão pela qual incide a regra de tributação do ITCMD.

O exame das ementas abaixo transcritas servirá para a perfeita compreensão da matéria tratada neste artigo.

Ementa. Agravo de Instrumento inventário renúncia à herança realizada pelos filhos em favor da genitora, viúva meeira configuração de renúncia translativa que equivale a uma doação incidência do imposto ITCMD interpretação restritiva nos termos do art. 114 do CC – precedentes decisão mantida Recurso não provido (TJSP;  Agravo de Instrumento 0031606-95.2013.8.26.0000; Relator (a): Moreira Viegas; Órgão Julgador: 5ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional III – Jabaquara – 2ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 13/03/2013; Data de Registro: 14/03/2013).

Ementa. Agravo de Instrumento. Arrolamento – Decisão que determinou a comprovação de protocolo de procedimento administrativo de ITCMD quanto à renúncia da meação pela viúva inventariante – Renúncia da meação que implica em transferência patrimonial “inter– vivos”, sendo necessário o recolhimento do ITCMD devido a título de doação – Observação de que a questão acerca do ITCMD devido pela sucessão “causa mortis” deve ser resolvida na esfera administrativa – Inteligência do parágrafo 2° do artigo 659 do Novo Código de Processo Civil – Suficiente a intimação da Fazenda do Estado para lançamento do tributo após o trânsito em julgado da sentença de homologação da partilha ou adjudicação. Nega-se provimento ao recurso, com observação (TJSP; Agravo de Instrumento 2209476-88.2016.8.26.0000; Relator (a): Christine Santini; Órgão Julgador: 1ª Câmara de Direito Privado; Foro de Tatuí – 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 12/12/2016; Data de Registro: 12/12/2016).

Cumpre por fim observar que a norma de não incidência ou de isenção, por se tratar de uma regra de exceção, não comporta interpretação extensiva, nem analógica, devendo ser interpretada literalmente consoante dispõe o art. 111 do CTN:

            “Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha            sobre:

                  I – suspensão ou exclusão do crédito tributário;

                  II – outorga de isenção;

                  III – dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias.”

Encontramos um julgado do TJSP que equipara a meação à herança ou ao legado pra fins de aplicação da regra de não incidência, o que, a nosso ver é um equívoco:

EMENTA. VOTO DO RELATOR EMENTA – AGRAVO DE INSTRUMENTO – INVENTÁRIO – Decisão que determinou à inventariante o recolhimento do ITCMD – Descabimento – Renúncia da meação pela viúva meeira em favor do monte-mor, com reserva de usufruto – Hipótese de renúncia abdicativa e não translativa (tampouco doação) – Não incidência do ITCMD – Aplicação do art. 5º, I, da Lei Estadual 10.705/2000 – Precedentes, inclusive desta Câmara – Decisão reformada – Recurso provido (TJSP;  Agravo de Instrumento 2150913-38.2015.8.26.0000; Relator (a): Salles Rossi; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional IX – Vila Prudente – 1ª Vara da Família e Sucessões; Data do Julgamento: 17/08/2016; Data de Registro: 17/08/2016)

A chamada renúncia abdicativa só tem aplicação em relação à herança ou ao legado, nos estritos termos do art. 5º, incido I da Lei nº 10.7905/2000.

SP, 29-8-2022

Por Kiyoshi Harada

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