Sociedade uniprofissional registrada na JUCESP e o ISS

A maioria esmagadora dos municípios seguindo o modelo equivocado da legislação paulistana, Lei n° 13.701/2003, somente permite a tributação pelo regime especial as chamadas sociedades uniprofissionais, isto é, aquelas constituídas por profissionais da mesma categoria científica.

Na verdade, a lei de vigência nacional do ISS não faz distinção entre sociedades pluriprofissionais e uniprofissionais, como assentado pacificamente na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal à época em que era de sua competência a apreciação de questões atinentes à aplicação de lei federal, hoje, inserida na competência do STJ que se enveredou pelo caminho oposto. E não há mais como reverter essa jurisprudência. Mas, não é esse o tema deste artigo que tem por objetivo saber se uma sociedade uniprofissional registrada perante a JUCESP pode ou não pagar o ISS pelo regime de alíquota fixa.

O § 2°, do art. 15 da Lei Municipal de n° 13.701/2003 exclui do regime de tributação especial as sociedades uniprofissionais que:

tenham como sócio pessoa jurídica;

sejam sócias de outra sociedade;

desenvolvam atividade diversa daquela a que estejam habilitados profissionalmente os sócios;

tenham sócio que delas participe tão somente para aportar capital ou administrar;

explorem mais de uma atividade de prestação de serviços;

terceirizem ou repassem a terceiros os serviços relacionados à atividade da sociedade;

se caracterizem como empresarias ou cuja atividade constitua elemento de empresa;

sejam filiais, sucursais, agências, escritório de representação ou contato, ou qualquer outro estabelecimento descentralizado ou relacionado à sociedade sediada no exterior.

Neste artigo enfocaremos a hipótese do inciso VII. Em artigos subsequentes passaremos a examinar as demais hipóteses ainda não ventiladas em nossos textos.

Enseja exclusão do regime de tributação privilegiado aquelas sociedades uniprofissionais que “se caracterizem como empresarias, ou cuja atividade constitua elemento de empresa”.

A parte final desse inciso está em harmonia com o disposto no parágrafo único do art. 966 do Código Civil que assim prescreve:

“Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”

A expressão final está a excluir do conceito de não-empresário aquele profissional que a par do exercício da profissão intelectual de natureza científica explora no local uma atividade lucrativa. É o caso, por exemplo, de um médico que mantém anexo a seu consultório um SPA para atendimento de seus clientes.

O problema que estamos enfrentando na prática do dia a dia diz respeito ao registro da sociedade uniprofissional na JUCESP ao invés de arquivamento de seus atos constitutivos no Cartório de Pessoas Jurídicas.

É que os atos constitutivos, ou seja, a elaboração do contrato social, bem como o seu registro nas repartições públicas competentes ficam a cargo dos profissionais da contabilidade, técnicos em contabilidade ou contadores que nem sempre conhecem a legislação tributária em profundidade necessária.

Assim é comum consignar a expressão “Ltda.” no final da denominação social. Aquela expressão é própria de uma sociedade empresária, tanto é que a OAB, por exemplo, recusa o registro do ato constitutivo da sociedade de advogados se constar a expressão “Ltda.” na denominação social. Para outros órgãos de fiscalização do exercício profissional, como CREA, CRM e CRC a presença daquela expressão é irrelevante.

A jurisprudência já absorveu esse equívoco e tem aceitado a qualificação de sociedade uniprofissional de médicos ou engenheiros cuja denominação ostente a expressão “Ltda.”

Mas, o mais grave é o registro do ato constitutivo de sociedade uniprofissional na JUCESP.

Alguns desses contratos sociais que examinamos, além de registrados na JUCESP, ainda, constam a inserção da expressão “sociedade empresária uniprofissional” no dispositivo que declina os objetivos da sociedade.

Em tais casos, o fisco municipal está promovendo o desenquadramento do regime de tributação especial até com efeito retroativo, com lastro no inciso VII, do § 2° do art. 15 da Lei n° 13.701/2003.

Pergunta-se, é legal e legitimo esse procedimento do fisco municipal?

Quanto ao efeito retroativo, o art. 146 do CTN pela sua clareza dispensas maiores comentários.

A questão difícil de ser solucionada diz repeito ao registro da sociedade uniprofissional na Junta Comercial, como se os sócios tivessem feito uma opção para exercer atos de comércio.

Na verdade, não tem relevância jurídica o nomen iures dado, nem o arquivamento do ato constitutivo em órgão próprio de sociedade empresária. O que interessa juridicamente é o conteúdo da atividade exercida pela sociedade. Chamar uma determinada pessoa do sexo masculino de “Maria” não faz dele uma mulher, da mesma forma que o registro de seu nascimento em órgão diverso do Cartório Civil de Pessoas Naturais, acaso levado a efeito equivocadamente, também, não o desqualifica como pessoa humana do sexo masculino.

É certo que o art. 967 do CC assim prescreve:

“É obrigatória a inscrição do empresário no Registro Público de Empresas Mercantis da respectiva sede, antes do início de sua atividade.”

Esse dispositivo torna obrigatória a inscrição no Registro Comercial antes de iniciar a atividade empresarial, mas não diz que esse registro torna a sociedade como sendo de natureza empresarial.

A definição de sociedade empresarial está no art. 982 do CC:

“Salvo as exceções expressas, considera-se empresária a sociedade que tem por objeto o exercício de atividade própria de empresário sujeito a registro (art. 967); e, simples, as demais.”

Ora, o parágrafo único do art. 966 antes transcrito exclui do conceito de empresário o exercente de profissão intelectual, de natureza cientifica, como os advogados, os médicos, os engenheiros e os contadores.

Hoje, as sociedades por eles formadas não podem ter natureza mercantil à luz do direito vigente.

Os artigos 966, 967 e 982 do Código Civil devem ser interpretados de forma harmônica.

Assim, o registro de sociedade uniprofissional na JUCESP, por equívoco, não faz dela, de per si, uma sociedade empresarial. Nem a estrutura empresarial com quantidade grande de sócios e colaboradores ocupando um prédio de grandes dimensões tem o condão de transformar a sociedade uniprofissional em sociedade empresarial.

Estrutura empresarial não se confunde com empresa comercial, industrial ou de serviços. Do contrário, as tradicionais cooperativas de grande porte, também seriam empresas voltadas para a atividade lucrativa.

Contudo, na forma do art. 3° da Lei n° 5.764/74 “celebram contrato de sociedade cooperativa as pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de uma atividade econômica, de proveito comum, sem objetivo de lucro.”

A natureza contratual e civil da cooperativa que exsurge desse artigo 3° retira a cooperativa em geral do âmbito do conceito de empresa, qualquer que seja a sua estrutura física ou organizacional. É claro que se a cooperativa, no exercício de atividade atípica vier a desenvolver ato de comércio arcará com os tributos pertinentes a empresas, como expressamente permitem os artigos 85 e 86 da Lei n° 5.764/74.

Não é o caso das sociedades uniprofissionais que sofrem desenquadramento do regime especial de tributação se praticarem atos de natureza empresarial, isto é, se as atividades exercidas deixarem de ter natureza pessoal dos sócios, que respondem pessoalmente perante os tomadores de serviços, fato que não implica proibição de contar com colaboradores. Apenas a responsabilidade civil e técnica é do sócio e não do eventual colaborador.

Concluindo, o registro equivocado de uma sociedade uniprofissional perante a JUCESP, por si só, não pode ensejar o seu desenquadramento do regime especial de pagamento do ISS por quantias fixas.

Mas, essa questão da prevalência do conteúdo das atividades exercidas pela sociedade uniprofissional sobre a questão formal de seu registro na JUCESP ainda não foi enfrentada pela jurisprudência.

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